Acórdão nº 2523/19.9T8PRD-E.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução04 de Maio de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Veio apresentada reclamação, nos termos do art.º 643.º do CPC, contra o despacho do Exmo Desembargador Relator, em que se decidiu: “Os requerentes AA e BB vieram interpor recurso de revista do acórdão proferido em 10.11.2020, tendo, entre outros motivos, alegado contradição entre este e outros acórdãos dos tribunais da Relação.

Sucede que o valor da causa se circunscreve a 8.000,01€.

O art. 629º, nº 2, al. d) do Cód. de Proc. Civil diz-nos que «independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso (…) do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.» Com esta norma permite-se que o Supremo Tribunal de Justiça dirima contradições jurisprudenciais que, sem ela, poderiam persistir mesmo em ações que, apesar de apresentarem um valor processual superior à alçada da Relação, não admitem recurso de revista nos termos gerais, como acontece nos procedimentos cautelares ou, como regra, nos processos de jurisdição voluntária.

No entanto, conforme afirma Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 3ª ed., pág. 54), «ao invés do que faria supor a integração da alínea d) no proémio do nº 2, a admissibilidade do recurso, por esta via especial, não prescinde da verificação dos pressupostos gerais da recorribilidade em função do valor da causa ou da sucumbência, pois só assim se compreende o segmento normativo referente ao “motivo estranho à alçada do tribunal”».

Regressando ao caso dos autos, o que se verifica é que o valor da causa se limita a 8.000,01€, sendo, por isso, inferior à alçada dos tribunais da Relação em matéria cível que é de 30.000,00€ - cfr. art. 44º, nº 1 da LOSJ.

Ora, tal como preceitua o art. 629º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.

Por conseguinte, o recurso interposto pelos requerentes, face ao valor da causa, mostra-se inadmissível.

Nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 641º, nº 2, al. a) do Cód. de Proc. Civil, por inadmissível, decide-se indeferir o recurso interposto pelos requerentes AA e BB.

Notifique.” 2.

Dizem os reclamantes na reclamação que a mesma deve ser admitida, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1ª) A douta decisão recorrida viola o disposto no art. 692.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil; 2ª) A oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação é – independentemente do valor da causa e da sucumbência – fundamento de recurso para o STJ; 3ª) In casu, o recurso de revista não pode ser barrado, pois não obstante o valor da causa seja inferior à alçada da Relação, perfilam-se os fundamentos previstos na al. d) do n.º 2 do art.º 629.º do diploma supra citado; 4ª) Na verdade, a oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação é – independentemente do valor da causa e da sucumbência – fundamento de recurso para o STJ; 5ª) A mencionada oposição integra os fundamentos das alegações de recurso dos Autores; 6ª) O n.º 2 do art.º 629.º estipula expressamente que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso”, pelo que não podia o Ac. ora em crise restringir o que o que a norma não restringe; 7ª) A compreensão daquela norma faz-se recorrendo a uma interpretação evolutiva sustentada, nas alterações de que foi alvo ao longo dos tempos, com o escopo indelével de permitir o direito ao recurso em casos como o objectus litigandi; 8ª) Não colhe a interpretação restritiva que a Relação faz da norma que temos vindo a debater, quando se reconhece que o legislador se exprimiu de forma genérica e ampla - “Independentemente do valor da causa e da sucumbência”- sendo verdadeiro, o provérbio: Ubi lex non distinguit, nec nobis distinguere licèt; 9ª) E ao não aceitar o recurso dos Autores, o Ac. viola a Constituição que prevê o direito ao recurso; 10ª) Mais, a norma do art.º 629, n.º 2, al. d) a ser tomada com o sentido que o Tribunal da Relação lhe confere, ofenderia o direito a um processo equitativo previsto no art. 20.º, n.º 4, da Constituição, uma vez que estabeleceria pressupostos desnecessários, inadequados e desproporcionados para o recurso fundado em oposição de acórdãos da Relação; 11ª) A matéria subjacente aos autos tem na sua base a condenação como litigante de má fé; e abstraindo do caso concreto, em abstrato e em termos genéricos, percorrendo as condenações decorrentes de má fé feitas pelos Tribunais de primeira instância, raramente ou quase nunca se atingem os valores da alçada fixada para os Tribunais da Relação; 12ª) Pelo que, e “destarte”, temos que dar como assente, a seguir-se a argumentação do Tribunal da Relação que ocorrendo a situação em análise – contradição entre acórdãos da Relação – jamais ou muitíssimas poucas vezes o S. T. J. seria chamado a pronunciar-se, convertendo-se consequentemente o instituto da boa fé numa espécie de “parente pobre” dos demais que o nosso direito alberga; 13ª) Ora, certamente que o legislador ponderou todos os casos/hipóteses, previamente à criação da norma do art.º 629.º, al. d). designadamente a argumentação vinda de referir, e por isso a fórmula que traduz a teleologia daquele artigo não é a indicada pela Relação; 14ª) O senso crítico na interpretação daquela norma, indigita a que a versão da Relação não esteja correta, o que a ocorrer conduziria a antinomias e desacertos no nosso sistema legislativo/processual, bastando compaginar esta matéria com outras onde a via de acesso ao S. T. J, não está impedida, designadamente a possibilidade do “terceiro grau de jurisdição”; 15ª) O Ac. da Relação de 10.11.2020, ao alterar o decidido pelo Tribunal de primeira instância em 12.06.2020, têm os Autores, parte vencida na indemnização, direito a recurso; 16ª) De facto, a decisão que não condena na indemnização pedida, nos termos do artigo 542.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, é sempre recorrível nos termos gerais, exceção esta que terá de ser acolhida; 17ª) E mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, o acórdão da Relação não sendo confirmatório do montante da indemnização pedida, impondo uma outra, o recurso para o STJ torna-se legalmente admissível; 18ª) Uma vez que em matéria de litigância de má fé está legalmente - artigo 542.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil – garantido (sempre, diz a lei) um grau de recurso, sempre haverá, neste último caso, recurso para o STJ; 19ª) Pelo que, a decisão da Relação viola também o disposto no artigo 542.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil.

NESTES TERMOS, E NOS DE DIREITO, DEVE SER ATENDIDA A PRESENTE RECLAMAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE SER ADMITIDO O REC URSO INTERPOSTO PELOS AUTORES EM 21.12.2020 E, POR VIA DISSO SUBIR A ESSE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PARA AÍ SER SINDICADA A DECISÃO RECORRIDA.

  1. Em primeira instância foi proferida sentença na qual se condenaram os requeridos, habilitados no processo principal, no pagamento da totalidade do pedido – 8.000,00€ - a título de indemnização devida pelos prejuízos sofridos pelos requerentes nos termos e para os efeitos do disposto no art. 543º, nºs 1, al. b) e 3 do Cód. de Proc. Civil.

  2. Inconformados com o decidido, interpuseram recurso de apelação os requeridos.

  3. O recurso foi conhecido pelo Tribunal da Relação que decidiu: “Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos requeridos CC e DD e, em consequência, altera-se o decidido, condenando-se estes no pagamento da importância de 2.000,00€ (dois mil euros), a título de indemnização devida aos requerentes AA e BB nos termos do disposto no art. 543º, nºs 1, al. b), 2 e 3 do Cód. de Proc. Civil.” 6.

    A questão da litigância de má fé foi assim analisada: “Fixação da indemnização por litigância de má fé nos termos do art. 543º do Cód. de Proc. Civil No art. 542º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estabelece-se que, tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir, sendo o conteúdo desta definido no art. 543º do mesmo diploma.

    É a seguinte a redação dos nºs 1, 2 e 3 deste preceito: «1. A indemnização pode consistir: a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos; b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência direta ou indireta da má fé.

  4. O juiz opta pela indemnização que julgue mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em...

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