Acórdão nº 4300/19.8T8STB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 4300/19.8T8STB-A.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), réu na ação de divisão de coisa comum que foi movida por (…), interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual não admitiu a reconvenção apresentada pelo primeiro. O despacho sob recurso tem o seguinte teor: «(…) intentou a presente ação de processo especial para divisão de coisa comum contra (…), para pôr termo à compropriedade que alega deter, com o réu, sobre a fração autónoma designada pela letra Q do prédio urbano destinado a habitação sito na Rua (…), n.os 2 e 2A, constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o número (…), da freguesia de Setúbal (São Sebastião) e inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo (…). Alegara que o prédio é indivisível em substância. Contestando, o réu não impugna a compropriedade sobre o imóvel nem a indivisibilidade do prédio em questão. Porém, requer “a sustação” da presente ação de divisão de coisa comum, sem designação de data para a conferência a que se refere o artigo 929.º do Código de Processo Civil “até que sejam apurados os montantes dos créditos de compensação” que reclama sobre a autora. Assim, em reconvenção, requer o reconhecimento do crédito que alega deter sobre a autora, no montante de € 23.202,40, a título de compensação pelo enriquecimento sem causa da autora à custa do réu, pelo pagamento das quantias referentes às prestações bancárias e seguros associados ao mútuo celebrado por ambos com instituição bancária para aquisição do imóvel em causa nos autos. Mais requer, em reconvenção também, a condenação da autora a pagar ao réu a quantia de € 1.108,21, a título de despesas efetuadas para obter os documentos necessários à instrução da peça processual que apresentou. Replicando, a autora pugnou pela inadmissibilidade do pedido reconvencional, mais tendo, contudo, impugnado o mesmo. Admissibilidade da reconvenção Considerando a forma de processo especial em causa, a admissibilidade da reconvenção tem de ser apreciada em dois níveis. Em primeiro lugar, há que ponderar se o pedido reconvencional concreto é admissível nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil. Na afirmativa, haverá que ponderar se, em função da admissibilidade abstrata do pedido reconvencional, a circunstância de seguir forma processual distinta não obsta à sua admissibilidade. Concluindo-se que i) é admissível e que ii) há vantagens para a justa composição da causa que os pedidos sejam conhecidos num só processo, cabe ao juiz, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 266.º e no n.º 3 do artigo 926.º do Código de Processo Civil, remeter os autos para a forma comum (neste sentido, cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, “Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas”, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 94-98). No caso vertente, verifica-se que as partes não divergem quanto ao essencial da divisão de coisa comum: concordam na compropriedade, concordam nas respetivas quotas-partes, concordam na indivisibilidade do prédio e concordam em pôr termo à referida compropriedade. Relativamente ao pedido reconvencional concretamente formulado nos autos, está em causa um eventual direito de crédito do réu sobre a autora, respeitante a enriquecimento sem causa desta relativamente ao pagamento das prestações bancárias e seguros associados ao mútuo contraído para aquisição do imóvel em causa nos autos. Ora, se é certo que “os atuais princípios de gestão processual e da adequação formal impõem uma aplicação mais ágil e flexível do regime do artigo 266.º, n.º 3, do CPC, sempre no intuito de maximizar a celeridade e a economia processuais” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, cit., p. 97), já “não será de admitir a reconvenção (…) assente em direito de crédito, para efeitos de eventual compensação, porquanto não é certo que, das operações de divisão de coisa comum, resulte um crédito do Autor sobre os Réus, para preenchimento da quota daquele, em resultado de adjudicação dos bem aos Réus” (cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, cit., p. 98). Assim, não pode o réu pretender transmutar estes autos em processo comum para discutir um eventual direito de crédito que alega deter sobre a autora, para compensação com direito de crédito que a autora ficará a deter sobre o réu na sequência de adjudicação do bem ao réu que, por ora, não se sabe, sequer, se acontecerá. Não se discute, pois, qualquer crédito da autora sobre o réu que possa ser objeto de compensação, não sendo, então, de admitir a reconvenção apresentada. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, não admito a reconvenção apresentada pelo réu». I.2. O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões: «A) O litígio que trouxe a juízo o R./Reconvinte e ora Recorrente e a R/Reconvinda e ora Recorrida decorre dos mesmos não terem chegado a acordo no referente às quantias que o ora Recorrente pagou, com capitais próprios, de amortizações, juros e outras despesas referentes ao empréstimo contraído para a aquisição da fração autónoma ora sob divisão, desde a separação entre ambos (Recorrente e Recorrida), até à presente data. B) Atenta a Ação de divisão de coisa comum, o R./Reconvinte e ora Recorrente, tendo em conta que entende ser credor das quantias que pagou com capitais próprios que a si diziam respeito, mas também dizem respeito á R./Reconvinda e ora Recorrida e conexionados com o bem a dividir, entendeu deduzir o respetivo pedido reconvencional, de molde a que tudo ficasse resolvido, nomeadamente a divisão da fração autónoma e satisfeitos os créditos que teria sobre a contraparte. C) Na contestação/reconvenção apresentada pelo R./Reconvinte e ora Recorrente, foram apresentados fundamentos de facto e de direito para que o pedido reconvencional fosse admitido, nomeadamente pela observância do princípio da economia e celeridade processual, já que as questões relacionadas com divisão da fração autónoma deviam ser resolvidas no âmbito deste mesmo processo, conforme doutos ensinamentos jurisprudenciais que vão no sentido de na ação especial de divisão de coisa comum, a admissão e apreciação do pedido reconvencional poder constituir-se como essencial para a justa composição do litígio, referindo-se aqui de entre outros, o Ac. do T.R.L. de 15/03/2018, no âmbito do processo 2886/15.5T8CSC.LI.LI-8 e Ac. do S.T.J. de 01/10/2019, Proc. 385/18.2T8LMG-A.C1S2, 6ª Sec., disponíveis em www.dgsi.pt. D) A pretensão das partes de pôr termo à compropriedade que detêm na fração autónoma em causa nos autos, tem subjacente a necessidade de resolução de questões conexas referentes à compensação que o R. Reconvinte e ora Recorrente reclamou e que implicam sob o ponto de vista processual a transmutação do processo especial em processo comum, conforme decorre e se retira dos artigos 266.º, n.º 2, alínea c) e 37.º, n.º 2 e 3, ambos do C.P.C.. E) Em termos normativos, quando ao pedido reconvencional corresponder uma forma de processo diferente, pode o Juiz autorizar a Reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio (Cfr. artigo 266.º, n.º 2, alínea c) e n.º 3, do C.P.C.). F) Acontece que o douto Tribunal a quo não fez qualquer referência na sua douta decisão a quaisquer destes fatores, devendo tê-lo feito, o que não fez, interpretando as normas processuais com vista à realização do direito substantivo, não podendo as mesmas constituir entrave a tal realização (Ac. TRC de 10/02/2019, Proc. nº 78428/17.2YIPRT-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.). G) Decorre do texto do douto despacho recorrido que as partes em litígio não divergem quanto ao essencial da divisão de coisa comum: concordam na compropriedade, concordam nas respetivas quotas-partes, concordam na indivisibilidade do prédio e concordam em por termo à referida compropriedade, sendo que o que...

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