Acórdão nº 843/19.1GAVNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução26 de Abril de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    Nos presentes autos de inquérito (Atos Jurisdicionais), com o número 843/19.1GAVNF-A679/15.9GBVVD, que corre termos na comarca de Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão - por despacho de 11/12/2020, foi decidido, ao abrigo do disposto nos artigos 154 n.°2 do CPP, com referência ao art.° 172 n.°s 1 e 2 do mesmo código, ordenar a colheita coativa de vestígios biológicos do arguido V. H., exclusivamente de saliva, com vista à comparação do seu perfil genético com os vestígios biológicos recolhidos no âmbito destes autos.

    1. Não se conformando com essa decisão veio o arguido recorrer do referido despacho, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: “1. A procuração a favor da mandatária signatária foi junta aos autos a 18 de março de 2020.

  2. Todavia o mesmo até ao momento somente foi notificado para comparência na GNR para recolha de vestígios de ADN.

  3. Salvo o devido respeito, foram violadas as garantias de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.°, n.° 1 da Constituição da República; tendo sido violado o direito fundamental de acesso ao Direito consagrado no artigo 20º, n.° 1 da Constituição da República; e o princípio do devido processo legal, reconhecido no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, .n.º 4 da Constituição da República.

  4. A omissão de notificação ao arguido e à sua advogada constituída nos autos, dos despachos das diligências de inquérito, salvo o devido e douto entendimento mostram-se violadores daqueles princípios ora alegados.

  5. Ora, não permitindo ao arguido aqui recorrente intervir no Processo, se pronunciar sobre e contribuir constitutivamente para co-determinar o objecto do inquérito e se defender, exercendo os direitos que a lei, nomeadamente no artigo 61.º, n.°1 do Código de Processo Penal, lhe reconhece.

  6. Sendo tais atos omissos, são impeditivas do exercício do contraditório e do direito de defesa à mesma reconhecidos legal e constitucionalmente e ocasionaram evidente prejuízo para a realização integral da justiça, dando causa às nulidades previstas no artigo 120.° do Código de Processo Penal.

  7. Tendo ainda incorrido em violação do direito fundamental de acesso ao Direito consagrado no artigo 20.º, n.°1 da Constituição da República, em violação do princípio do devido processo legal, reconhecido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.º, n.°4 da Constituição da República e em violação das garantias de defesa dos arguidos, consagradas no artigo 32,º, n.°1 da Constituição da República, o que resulta da impossibilidade da Recorrente, totalmente inimputável a esta e provocada por erro grosseiro e indesculpável do Ministério Público, de ter intervindo na fase de inquérito, de ter estado presente em todos os actos processuais que diretamente lhe disseram respeito, de ter oferecido provas e requerido as diligências que se lhe afigurassem necessárias, de ter exercido eficazmente o seu direito de defesa e de ter contribuído para a descoberta da verdade.

  8. O que desde já se requer e pugna.

  9. É inconstitucional, por violação do direito fundamental de acesso ao Direito consagrado no artigo 20.º, n.° 1 da Constituição da República, do principio do devido processo legal, reconhecido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 20.°, n.° 4 da Constituição da República e ainda das garantias de defesa dos arguidos consagradas no artigo 32.°, n.° 1 da Lei Fundamental, quando interpretado no sentido de impedir que as nulidades de omissão, determinado ato contra a qual exista a suspeita de prática de crime, ou na pessoa da Ilustre Advogada nos autos possam ser arguidas a todo tempo, qualquer que seja a fase na qual se encontre o procedimento.

  10. Demais, sempre se dirá que o meio de prova que ora se pretende obter mostra-se perante o nosso entendimento em relação à forma de recolha de zaragatoa bucal com utilização da força física, perante a inevitabilidade “prática” de como terá necessariamente de ocorrer, é essencial situar a questão, em nosso entender de forma clara, na cominação de nulidade prevista no artigo 126.º, n.° 1 do CPP e do artigo 32.º, n.°8 da CRP, alicerçada no facto de se tratar, no mínimo, de um tratamento cruel, desumano e degradante (vide artigo 25°, n.°2 da CRP, artigo 1.º da Convenção Contra a Tortura e Maus Tratos ou Penas Cruéis, Inumanas ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de Julho de 1988 artigo 5.º da DUDH e artigo 3.° da CEDH).

  11. Perante tal nulidade, a recolha do material biológico do arguido será considerado um ato nulo, tendo como consequência a invalidade do mesmo, conforme previsto no artigo 122.º do CPP.

  12. Perante esta factualidade, há que ponderar se a invalidade (por via da nulidade) da recolha de ADN, nas condições acima referidas, torna os posteriores atos de determinação de ADN e comparação com outros perfis, igualmente ato nulos, ou se, ao invés, os mesmos poderão ser aproveitados no processo.

  13. É que a prossecução da Justiça através da descoberta da verdade material, não significa que se deva obter a verdade “a qualquer custo” e/ou por “quaisquer meios”. Por esse motivo, e tendo em conta o que consta da presente reflexão, e as sugestões que avançámos, impor-se-ão (provavelmente) à investigação criminal o desenvolvimento e investimento em formas alternativas e astuciosas (que não significam enganosas) de recolha de ADN a arguidos em processo-crime.

  14. Assegurando assim que o arguido não seja reduzido a um mero objeto da atividade estadual.

  15. Nessa linha de raciocínio Vera Lúcia Raposo entende que a “liberdade individual de cada cidadão, liberdade esta que seria posta em causa caso o arguido fosse degradado a objeto e instrumentalizado a meio de prova contra si mesmo. Dai a importância de proteger o silêncio do arguido em processo criminal, providenciando para que nunca funcione contra si”, XVI. Por conseguinte, as provas obtidas em violação do direito de proteção contra auto-incriminações deverão considerar-se nulas, por atentarem contra a integridade moral do arguido, ou mesmo por constituírem uma forma de tortura”.

  16. Ora, o exame de recolha de saliva viola este princípio, devendo assim mais uma vez ser nula a prova obtida através da análise de recolha de saliva, pois este atenta de forma clara contra a integridade moral do aqui recorrente.

  17. Por tudo o exposto, entende-se que o resultado obtido através da análise de recolha de saliva não deve valor como prova, uma vez que o exame em questão envolve uma restrição de direitos e liberdades e garantias do aqui recorrente.

  18. Assim como, deve ser revogado o despacho proferido pelo juiz a quo que autoriza e ordena a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, mesmo que para isso seja realizada contra a vontade do arguido.

  19. Pois estamos perante uma obtenção clara de provas ilícitas.

    XXI, Normas Jurídicas Violadas: Artigo 25.º, 26. e 32° todos da CRP; artigo 8.º da CEDH; artigo 12° da DUDH; os artigos 126° n.° 1 e 2 alíneas a) e c), bem como o artigo 172° n.°1 ambos do CPP.

  20. Principio Jurídicos Violados: nemo tenetur se ipsum accusare” Nestes termos e no mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser reconhecida a nulidade nos termos e para os efeitos do artigo 120º do CCP bem como revogado o despacho que autoriza e ordena a recolha de saliva através de zaragatoa bucal, mesmo que para isso seja realizada contra a vontade do arguido. Fazendo-se, assim, a habitual e acostumada JUSTIÇA!!”.

    1. O Exmo Procurador da República junto da primeira instância respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “1. O despacho sob recurso visa a recolha de coativa, através de zaragatoa bocal, de material biológico ao arguido, exclusivamente saliva, com vista à comparação do seu perfil genético com vestígios biológicos recolhidos nos autos; 2. A recolha de ADN para fins de investigação criminal é permitida pelo artigo 42, n.º 1 e 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro (Lei relativa à BASE DE DADOS DE PERFIS DE ADN PARA FINS DE IDENTIFICAÇÃO CIVIL E CRIMINAL); 3. E, consequentemente, a prova resultante da recolha e ulterior comparação do ADN com o contido nas amostras de material biológico encontrado no veículo automóvel usado no cometimento dos crimes em causa nos autos, é, na aceção do artigo 125º do CPP, legal, e, portanto, válida; 4. É, por outro lado, manifesta a utilidade e a imprescindibilidade da perícia a realizar, já que poderá levar à determinação de qual dos dois ocupantes do automóvel o conduzia aquando da prática dos crimes que se investigam - que se traduziram, para além do mais, no atropelamento dos dois ofendidos com subsequente fuga do autor ou autores; 5. A recolha de saliva através de zaragatoa bucal, não atinge a integridade moral e física do arguido, protegida pelo seu n.º 1, do artigo 25.º da CRP, e não pode ser tida como tortura ou trato cruel, degradante ou desumano, constitucionalmente...

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