Acórdão nº 276/10.5BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O Município de Ponta Delgada instaurou ação administrativa contra o Estado Português, peticionando a condenação do réu no pagamento de indemnização no total de € 2.051.556,87, acrescida de juros de mora, atenta a ausência de inscrição e discriminação na Lei do Orçamento de Estado para 2009 das despesas de transferência relativas à participação variável de 5% no IRS.

Citado, o réu apresentou contestação, invocando as exceções dilatórias de incompetência em razão da matéria e de ilegitimidade passiva, no mais pugnando pela improcedência da ação.

Por sentença de 27/10/2017, o TAF de Ponta Delgada julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu o réu do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que de seguida se transcrevem: “1.ª. Como decorre da Sentença recorrida, a presente ação de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito foi julgada improcedente com base no pressuposto de que que «o IRS das pessoas singulares com domicílio fiscal na Região Autónoma dos Açores era receita desta Região e não do Estado», cabendo, por isso, à mesma, através do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL, «determinar a afetação da sua receita de IRS aos municípios da mesma Região, como o aqui Autor».

  1. Noutros termos, o Tribunal a quo partiu da premissa — fixada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 488/08, datado de 14 de outubro de 2008, e, despois, replicada, sucessivamente, na jurisprudência citada na Sentença recorrida, em concreto nos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de junho de 2012 e de 20 de junho de 2013, proferidos, respetivamente, no processo n.° 0272/12 e no processo n.° 0798/12, e bem assim nos Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de junho de 2014 e de 16 de março de 2017, proferidos, respetivamente, no processo n.° 08125/11 e no processo n.° 8907/12 — de que a participação variável de 5% no IRS dos municípios insulares constitui o resultado de uma transferência da titularidade de parte da receita do IRS das Regiões Autónomas para esses municípios...

  2. e que, nessa medida, a transferência da referida participação variável de 5% no IRS, do Estado para os municípios, estava dependente da existência do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL.

  3. Sucede, porém, que, contrariamente ao que vem pressuposto na Sentença recorrida — e, portanto, na citada jurisprudência —, a participação variável de 5% no IRS deve ser reconduzida à categoria de receita municipal consistente no produto da participação municipal nas receitas fiscais do Estado constituindo a mesma, simplesmente, um novo critério de mensuração das transferências financeiras que devem ser efetuadas pelo Estado em cumprimento do direito de participação dos municípios nas receitas provenientes dos impostos diretos.

  4. Efetivamente, como demonstrado detidamente no âmbito da presente ação, a participação variável de 5% no IRS tem subjacente, não uma receita tributária própria do município, mas antes um direito de crédito dos municípios (designadamente, dos municípios das regiões autónomas) sobre o Estado.

  5. Significa o anterior, por conseguinte, que a participação variável de 5% no IRS corresponde a uma receita municipal insuscetível de afetar as receitas das Regiões Autónomas, não se encontrando a sua transferência — do Estado para os municípios — subordinada à aprovação do decreto legislativo regional previsto no artigo 63.°, n.° 3, da LFL (o referido decreto legislativo regional tem outro propósito: visa tão somente regular a eventual renúncia dos municípios insulares a parte ou à totalidade Az participação variável de 5% no IRS, na medida em que a mesma — renúncia — produzirá um efeito correspondente a uma dedução à coleta dos sujeitos passivos domiciliados na correspondente circunscrição territorial do município renunciante, e, por conseguinte, um efeito, indireto, redutivo das receitas fiscais das Regiões Autónomas).

  6. Do que antecede resulta, igualmente, evidente que o Estado estava obrigado a inscrever, em cada período orçamental, os respetivos montantes como despesas de transferência nos Mapas de Base da Lei do Orçamento do Estado.

  7. Ora, sucede, porém que o legislador orçamental não procedeu, contrariamente ao que estava legalmente vinculado, à inscrição das despesas de transferência impostas pelo regime participação de 5% no IRS, nos Mapas de Base das despesas (Mapas II e III) da Lei do Orçamento do Estado para 2009.

  8. Assim, em resultado da falta de inscrição, nos Mapas de Base das Leis do Orçamento do Estado para 2009 e 2010, das despesas de transferência impostas pelo regime da participação de 5% no IRS, o Governo ficou impedido, por falta de cabimentação orçamental e sob pena de manifesta ilegalidade, de proceder à realização dos correspondentes atos de transferência financeira para o RECORRENTE, tendo este sofrido na sua esfera, em consequência, os correspondentes danos financeiros.

  9. Em suma, o Estado elaborou a Lei do Orçamento para 2009 em desconformidade com artigo 105.°, n.° 2, da CRP e com o artigo 16.°, n.° 1, alínea a), Lei de Enquadramento Orçamental, preenchendo, desse modo, todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, tornando-se o mesmo, por esse motivo, responsável, perante o RECORRENTE, pelos danos causados, nos termos do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de dezembro.

  10. Em face do exposto, impõe-se concluir que a decisão recorrida enferma de erro de direito, devendo, em consequência, ser revogada e substituída por outra que condene o RECORRIDO a ressarcir todos os danos causados ao RECORRENTE em virtude da sua atuação ilícita.” O réu, representado pelo Ministério Público, apresentou contra-alegações, nas quais conclui pela inexistência de qualquer facto ilícito que sustente a pretensão do autor, pugnando pela improcedência do recurso.

O Juiz Relator, por decisão sumária de 30/10/2020, negou provimento ao recurso e assim manteve a decisão recorrida.

Notificado desta decisão, veio o recorrente interpor recurso de revista para o STA e, caso não se confirme a natureza coletiva da decisão notificada, se reconheça a sua nulidade por violação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPC.

Por despacho de 07/04/2021, decidiu-se convolar o recurso de revista apresentado pelo Município de Ponta Delgada em reclamação para a conferência.

* Sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir se a decisão sumária reclamada incorreu em: - nulidade por violação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPC; - erro de julgamento, ao manter a sentença proferida pelo TAF de Ponta Delgada, que julgou a ação improcedente, por não provada, e absolveu o réu do pedido.

* II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: “A) Em 14.03.2008, a Presidência do Conselho de Ministros elaborou o ofício dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores, com o seguinte teor: “Assunto: Participação variável no IRS ao nível dos municípios das Regiões Autónomas Aproveito a oportunidade para agradecer a presença de V. Ex.ª e dos demais membros da Associação de Municípios da Região Autónoma dos Açores na reunião realizada no passado dia 29 de Janeiro, no âmbito da qual tive a oportunidade de, em conjunto com Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, clarificar a interpretação do disposto nos artigos 19.º e 20.º da Lei das Finanças Locais (LFL), no que respeita à participação dos municípios insulares nos impostos do Estado, em especial no que concerne ao Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS).

Face às conclusões expressas por V. Exa., e tal como pude realçar no âmbito da referida audiência, cabe a cada Região Autónoma o direito sobre a cobrança de IRS efectuada na respectiva circunscrição territorial, em integral respeito pela Constituição da República Portuguesa, bem como pela Lei de Finanças das Regiões Autónomas.

Não obstante, no âmbito da LFL, aprovada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, é atribuído a cada município o direito de, em cada ano, poder dispor de uma participação ao nível do IRS (até 5%) dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial. Com efeito, trata-se aqui de uma participação proveniente do Orçamento do Estado, constante da repartição dos recursos públicos entre o Estado e os municípios, nos termos definidos no artigo 19.º da LFL.

Para o efeito, e tal como se encontra expresso no artigo 20.º da LFL, cada município deverá deliberar sobre qual a percentagem pretendida pelo mesmo (até 5%), e informar a Direcção-Geral dos Impostos, sendo que, não ocorrendo a referida comunicação, o município manterá a participação inicialmente atribuída pela Lei de 5%.

Contudo, no que respeita aos Municípios das Regiões Autónomas, a possibilidade de deliberação com efeitos ao ano fiscal de 2009 depende de aprovação de respectivo decreto legislativo regional, em conformidade com o exigido pelo n.º 3 do artigo 63.º da LFL, entendendo-se que, enquanto não se verificar a respectiva adaptação por parte das Regiões Autónomas, os municípios mantêm a sua participação nos 5% do IRS dos sujeitos passivos com domicílio fiscal na respectiva circunscrição territorial. Não obstante, tais municípios encontram-se impossibilitados de deliberar no sentido de beneficiar os sujeitos passivos ali...

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