Acórdão nº 756/20.4T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório “Generali – Companhia de Seguros, S.A.” intentou acção de condenação sob a forma de processo comum, contra “José Oliveira Barbosa, Unipessoal, Ld.ª”, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: “1.- a quantia global já, até agora, liquidada de € 114.464,44 (cento e catorze mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos); 2.- as quantias que, com os mesmos fundamentos, ela, Autora, venha mais tarde a pagar ao Sinistrado; 3.- juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até à data do pagamento integral do aqui peticionado.

Fundamentou o pedido invocando o direito de regresso contra a Ré, com base no disposto nos artigos 17º, 18 e 79º da LAT, alegando ter ocorrido, no dia 9/04/2017, um acidente de trabalho, que vitimou o trabalhador da referida Ré, AA, acidente que atribui à violação das regras de segurança no trabalho.

Estando o sinistro coberto por seguro de acidentes de trabalho, em cumprimento da sentença proferida no processo de acidentes de trabalho nº. 3762/18.........., do Juiz .. do Tribunal do Trabalho de ......., teve de liquidar ao referido trabalhador um total de € 114.464,44 e que, no futuro, continuará a pagar-lhe, além do mais, as pensões anuais.

A Ré contestou impugnando parte da factualidade alegada e afirmando desconhecer se a Autora pagou ou não ao Sinistrado as quantias que ora reclama negando ainda que tivesse violado as regras de segurança porquanto a máquina em causa não só dispunha de dispositivo de paragem de emergência como dispunha ainda de uma grelha de protecção que respeita as especificações técnicas legalmente exigíveis.

Mais alegou que o acidente se ficou a dever a facto imputável ao Sinistrado na medida em que ele colocou na máquina menor quantidade de massa do que era habitual e, ignorando todas as regras de segurança impostas por ela, Ré, colocou a sua mão esquerda junto dos rolos, deixando que, por distracção, a mesma ficasse entalada no cilindro da máquina, esmagando-lhe dois dedos.

Instruídos os autos foi proferida sentença que decidiu julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de € 112.748,51 (cento e doze mil, setecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados desde 12 de Fevereiro de 2020 e até integral pagamento, às taxas sucessivamente emergentes do disposto no artº. 559º do C. Civil, actualmente, 4%, absolvendo-a do mais que vinha peticionado.

Inconformada, a Ré recorreu pedindo a reapreciação da prova e a revogação da sentença julgando-se a acção inteiramente improcedente.

O Tribunal da Relação julgou a apelação procedente e revogou a decisão impugnada, julgando improcedente a acção e absolvendo a Apelante/Ré de todo o peticionado pela Apelada/Autora.

A autora interpõe agora recurso de revista concluindo que: “I - O ponto 34.A dos factos dados como provados pela Relação não integra qualquer facto, mas mera conclusão, devendo, como tal, em cumprimento do previsto no artº 607º/3 e 4 do CPC, ser dado como não escrito.

  1. Em face dos factos provados nos autos ao revogar a sentença da 1ª instância o tribunal recorrido, não reconhecendo a violação de regras de segurança no trabalho pela ré, nem, como tal, o direito de regresso/sub-rogação da recorrente sobre aquela, fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto nos artºs 3º, d), 13º e 16º/1 do DL. 50/05, de 25 de Fevereiro, e nos artºs 51º e 56º da Portaria 53/71, de 3 de Fevereiro, e, nos artº 79º/3 e 18º da LAT, devendo, por tais motivos, o seu acórdão, ser substituído por outro que, fazendo aquele reconhecimento, confirme antes a sentença da 1ª instância.

  2. Ao absolver a ré da parte do pedido integrada pelos factos 16 e 17 da sentença da 1ª instância - a respeitante aos pagamentos feitos a terceiros pela recorrente em consequência do acidente laboral e para assistência ao sinistrado - em vez de remeter a sua liquidação para execução de sentença, o tribunal a quo fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do artº 609º/2 do CPC, devendo, também, nessa parte, ser revogada a sua decisão e substituída por outra que condene a ré a pagar o que, àquele título, for depois liquidado em execução de sentença.

Nas contra-alegações a ré defende a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… … Fundamentação Encontra-se provada a seguinte matéria de facto: “1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à celebração de contratos de seguro.

  1. A Ré é uma sociedade unipessoal que se dedica à fabricação de produtos de panificação e afins.

  2. No exercício daquela sua actividade e na qualidade de seguradora, a Autora celebrou com a Ré, esta na qualidade de tomadora, um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº ...................6 000, pelo qual esta última transferiu para aqueloutra sua responsabilidade infortunística (cfr. documento junto a fls.10 e seg., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

  3. Este contrato estava em vigor no dia 09.04.2017.

  4. Nessa data AA trabalhava por conta e sob as ordens da Ré, com a categoria profissional de padeiro, sendo pessoa segura no referido contrato de seguro.

  5. No dia ...04.2017, cerca das .. horas, na pastelaria ............., estabelecimento comercial pertença da Ré e sede desta, aquele dito AA sofreu um acidente que foi participado à Autora por se verificar o risco coberto pelo sobredito contrato de seguro.

  6. Desse acidente resultaram lesões e a diminuição da capacidade de trabalho daquele sinistrado, o qual intentou contra a aqui Autora uma acção especial emergente de acidente de trabalho que correu os seus termos sob o nº 3762/18.......... no Juiz .. do Juízo do Trabalho de ........, da Comarca de ......

  7. Nessa acção foi proferida, em 10 de Janeiro de 2019, douta sentença que reconheceu o acidente como de trabalho, as lesões e mais incapacidades sofridas pelo sinistrado e, em consequência, condenou a ali Ré, aqui Autora, a pagar àquele sinistrado o seguinte: - a pensão anual e vitalícia de € 2.781,04; - a quantia de € 1.276,65 de diferenças de ITA; - a quantia de € 15,00 de despesas de deslocação; - juros de mora.

  8. O acidente ocorreu no local e em tempo de trabalho, quando o sinistrado, trabalhador da ré, trabalhava por conta e sob as ordens desta.

  9. Na altura, o sinistrado operava uma máquina de pastelaria, denominada de “cilindro de passar/esticar massa”.

  10. Tudo era feito pelo uso de cilindros e de forma repetitiva.

  11. Na execução da tarefa o sinistrado aproximou inadvertidamente o seu membro superior esquerdo dos ditos cilindros, aonde aquele ficou subitamente preso, o que originou o esfacelamento da mão esquerda do sinistrado, com exposição óssea e laceração no antebraço esquerdo.

  12. Tal membro só foi solto da máquina por BB e CC, funcionários da pastelaria, presentes no local à hora dos factos, terem desmontado aquela.

  13. Em cumprimento da sentença referida em 8., a Autora pagou àquele sinistrado as sobreditas quantias de € 1.276,65 (ITA), € 15,00 (deslocações) e € 74,47 juros de mora.

  14. E pagou-lhe ainda, até esta data, as seguintes pensões: - em 01/06/2017 pagou € 102,40; - em 09/06/2017 pagou € 29,26; - em 23/06/2017 pagou € 522,18; - em 30/06/2017 pagou € 61,99; - em 14/07/2017 pagou € 720,83; - em 21/07/2017 pagou € 519,72; - em 25/08/2017 pagou € 486,10; - em 30/08/2017 pagou € 117,35; - em 22/09/2017 pagou € 352,07; - em 28/09/2017 pagou € 16,77; - em 04/10/2017 pagou € 134,12; - em 02/11/2017 pagou € 519,72; - em 24/11/2017 pagou € 502,95; - em 14/12/2017 pagou € 72,90; - em 20/12/2017 pagou € 519,72; - em 25/01/2018 pagou € 297,58; - em 01/03/2018 pagou € 8,38; - em 21/03/2018 pagou € 259,86; - em 20/04/2018 pagou € 142,51; - em 24/05/2018 pagou € 352,06; - em 17/01/2019 pagou € 1.830,65, liquidados em conjunto com os valores referidos em 8º; - em 30/01/2019 pagou € 198,65; - em 23/02/2019 pagou € 226,33; - em 27/02/2019 pagou € 208,16; - em 27/03/2019 pagou € 201,82; - em 29/04/2019 pagou € 201,82; - em 30/05/2019 pagou € 403,64; - em 02/07/2019 pagou € 201,82; - em 26/07/2019 pagou € 201,82; - em 29/08/2019 pagou € 201,82; - em 26/09/2019 pagou € 201,82.

    16 – O sinistrado colocou a massa perto do cilindro em movimento, e com a mão esquerda aproximou-a deste.

    17 – O trabalhador em causa por diversas vezes tinha sido chamado à atenção pela entidade patronal pelo modo potencialmente perigoso como colocava a massa na máquina.

  15. A Autora continuará a pagar, além do mais que se impuser, pensões mensais ao dito sinistrado.

  16. A operação do sinistrado passava por encaminhar a massa pelo tapete de baixo, aonde ela entrava, retirando-a do tapete de cima, de onde ela saía e encaminhando-a para o tapete de baixo.

  17. A zona de movimentação dos cilindros era a zona de perigo da máquina.

  18. A máquina só parou depois de o sinistrado ter premido um dos botões de emergência (de cor vermelha) da mesma.

  19. O sinistro ocorreu porque na altura não existia qualquer protecção impeditiva do acesso ao sinistrado à zona de movimentação dos cilindros.

  20. Nem existia qualquer mecanismo de interrupção do movimento desses cilindros antes do acesso do sinistrado à mesma zona de perigo.

  21. Qualquer desses mecanismos teria impedido a ocorrência do sinistro.

  22. A máquina apenas tinha uma grelha na frente dos rolos que, por ter espaço suficiente para uma mão, não impedia, como não impediu, a entrada de uma mão na mesma.

  23. E tinha um botão de emergência que, por não ser automatizado, se mostrava, como se mostrou, insuficiente para impedir o dano.

  24. Após o sinistro, a Ré aplicou um novo sistema, através do qual o contacto do trabalhador com uma barra de ferro então instalada passou a interromper de imediato, o funcionamento da máquina.

  25. Impedindo, assim, a repetição do sinistro.

  26. A tarefa que o sinistrado realizava constituía uma prática usual na empresa.

  27. A máquina em causa sempre dispôs de dispositivos manuais de...

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