Acórdão nº 07972/14.6BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução28 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo, CRL, …, ao abrigo do disposto nos artigos (arts.) 652.º n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC) e 26.º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), recorre, para este Supremo Tribunal, do acórdão proferido, no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), em 25 de junho de 2020, que negou provimento a reclamação, para a conferência, apresentada no âmbito deste processo para execução dos julgados.

Conclui a sua alegação, nestes moldes: « a. O presente recurso tem por objeto a apreciação da questão relativa à admissibilidade de recurso da decisão que julgou a instância executiva extinta por inutilidade superveniente da lide, apesar de não ter sido apresentada reclamação para a conferência ou poder ser questionada a viabilidade de convolação do recurso apresentado em reclamação.

  1. A questão submetida à apreciação do Tribunal ad quem não coincide nem se mostra resolvida pela jurisprudência que, ao longo dos últimos anos, incidiu sobre o tema da reclamação para a conferência e aplicação do disposto no artigo 27.º do CPTA, persistindo as dúvidas e entendimentos discordantes quanto à aplicação desta disposição.

  2. A jurisprudência administrativa e constitucional não se pronunciou sobre a questão concretamente colocada nestes autos quanto à interpretação e aplicação das normas do artigo 27.º do CPTA perante uma decisão proferida em 1.º grau de jurisdição por um tribunal superior, no âmbito de uma ação executiva, e que se tem por ilegal e inconstitucional, por violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, conforme previstos nos artigos 2.º e 20.º da Constituição.

  3. O acórdão recorrido enferma de erro de julgamento por ter feito uma incorreta leitura do contexto e circunstancialismo particular em que a questão de direito vem colocada e por, equivocamente, ter aplicado uma solução interpretativa do artigo 27.º do CPTA que não visa casos como o presente, resultando num tratamento desadequado e penalizador da Recorrente quando esse não pode ter sido o intuito do legislador.

  4. A corrente jurisprudencial de que se socorre o acórdão recorrido quanto à aplicação do artigo 27.º do CPTA não é aplicável ao caso vertente, tendo o Tribunal a quo partido do pressuposto erróneo da identidade ou coincidência das situações materiais, ignorando os contornos do caso concreto e os precisos termos em que a questão quanto à admissibilidade de interposição direta de recurso se suscita.

  5. O Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou sobre a questão da aplicação do disposto no artigo 27.º do CPTA, na redação à data em vigor, quando em causa está uma sentença proferida no âmbito de uma ação executiva, da competência do Tribunal Central Administrativo, que a conhece em 1.º grau de jurisdição, como é o caso.

  6. A decisão em primeiro grau de jurisdição de um relator num tribunal superior, tipicamente chamado a intervir em recurso, configura a decisão singular e final dessa ação sem intervenção do coletivo, a que lei não obsta e na prática se verificava amiúde, à semelhança da regra da competência decisória do juiz singular nas ações administrativas comuns.

  7. O disposto no artigo 27.º do CPTA não é aplicável na hipótese de uma decisão final, proferida por relator, em primeiro grau de jurisdição, esgotada a intervenção que poderia, noutro contexto, ter cabido ao coletivo.

  8. A decisão da Senhora Relatora de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide constitui uma verdadeira sentença que se destina a vigorar sem sancionamento ou ratificação pelo coletivo, da qual cabe recurso e não reclamação para a conferência.

  9. À luz do disposto no artigo 142.º do CPTA, a decisão que ponha termo ao processo sem se pronunciar sobre o mérito da causa, como é o caso de uma decisão que julgue procedente uma exceção e não conheça da causa ou do pedido, admite sempre recurso direto.

  10. A interpretação sufragada é a única consentânea com os princípios da segurança e da confiança jurídica e do princípio pro actione, única que obsta a uma aplicação desviante do artigo 27.º do CPTA: se a previsão da reclamação para a conferência materializa a preocupação do legislador em consagrar meios adicionais de reação face à conduta dos tribunais, seria incompreensível que, por via interpretativa, esse meio constituísse um verdadeiro entrave ou obstáculo ao acesso à justiça, em prejuízo dos interessados.

  11. Não pode considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar.

  12. A Recorrente apresentou recurso dentro do prazo previsto para o efeito, tendo observado todas as formalidades legais associadas, pelo que, sem conceder quanto ao meio de reação adequado, não poderia ser exigido que tivesse observado um prazo substancialmente mais curto para que se admitisse a sua convolação.

  13. A convolação do recurso tempestivamente apresentado em reclamação para a conferência impõe-se por força do funcionamento do instituto da convolação, do objetivo e fim visados com a consagração desta figura, e, também, como corolário do princípio da cooperação processual e do princípio pro actione.

  14. O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efetive através de um processo equitativo, em linha com outros valores constitucionalmente relevantes como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2.º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à “igualdade de armas”).

  15. A dúvida quanto à interpretação dos textos legais, a ausência de suficiente explicitação quanto ao uso de competência decisória como juiz relator, a imprevisibilidade do ónus processual imposto à parte face à prática jurisprudencial existente à data da interposição do recurso, o caráter excessivamente gravoso da consequência cominatória resultante da inobservância do ónus, e a desculpabilidade da conduta processual da parte, apontam para considerar que a interpretação normativa adotada pelo acórdão recorrido viola o princípio do processo equitativo em conjugação com os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

  16. A norma do artigo 27.º do CPTA, na interpretação segundo a qual a sentença proferida por um tribunal em primeira instância não é suscetível de recurso jurisdicional, mas apenas de reclamação para a conferência nos termos do n.º 2 desse artigo, é inconstitucional por violação dos princípios do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança.

  17. A exigência de um meio processual que tenha uma natureza meramente formal ou instrumental para abrir caminho à ulterior...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT