Acórdão nº 219/19.0BEFUN-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA MARTINS
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A Santa Casa da Misericórdia da Calheta, demandada nos autos principais e aí melhor identificada, vem interpor recurso do despacho, proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a 08.09.2020, pelo qual indeferiu o pedido de dispensa excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento de Custas Processuais.

O despacho recorrido foi proferido no âmbito do processo de contencioso pré-contratual instaurado por J... – Construções, Lda., contra a Santa Casa da Misericórdia da Calheta, na qualidade de entidade demandada e entidade adjudicante, e contra a A... – Engenharia e Construções, S.A., na qualidade de Contra-interessada.

* A Recorrente concluiu assim as suas alegações: 49. Pelo que fica exposto, conforme já foi atrás referido, esteve mal o Digníssimo Tribunal a quo ao decidir como decidiu.

  1. É que, face a toda a prova disponível nos Autos, tem de concluir-se que:

  1. A dispensa do remanescente da taxa de justiça, prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, deve poder ser suscitada em sede de reclamação da conta de custas, uma vez que uma interpretação contrária dessa norma redundaria em denegação de acesso à justiça, ou seja, numa inconstitucionalidade desta norma.

  2. Com efeito, a ora Recorrente Santa Casa da Misericórdia da Calheta, notificada da conta de custas da sua responsabilidade no processo supra referido [conta n.º 985...20], nos termos da qual resulta um valor total a pagar de €32.436,00, apresentou nos autos requerimento de reclamação e reforma da referida conta de custas.

  3. Alegou, em síntese, que perante a ausência de complexidade do processo, a tramitação processual ocorrida e a conduta das partes, não se justifica o pagamento pelos intervenientes processuais do remanescente da taxa de justiça, impondo-se, por ser de justiça, a respetiva dispensa, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.

  4. Sustentou que, pese embora o valor da ação [€2.729.225,35], o princípio da proporcionalidade e a adequação das custas à atividade judicial desenvolvida impõem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça acima do valor de €275.000,00.

  5. Terminou com um pedido de reforma da conta tendo em consideração o máximo de €275.000,00 e dispensando as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

  6. A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem, é aferida tendo em consideração a apreciação casuística da especificidade da situação em causa, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, ou à sua menor complexidade e ao comportamento processual positivo das partes, de correção, de cooperação e de boa-fé.

  7. Assim sendo, não faz qualquer sentido impor-se à parte o ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça antes do trânsito em julgado da Sentença ou Acórdão que findou determinado processo, pois que só após a decisão transitar em julgado é que a parte fica a saber se se encontram preenchidos os requisitos para aquela dispensa: ou seja, só após o trânsito em julgado da decisão proferida é que se fixa com propriedade e grau de certeza a efetiva complexidade da causa e o comportamento processual das partes, fatores que são condicionantes à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.

  8. Por outro lado, independentemente do momento em que foi requerido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, qualquer decisão que venha a condenar a ora Recorrente no pagamento do montante que é devido enquanto remanescente da taxa de justiça é manifestamente desproporcional, ferindo os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da adequação, ínsitos na Constituição da República Portuguesa, bem como na ratio legis do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, aqui em análise.

  9. Pois que, os presentes Autos não contêm articulados e alegações prolixas – considerando que apenas se reproduziu matéria de facto objetiva e cuja análise à conformação com as peças do procedimento se requereu, tendo-se cingido a respetiva análise decisória, primordialmente, à interpretação declarativa, mormente através do elemento literal da proposta do concorrente J..., Construções, Lda..

  10. Os presentes Autos não dizem respeito a questões de elevada especialização jurídica, uma vez que se trata de matéria do contencioso pré-contratual administrativo de natureza objetiva, sem necessidade de análise de questões jurídicas de âmbito diverso.

  11. E não foram realizadas quaisquer diligências de produção de prova, quer testemunhal, quer pericial, nem foi realizada qualquer audiência, porquanto o Tribunal não as considerou necessárias para criar a sua convicção decisória – a decisão dos presentes Autos cingiu-se à prova documental apresentada e aos articulados das partes.

  12. De facto, o despacho do Meritíssimo Juiz a quo datado de 08/09/2020, não acrescentou qualquer fundamentação e/ou pronúncia quanto às questões trazidas pela aqui Recorrente no seu requerimento de reclamação e reforma da referida conta de custas datado de 15/07/2020, isto é: - Que “as questões suscitadas no âmbito deste processo, salvo o devido respeito, não constituem questões complexas, pois reportam-se a matérias relativas à formação dos contratos e a procedimentos pré-contratuais, que apesar da sua especificidade, são matérias comuns aos tribunais administrativos e fiscais.” - Que “a audiência prévia foi dispensada e a ação foi decidida em primeira instância sem que previamente tivesse sido realizada audiência de julgamento, pelo que o Digníssimo Tribunal de 1ª instância não teve de desenvolver os atos e diligências que seriam inerentes a essa(s) fase(s)/tramitação processual.” - Que “não obstante o elevado valor atribuído à ação (€2.729.225,35), a causa não apresentou complexidade, pois apesar de estarmos perante a apreciação da aplicabilidade de diversas disposições do Código do Contratos Públicos, respeitantes aos procedimentos pré-contratuais das empreitadas de obras públicas, temos que a única questão apreciada efetivamente pelo Tribunal, mormente no recurso que foi interposto, foi a anulação do ato de exclusão do concorrente Recorrente J..., cumprindo a entidade adjudicante com o disposto no artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos, isto é, admitindo o suprimento da irregularidade da proposta em causa, seguindo-se os demais termos do procedimento pré-contratual.” - Que “as partes, e mormente a Ré, não fez uso incorreto dos meios processuais ao dispor, não usou de meios dilatórios, não faltou à verdade, colaborou sempre com o Digníssimo Tribunal, pelo que a sua conduta processual não mereceu nem é merecedora de qualquer censura.” m) Efetivamente, não obstante o elevado valor atribuído à ação (€2.729.225,35), a decisão que foi proferida pelo douto Tribunal Central Administrativo do Sul, na sequência do Recurso interposto pela Recorrente J... – Construções, Lda., não apresentou qualquer complexidade, pois apesar de estarmos perante a apreciação da aplicabilidade de diversas disposições do Código dos Contratos Públicos, respeitantes aos procedimentos pré-contratuais das empreitadas de obras públicas, temos que a única questão apreciada efetivamente pelo Tribunal, mormente no recurso que foi interposto, foi a anulação do ato de exclusão do concorrente Recorrente J..., cumprindo a entidade adjudicante com o disposto no artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos, isto é, admitindo o suprimento da irregularidade da proposta em causa, seguindo-se os demais termos do procedimento pré-contratual.

  13. Motivo pelo qual, e salvo o devido respeito, não se justifica o pagamento de um montante global de €32.436,00, pelo referido processo.

  14. Por tudo quanto foi dito, apenas se poderá concluir que a decisão recorrida padece de nulidade (por omissão de pronúncia) e de um manifesto erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto existe uma errada interpretação do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.

  15. Motivo pelo qual a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 530.º, 608.º, n.º 2, 613.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, bem como o disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais e, ainda, o disposto nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

    o douto Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento na interpretação do disposto no n.º 7, do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, ao considerar o requerimento apresentado em 15/07/2020 intempestivo.

  16. Acrescentando-se ainda que, para uma melhor decisão dos presentes autos, sempre deve ser tido em consideração o princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), na sua vertente da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, pois que só assim se será capaz de garantir a proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado.

  17. Pois vejamos que, quanto à concreta questão jurídica aqui colocada, existe uma variedade de jurisprudência, que é contemporânea entre si, emanada pelos Tribunais Superiores (conforme supra melhor já se citou), que oferece diferentes soluções para o mesmo enquadramento factual e jurídico, concretamente que considera que é possível requerer a dispensa do pagamento do remanescente taxa de justiça mesmo após a notificação da Conta Final e enquanto reclamação àquela (Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, Proc. n.º 1874/17.1T8VNG.P2, datado de 11/04/2019; Acórdão TCA Norte n.º 01155/10.1BEBRG datado de 08/01/2016; Acórdão TCA Norte n.º 00289/13.5BEMDL datado de 24/03/2017; Acórdão TCA Norte n.º 00003/15.0BCPRT datado de 28.09.2018; Acórdão...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT