Acórdão nº 254/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 254/2021

Processo n.º 274/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 17 de fevereiro de 2021, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. A ora reclamante, na qualidade de arguida em processo-crime, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, datada de 4 de maio de 2018, que a condenou numa pena de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagar ao Estado determinada quantia pecuniária por conta do montante que foi solidariamente condenada a pagar a título de indemnização civil.

Por acórdão datado de 2 de julho de 2019, na parte relevante para os presentes autos, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, confirmando a sentença condenatória. Notificada de tal aresto, a aqui reclamante arguiu a sua nulidade, com fundamento em omissão de pronúncia e violação do caso julgado. Pretensão que foi indeferida por acórdão datado de 24 de setembro de 2019.

A ora reclamante interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Após algumas vicissitudes processuais, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, datado de 27 de janeiro de 2021, nos termos do qual rejeitou o recurso. Na vertente criminal, por inadmissibilidade legal; na cível, com fundamento em dupla conforme.

Por requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, a ora reclamante interpôs recurso de constitucionalidade. Pode ler-se no requerimento:

«A., Arguida/Recorrente nos autos à margem melhor identificados,

Vem, interpor RECURSO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, a fim de que esse Alto Tribunal declare a inconstitucionalidade das normas legais citadas e, ou, das normas criadas pelas decisões recorridas, ou, ainda, das normas interpretativas ou sentido com que as identificadas normas foram tomadas e aplicadas no caso concreto - Ac. TC n.º 147/97 de 26/02/1997 (2.ª Secção) e, entre muitos outros, o Ac. TC n.º 644/97 de 29/10/1997 (2ª Secção) - e que, tal como nos autos, se passam a nomear:

I - A norma criada e erigida pelo douto Acórdão aqui recorrido, retirada do conjugadamente disposto nos artigos 103.º n.º 1 al.ªs, a) e c); 104.º n.º 1 als. d) e e) e n.º 2 do RGIT, art.ºs 30.º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, e que afirma que o crime continuado da condenação é juridicamente autónomo do crime continuado da absolvição (Proc.n.º 333/05.OIDBRG) (pág.194 do Ac. proferido no TRE):

a) Apesar da arguida/recorrente ter sido absolvida por um crime de fraude fiscal na forma continuada, por Sentença proferida no proc.º 333/05.OIDBRG, onde era imputado à arguida a emissão de faturas falsas, alegadamente emitidas pela B., Lda. e pela C., Lda., ali a favor e para serem integradas na sociedade D., S.A. no período de 2001 a 2004

E,

b) Apesar da acusação imputar à arguida no que concerne à sua alegada ligação, quer à B. Lda quer à C. Lda. a gerência de facto de uma das sociedades, também àquele dito período de Janeiro a Novembro de 2004.

Não se verifica a exceção de caso julgado - pois não considera existir uma unidade de resolução criminosa ao longo do período temporal em questão-, atribuindo às arguidas a prática de duas "continuações criminais" em presença de alegada emissão de faturas falsas pelas sociedades B., Lda. e C., Lda ao longo dos anos de 2001 a 2006 - no que diz respeito aos exercícios de 2001 a 2004, apreciados e julgados no âmbito do Proc. N.º 333/05.0IDBRG, as arguidas, tal como todos os demais, foram definitivamente absolvidos no tribunal Criminal de Braga, conforme tudo melhor se alcança da Sentença que já foi junta aos autos, enquanto que, quanto aos mesmos factos e reportados ao mesmo ano de 2004 e ao ano de 2005 e 2006, o tribunal recorrido decretou em sentido contrário a condenação das arguidas

É inconstitucional por violação do princípio fundamental de "ne bis in idem", previsto no art.º 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

Antes de mais importa reafirmar que sendo a ofensa de caso julgado do conhecimento oficioso, nos termos da lei de processo e da Constituição, cabe ao Tribunal Constitucional conhecer se, em determinado processo concreto tal ofensa, alegada pela recorrente, ocorreu efetivamente, independentemente de apurar se se verificam ou não os específicos pressupostos dos recursos tipificados nas várias alíneas

do n.º 1 do art.º 70. º da LTC.

Acresce dizer que, tal interpretação viola de igual modo, os princípios da "proibição da indefesa" o qual está contido no direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais, consagrados na Constituição da República, nomeadamente nos seus art.ºs 2.º, 18.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Inconstitucionalidade normativa aquela que aqui se invoca, e a qual deverá ser conhecida e declarada, com todos os devidos e legais efeitos.

A proibição do "ne bis in idem" mais não é do que a manifestação substantiva daquele princípio da exceção de caso julgado, enquanto garantia básica de que ninguém pode ser submetido a um processo duas vezes pelo mesmo facto, seja de forma simultânea ou sucessiva - enquanto unidade de resolução criminosa - englobando tal garantia uma verdadeira proibição de dupla perseguição penal, que tem ainda como efeito garantístico que se proíba a investigação e o posterior julgamento não apenas do que foi conhecido no primeiro processo, mas também tudo o que aí poderia ter sido conhecido.

Note-se que, o respeito pelo princípio "non bis in idem" é assegurado, em Portugal, não só pelos supra citados princípios e preceitos da Constituição, como ainda, pelos artigos 14.7 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966, art.º 4.º do protocolo n.° 7 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, datado de 22 de Novembro de 1984, e art.º 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Sendo certo que, o art.º 8.º n.º 2 da nossa Constituição determina a aplicação direta das Convenções Internacionais a que Portugal aderiu e seja parte e determina a primazia do Direito Internacional decorrente dessas Convenções sobre a lei interna.

Essa inconstitucionalidade cometida nas instancias e, designadamente, pelo acórdão recorrido, foi invocada logo nas alegações de recurso para o tribunal de 2.ª instancia, e depois nos capítulos III, IV, V, VI, e nas conclusões - requerimento de conclusões resumidas apresentado nos autos em 21/10/2020 – n.ºs 56, 57, 58, 59, 60 e 61 das Alegações de Recurso dirigidas ao STJ que se encontram a fls._ dos autos – ref.ª 36864339-

SEM PRESCINDIR,

II _ Declare a inconstitucionalidade da norma extraída do art.º 127.º e do art.º 428.º do CPP, e criada pelo Tribunal da Relação, quando interpretada no sentido de que tendo o tribunal de 1.ª instancia apreciado livremente a prova perante ele produzida, o tribunal de 2.ª instancia apenas tem a obrigação de verificar se a Sentença padece de algum vicio, omitindo a obrigação legal de, também ele, reapreciar, uma a uma, a prova documental e testemunhal produzida e invocada pela recorrente para contrariar a conclusão decisória do tribunal recorrido.

Essa norma interpretativa criada no Acórdão recorrido e a partir da qual afirma a impossibilidade prática e efetiva de recurso da decisão de facto perante o tribunal de 2.ª instancia, cerceia de forma drástica e intolerável as garantias de defesa da arguida restringindo de maneira insuportável o núcleo essencial do seu direito ao recurso em matéria de facto violando de igual modo a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, também no que diretamente concerne à matéria de facto.

Cumpre assinalar que a obrigação decorrente do estipulado no art.428.º e 431.º do CPP, onde se estipula que o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito e pode modificar a decisão respeitante à matéria de facto proferida na 1.ª Instância dá corpo ao estipulado nos art.ºs 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da C.R.P; _ "vide gratiae" entre muitos outros o Ac. 116/2007, proferido no Proc. 522/06 (3.ª Secção), publicado no DR. IIª Série de 23/04/2007-

A arguida não podia adivinhar que seria este o caminho que o Tribunal da Relação iria trilhar, tendo sido tornada de surpresa pela criação de tal norma interpretativa que, arrancando da enunciada visão do princípio da livre apreciação da prova – art.º 127.º do CPP - acabou por se negar a apreciar e a sindicar cada um dos pontos da matéria de facto por si impugnados.

Ora,

Esta norma interpretativa criada pelo Tribunal da Relação e decorrente da interpretação que faz do disposto no art.º12.º e 428.º do CPP, limita de forma insuportável o núcleo essencial do direito ao recurso em matér i a de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância, tal como cerceia e inutiliza a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição também em matéria de facto, deturpando a " ratio" daquela norma legal e defraudando as expectativas da arguida recorrente .

Daí a invocação da inconstitucionalidade da dita norma interpretativa criada no Acórdão recorrido pelo Tribunal da Relação e que arranca da sua leitura do disposto no art.º 127.º e 428.º do CPP, e na qual estriba a sua decisão de não conhecer de forma efetiva do recurso respeitante à matéria de facto, recusando o cumprimento da obrigação de proceder...

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