Acórdão nº 117/19.0GTSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | EDGAR VALENTE |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório
No Juízo Local Criminal de Santarém (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém corre termos o processo abreviado n.º 117/19.0GTSTR, no qual foi o arguido PMCPOL, filho de AAOL e de MLCPOL, natural da freguesia de …, concelho de …, nascido a …, solteiro, … e com residência habitual na Rua …, … foi acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. nos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar improcedente por não provada a acusação deduzida e, consequentemente, absolver o arguido
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A. O arguido PMCPOL foi absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pêlos artigos 292.º n.º 1 e 69.º n.º 1 al. a), ambos do Código Penal; B. Analisando o texto da decisão recorrida, nomeadamente a fundamentação da matéria de facto, o Tribunal recorrido, ao fixar os factos provados e não provados, isto é, do julgamento que foi feito da prova produzida, entende-se que não atendeu às regras da experiência comum e a um raciocínio lógico e consentâneo, motivo pelo qual se impugna a sentença recorrida quanto à matéria de facto fixada, invocando-se erro de julgamento de facto em sentido estrito, ou seja, deficiente apreciação e valoração da prova - erro de julgamento da matéria de facto, o que se invoca; C. No exercício do direito de recorrer da douta Sentença proferida nos presentes autos, procedemos à audição das gravações das testemunhas RO e MD, com depoimentos prestados por videoconferência e constatou-se que, em grande parte as mesmas são inaudíveis e imperceptíveis, pelo que, se invoca a irregularidade da referida gravação, porquanto as mesmas não possibilitam a captação das declarações e depoimentos prestados, que afecta o valor do acto praticado e que pode e deve ser reparada, em conformidade com o disposto no artigo 123.º, nº 2 CPP; D. Esta lacuna insuperável obviamente inviabiliza uma apreciação global da prova; E. O vício em causa qualifica-se como mera irregularidade, nos termos do n.º 2 do artigo 118.º do CPP, sujeita ao regime do artigo 123.º n.º 2 do mesmo código, tratando-se de uma irregularidade susceptível de afectar o valor do acto, visto que a sua verificação é decisivamente prejudicial para os direitos dos sujeitos processuais e tem influência no exame e decisão da causa; F. Em virtude da gravação áudio das sessões de julgamento ocorrida no dia 07/09/20 e 23/09/2020 relativamente às testemunhas inquiridas por videoconferência (RO e MD), se mostrarem inaudíveis e imperceptíveis numa grande extensão, deverá ser considerada inválida a audiência de julgamento ocorrida nos dias em causa, por se verificar a irregularidade da deficiente gravação da prova, susceptível de afectar o valor do acto e, por isso, reconduzível ao n.º 2, do artigo 123.º, do CPP, devendo ordenar-se a repetição do julgamento pelo mesmo Tribunal, o que se invoca, G. Caso assim não se entenda, H. Da análise da decisão recorrida decorre que o tribunal a quo deu como provados factos que em face da prova produzida e examinada na audiência de julgamento terão que ser considerandos como não provados e, ainda, deu como não provados factos que em face da prova produzida e examinada na audiência de discussão e julgamento terão de ser considerados provados, e em consequência, ser o arguido condenado pela prática do ilícito que lhe vem imputado; I. O Tribunal a quo considerou que o arguido tinha ingerido (apenas) um copo e meio de vinho durante o jantar em … e que a taxa de álcool no sangue que apresentava aquando da fiscalização (1,56 g/l de sangue sobre a qual incidiu a redução quanto ao erro máximo admissível por lei, fixando-se a mesma em 1,482 g/l) se devia não a ingestão excessiva de bebidas alcoólica por parte do arguido, mas sim, que a mesma poderá ter origem na doença de … de que este padece que, por sua vez, pode influenciar os níveis de etanol no sangue e pode predispor para uma síndrome de fermentação intestinal, também conhecida de síndrome de auto-cervejaria que resulta na produção endógena de etanol, mesmo em situação de não ingestão de etanol ou em ingestão em níveis reduzidos dentro dos padrões da normalidade; J. Todavia, a prova produzida no processo, quer a pericial constante dos autos, quer a prova testemunhal, consubstanciada no depoimento das testemunhas PMM e MJRD inquiridas em audiência de discussão e julgamento, impunha que outro fosse o raciocínio e que se tivesse dado como provado que o arguido tinha ingerido bebidas alcoólicas em excesso antes de iniciar a condução do referido veículo automóvel e, não obstante, quis conduzir o aludido veículo automóvel na via pública, ciente do estado etilizado em que se encontrava, apesar de saber que, naquelas condições, lhe estava vedado o exercício da condução e que, o arguido conhecia o seu estado e que, mais sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas por si ingerida era idónea a determinar uma taxa de álcool no sangue acima da permitida por lei aos condutores, bem como, que sofria de uma doença que poderia potenciar os efeitos de ingestão de álcool; K. Atentemos, então no depoimento PMM, militar da GNR, testemunha inquirida na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 23 de Setembro de 2020, cujo depoimento de encontra gravado, no sobredito sistema, de com início a´´00.00.01” e termo a “00.13.56´´, iniciado pelas 14 horas e 35 minutos e com termo pelas 14 horas e 49 minutos; L. A testemunha PM respondeu: “… verificamos que circulava ali uma viatura em marcha lenta, ao aproximarmos da viatura percebemos que o mesmo circulava com o pneumático do lado direito rebentado, forma ligados os pirilampos e dada ordem de encostar na berma e o condutor encostou na berma e depois pela dicção e pelo desequilíbrio suspeitamos que houvesse indícios de estar sob efeito de bebidas alcoólicas, foi feito o teste … e viemos ao Destacamento fazer o teste no aparelho de álcool no aparelho qualitativo que deu uma taxa de 1,60, 1,50 se não estou em erro, o senhor requereu contraprova, foi feita a contraprova noutro aparelho nas instalações do Destacamento e foi lavrado o expediente e depois deixamos o senhor novamente na área de serviço.” (01:14 a 02:40); M. Mais questionado em que condições saiu o arguido do veículo aquando da abordagem, a testemunha respondeu: “o senhor vinha, notava-se que estava a cambalear, não tinha o equilíbrio normal, pela dicção das palavras também havia um arrastamento e o odor a álcool fez-nos suspeitar e pedimos para realizar o teste e não é normal também aquela hora e numa autoestrada circular a 10km/hora com um pneu rebentado, já não existia pneu, só existia a jante e logo daí suspeitamos que alguma coisa estaria a passar e daí a nossa abordagem.” (03:21 a 04:14); N. Por fim, questionado pela Magistrada do Ministério Público. “em algum momento questionou o arguido se tinha ingerido bebidas alcoólicas?”, a testemunha respondeu: “sim, tinha dito que vinha de um jantar supostamente e que tinha ingerido bebidas alcoólicas, depois no destacamento referiu que fazia uma medicação …. .” (04:26 a 04:50); O. Já no depoimento de MJRD, testemunha inquirida na sessão de audiência de discussão e julgamento realizada no dia 23 de Setembro de 2020, resulta que a testemunha quando inquirida pelo Meritíssimo Juiz afirma que a quantidade de álcool contida num copo de vinho nunca poderia justificar a taxa apresentada pelo arguido (daquilo que se consegue alcançar da gravação) e do que resulta, isso sim, do esclarecimento escrito junto aos autos em referência 6829550; P. Ora, da prova testemunhal, assente no depoimento destas testemunhas resulta a evidência que ficou provado que o arguido necessariamente ingeriu mais bebidas alcoólicas que aquelas que afirmou ter ingerido. Tal conclusão advém das regras de experiência comum, pois, não sendo afastada a validade da perícia efectuada ao arguido com a sua submissão ao teste de ar expirado que acusou uma taxa de álcool no sangue superior (em muito) à legalmente permitida, dúvidas não restam que o Tribunal a quo teria que dar como provados todos os factos contantes da acusação e, consequentemente, e ainda que por negligência, condenar o arguido na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez; Q. Não nos podemos conformar com a credibilidade que o Tribunal a quo atribuiu as declarações prestadas pelo arguido e pela testemunha CSF (a quem o arguido responde profissionalmente) pessoas, obviamente com interesse no desfecho da causa, isto é, na absolvição do arguido; R. Quanto à testemunha RJDO, subscritor do “parecer” apresentado pelo arguido parece-nos claro que, daquilo que resulta do transcrito quanto a esta testemunha que, a mesma, não sendo Perito e não prestando declarações nessa qualidade, e não tendo este ou o Tribunal submetido o arguido a uma perícia com vista a se apurar se este, nas circunstâncias constantes da Acusação estaria sob a influência da tríade “doença, medicação e alimentação”, que poderá despoletar a teórica noção de Síndrome de auto-cervejaria, e tendo a referida testemunha colocado toda essa possibilidade no campo meramente académico, não poderia o Tribunal a quo afastar a validade do resultado da Perícia efectuada ao arguido aquando da submissão ao exame de ar expirado, sem se basear noutra perícia, o que não fez, apoiando-se em hipótese meramente académica; S. Tal encontra-se refletido até na forma como o Tribunal a quo descreveu a factualidade dizendo “- A suplementação alimentar com um elevado aporte de hidratos de carbono são factores que podem influenciar os níveis de etanol no sangue. - Podem ainda predispor para uma síndrome da fermentação intestinal ou também...
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