Acórdão nº 682/18.7BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | VITAL LOPES |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO Herança Aberta por Óbito de M....., notificada do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Sul em 28/01/2021 e constante de págs. 740 e ss., do SITAF – que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, revogou a decisão recorrida e julgou a oposição improcedente, com condenação da recorrida em custas – vem arguir a nulidade do acórdão em requerimento autónomo dirigido a este Tribunal.
É este o teor do requerimento de arguição de nulidades do acórdão em crise: « 1. O presente recurso foi interposto pela Fazenda Pública, na sequência da sentença proferida pela Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a qual julgou procedente a oposição à execução deduzida pela aqui Recorrida, na qual a mesma peticionava pela extinção do processo de execução fiscal n.º ......., instaurado por reversão da execução em que é devedora a sociedade A......., S.A., em virtude da ilegitimidade da M....., por não ter sido por culpa sua que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para que a mesma procedesse ao pagamento da referida dívida.
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O Tribunal a quo concluiu que, não obstante o exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária no período a que respeita a dívida exequenda, de molde a poder ser responsabilizada, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda, a Recorrida conseguiu ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, logrando provar que não foi por culpa sua que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para solver a dívida tributária, conforme lhe competia, verificando-se assim sua ilegitimidade, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
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Não obstante a oposição à execução deduzida pela Recorrida ter sido julgada totalmente procedente, obtendo a Recorrida total ganho da causa - porquanto face à prova produzida nos autos, o Tribunal a quo concluiu que não foi por culpa da Recorrida que o património da sociedade devedora originária se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais -, uma das questões expressamente suscitadas pela Recorrente (in casu, o não exercício da gerência de facto no período a que respeita a dívida exequenda) e conhecidas pelo Tribunal a quo foi julgada por aquele tribunal “improcedente”.
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De facto, confrontado com a posição de ambas as partes no processo e com a prova produzida nos autos, o Tribunal recorrido entendeu verificar-se um cenário/realidade “susceptível de evidenciar o exercício da gerência efectiva ou de facto por parte [de] M.....”, referindo-se tão-só a uma suscetibilidade, o que, naturalmente, envolve uma mera possibilidade, conduzindo a que tal aspeto não integre, pois, o elenco dos factos provados nos autos.
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No entanto, uma vez que a sentença proferida pelo Tribunal a quo decidiu, conforme peticionado pela Recorrida, no sentido da total procedência da oposição à execução deduzida, aquela viu satisfeita a sua pretensão, pelo que, conforme se verá detalhadamente infra, não lhe caberia, sob qualquer circunstância, legitimidade para recorrer da mesma, por inexistir um qualquer interesse em agir e uma verdadeira proibição legal, decorrente do disposto no número 1, do artigo 280.º do CPPT.
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Ainda assim, e por mero zelo, a Recorrida, tendo em vista acautelar a sua posição enquanto parte vencedora na ação - como tal, impossibilitada de reagir contra qualquer dos segmentos da sentença recorrida - e, naturalmente, tendo em vista a manutenção do sentido (favorável) da sentença recorrida, deixou plasmado na sua alegação em sede de recurso, mormente nas conclusões formuladas, o seguinte: “a) No que concerne ao facto de ter ficado provada uma realidade que pode, pois, evidenciar o exercício da gerência de facto por parte da Recorrida, refira-se que sendo esta parte vencedora na presente acção, não lhe assistia legitimidade para recorrer, nos termos do n.º 1 do artigo 629.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT - apenas cabendo legitimidade à parte que tenha ficado vencida, atendendo apenas à decisão e não aos respectivos fundamentos; b) Nessa medida, caso o Tribunal ad quem entenda abrir discussão quanto a este ponto - nos termos do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT - e pronunciar-se, uma vez mais, sobre esta questão, dá-se por integralmente reproduzido o conteúdo dos artigos 97.º a 114.º da petição inicial e, bem assim, o conteúdo dos pontos 8. a 24. e conclusões (iii) a (v) das alegações escritas; c) A Recorrida entende que, a montante da discussão no presente Recurso, da prova produzida nos presentes autos ficou manifestamente comprovado que a mesma, no período a que respeita a dívida (2010) - e sem prejuízo de ter exercido funções de administradora de Direito no período de 2006-2009 - não exerceu a gerência de facto e de Direito da devedora originária – o que deverá ser analisado por Vossas Excelências;” 7. O Tribunal ad quem entendeu, porém, que neste contexto se impunha a suscitação da norma ínsita no artigo 636.º do CPC, aplicável ao processo tributário por força da alínea e) do artigo 2.º do CPPT – i.e. considerando que o regime do CPPT é omisso quanto à questão -, que prevê a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, dispondo que: “1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
3 - Na falta dos elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, pode o tribunal de recurso mandar baixar os autos, a fim de se proceder ao julgamento no tribunal onde a decisão foi proferida.” 8. Este Tribunal concluiu, pois, que “a recorrida deixou consolidar o decidido na sentença quanto ao fundamento da acção em que decaiu (gerência de facto da revertida), o qual não pode ser agora reapreciado por este tribunal.” (cfr. a pág. 49 do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 28 de janeiro de 2021, sublinhado do original).
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Todavia, a Recorrida não pode conformar-se com o Acórdão em crise, por entender que o mesmo está inquinado de nulidade, plasmando o mesmo um atropelo grave e controverso das normas processuais concretamente aplicáveis ao caso, conforme se analisará de seguida. Vejamos: a. Da inexistência de uma lacuna na legislação processual tributária que determine o recurso subsidiário às disposições civilísticas 10. Importa, desde logo, atentar no n.º 1 do artigo 280.º do CPPT, que dispõe sobre os recursos das decisões proferidas em processos judiciais, determinando que “[d]as decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, a interpor pelo impugnante, recorrente, executado, oponente ou embargante, pelo Ministério Público, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito, caso em que cabe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo” (sublinhado e negrito da Recorrida).
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Com efeito, e não obstante a Constituição da República Portuguesa (CRP) prever expressamente os tribunais de recurso, levando a que o legislador esteja impedido de, pura e simplesmente, eliminar a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, bem como de inviabilizar na prática essa faculdade, a verdade é que o legislador não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
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Essa é, precisamente, a vocação do artigo 280.º do CPPT, do qual o legislador fez constar, no contexto específico do direito processual tributário, os pressupostos processuais cuja verificação é necessária para se poder recorrer de uma decisão proferida em primeira instância, designadamente a legitimidade, que cabe à parte que tenha ficado vencida na ação.
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De facto, o artigo 280.º do CPPT prevê que os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido, não contendo qualquer norma, nem admitindo a possibilidade - ao contrário do que sucede no Código de Processo Civil – de se poder ampliar o recurso quanto aos fundamentos em que a parte decaiu, desde logo porque havendo ganho de causa, a impossibilidade de recurso impede logicamente a referida possibilidade de ampliação.
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Acresce que são as conclusões da motivação, formuladas pelo Recorrente (in casu, a Fazenda Pública), que definem e delimitam o objeto do recurso, ou seja, é nas conclusões, enquanto exposição crítica do corpo das alegações, que o Recorrente explicita quais as questões que pretende ver discutidas no Tribunal superior.
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À parte recorrida resta, em virtude de ter obtido o ganho da causa, defender-se através das suas contra-alegações de recurso, lançando mão dos argumentos que entende fundamentais para justificar a manutenção da decisão recorrida, cingindo-se, porém, ao objeto do recurso, tal como se encontra delimitado pelas conclusões do Recorrente.
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Assim, e uma vez que a Recorrida viu acolhida a sua pretensão na decisão recorrida, não é legítimo à mesma vir, em sede de contra-alegações de recurso, suscitar uma questão nova, cujo conhecimento lhe foi desfavorável, em sede de primeira instância, pois se assim fosse, não teria o legislador previsto...
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