Acórdão nº 01345/18.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução23 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., S.A., com sede na Praia (…), instaurou acção administrativa contra a APDL - ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO, LEIXÕES E VIANA DO CASTELO, S.A., com sede na Avenida (…), com vista à impugnação da deliberação do Conselho de Administração desta que, na sessão de 15 de fevereiro de 2018, deliberou revogar a Licença n.º 09/2001, de 28 de junho, que lhe atribuía o direito de uso privativo de uma parcela com a área de 10.000m2, sita na Praia Norte, com vista à exploração de um estabelecimento de aquacultura.

Em Saneador - Sentença proferido pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e mantido o acto impugnado.

Deste vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: I. A recorrente/apelante intentou acção administrativa contra a recorrida/apelada, com vista à impugnação da deliberação do Conselho de Administração desta última, que decidiu revogar a Licença n.º 09/2001, de 28 de Junho, que atribuía à estabelecimento de aquacultura.

  1. A referida licença foi concedida pelo Instituto Portuário do Norte a 28 de Junho de 2001.

  2. Os serviços da recorrida, a 30 de Novembro de 2017, e sem que nada o fizesse prever, nem justificasse, elaboraram a Informação de Serviço n.º APDL_1098/2017, acompanhada de Parecer Jurídico, dirigido ao seu Conselho de Administração, no qual propunham que este aprovasse um projecto de decisão de revogação do acto de atribuição do direito de utilização privativa detido pela recorrente, bem como notificasse a recorrente da intenção do Conselho de Administração da recorrida, fixando-lhe prazo de 10 dias úteis para efeitos de audiência prévia.

  3. Na sequência da Informação de Serviço e respetivo Parecer Jurídico, mediante ofício datado de 19 de Dezembro de 2017, a recorrida notificou a recorrente de que o Conselho de Administração daquela, na sua sessão de 7 de Dezembro de 2017, deliberara aprovar um projecto de decisão de revogação do acto de atribuição do direito de utilização privativa detido pela recorrente, conferindo a esta 10 dias úteis para se pronunciar em sede de audiência prévia IV. Assim o fez a recorrente/apelante, alegando que a empresa vinha a sofrer com as consequências da crise económica que se instalara à data em Portugal, o que se alastrou, inevitavelmente, ao setor da aquacultura, não conseguindo, assim, aceder a fundos de investimento e instrumentos financeiros que garantissem a liquidez necessária para colocar em pleno funcionamento o referido estabelecimento.

  4. Não obstante, o Conselho de Administração da recorrida, em reunião a 15 de Fevereiro de 2018, deliberou pela revogação da licença atribuída à recorrente para a exploração do estabelecimento de aquacultura.

  5. A deliberação do Conselho de Administração da recorrida padece do vício de falta de fundamentação dos actos praticados pela Administração Pública, punível com a anulabilidade do acto praticado, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 163.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

  6. Tal dever da Administração resulta do disposto nos arts. 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição de República Portuguesa (CRP), e nos arts. 152.º e 153.º do CPA, e consubstancia um reforço das garantias de defesa dos particulares face à atuação da Administração.

  7. É uma garantia basilar do Estado de Direito democrático moderno, na medida em que, por um lado, garante aos administrados o conhecimento dos fundamentos de facto e de direito que levaram a Administração à prática de determinado acto administrativo, e, por outro lado, permite um controlo mais apertado dos actos praticados pela Administração, principalmente no que concerne aos actos arbitrários.

  8. A arbitrariedade da Administração fica, deste modo, atenuada pelo dever de fundamentação dos actos administrativos, contanto que esta tem o dever de explanar todos os fundamentos, de facto e de direito, que motivem a prática de actos administrativos que atentem contra direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.

  9. O dever de fundamentação do acto administrativo concretiza-se na exposição expressa, clara, coerente e suficiente dos fundamentos de facto e de direito da decisão proferida pela Administração, de forma a que os administrados compreendam o sentido e o alcance de tal decisão.

  10. O que nos leva a concluir, como refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo 00463/16.2BEVIS, de 21-12-2018, que "a fundamentação (só) é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação." XIII. Não é, e não pode ser, um dever genérico, insuficiente, contraditório e obscuro da Administração. Não pode esta modificar, restringir ou extinguir os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares com base em decisões infundadas e arbitrárias, sem que estes tenham acesso e compreendam todos os fundamentos que levaram à prática de tal acto.

  11. O dever de fundamentação do acto administrativo verifica-se quando esteja em causa a extinção ou restrição de qualquer direito ou interesse legalmente protegido, não estando o mesmo, no presente caso, dispensado.

  12. A sentença ignorou por completo a falta de fundamentação do acto administrativo, praticado pela recorrida.

  13. Limitou-se a Ex.ma Senhora Juiz, na sentença, a transcrever os artigos do Código do Procedimento Administrativo referentes ao dever e requisitos da fundamentação dos actos administrativos, e a mencionar as vagas e obscuras razões apresentadas pela recorrida nas sessões do seu Conselho de Administração para a revogação da licença de exploração do estabelecimento de aquacultura concedida à recorrente, concluindo, a final, que o acto administrativo se encontrava devidamente fundamentado.

  14. São as próprias disposições legais que limitam a atuação da Administração na sua relação com os particulares, impondo-lhe o dever de fundamentação dos actos administrativos e sancionando a sua falta com a anulabilidade dos mesmos.

  15. Dispõe o n.º 1 do art. 153.º do CPA que a fundamentação do acto administrativo pode consistir "em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo acto".

  16. Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, do processo 242/12.6BESNT de 04-04-2019: "Toda a fundamentação das decisões administrativas deve ser uma declaração (em regra) escrita e, sob pena de anulabilidade (artigo 163º/1 do CPA), com exteriorização clara, coerente e suficiente das razões de facto e das razões de direito da decisão administrativa; ou uma declaração de concordância com os (claros, coerentes e suficientes) fundamentos de facto e de direito de anteriores pareceres, informações ou propostas".

  17. Considerou a Ex.ma Senhora Juiz que a revogação da licença de exploração do estabelecimento de aquacultura por parte do Conselho de Administração da recorrida se baseou numa mera declaração de concordância com os fundamentos de uma anterior Informação de Serviço e respetivo Parecer Jurídico, emitida pelos serviços da recorrida.

  18. Resulta da análise da referida Informação de Serviço e Parecer Jurídico, não se vislumbram cumpridos os requisitos de fundamentação (claros, coerentes e suficientes) exigidos à recorrida aquando da emissão da Informação de Serviço e Parecer, que propunha a revogação da licença de exploração do estabelecimento de aquacultura, pelo que a declaração de concordância subsequente não se tem, igualmente, por fundamentada.

  19. A sentença recorrida, fazendo referência ao interesse da Câmara Municipal de Viana do Castelo, naquele concreto lote de terreno, reportando-se ao PA, não define qual o interesse processual da Câmara Municipal de Viana do Castelo no procedimento decisório que levou à revogação da licença de exploração do estabelecimento de aquacultura.

  20. Consta do conteúdo da Informação de Serviço n.º APDL_1098/217, emitida pelos serviços da recorrida, que "a Câmara Municipal de Viana do Castelo manifestou já, por diversas vezes, embora informalmente, interesse neste lote de terreno, por forma a responder à procura de entidades privadas, para a instalação de empresas que pretendam investir em Viana do Castelo".

  21. Resulta, da análise da Informação de Serviço emitida pelos serviços da recorrida, que haviam já conversações entre a recorrida e a Câmara Municipal de Viana do Castelo, com vista à revogação da licença que atribuía à recorrente a exploração do estabelecimento de aquacultura, não se apurando, nem se fundamentando, contudo, qual o papel da Câmara Municipal de Viana do Castelo na revogação da licença e no seu interesse no referido lote para, alegadamente, proceder à instalação de empresas que pretendem investir em Viana do Castelo.

  22. Nem se sabe se tal é, ou foi, motivo para a revogação da licença em crise.

  23. Nesta parte, a sentença é completamente omissa.

  24. Facto que não foi tido em consideração pela Ex.ma Senhora Juiz do Tribunal “a quo”.

  25. O que demonstra bem, mais uma...

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