Acórdão nº 2129/13.6TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO No processo comum supra identificado, após a realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu:

  1. Condenar o arguido C.

    pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 7,00 €, o que perfaz o quantitativo de 350,00 €.

  2. Condenar a arguida M.

    pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5,00 €, o que perfaz o quantitativo de 350,00 €.

  3. Absolver os arguidos/demandados do pedido cível formulado pela demandante S..

    * Discordaram os arguidos de tal decisão, e dela interpuseram o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: 1- Os arguidos C. e M. não se conformam com a douta sentença recorrida, que condenou cada um deles pela prática, em autoria material na forma consumada, de um crime de dano, p. e p. pelo artº. 212º, n.º 1, do Cód. Penal; 2- A douta sentença recorrida faz uma incorrecta apreciação da matéria de direito, a qual levou a uma injusta condenação dos arguidos; 3- Da análise dos factos dados como provados pelo Tribunal “a quo”, resulta que a arguida M. destruiu parte do muro que a Assistente andava a construir naquele momento; 4- Com especial relevo para os presentes autos, ficou provado que a Assistente quis com a construção daquele muro impedir o acesso dos arguidos a uns barracões existentes no interior do prédio destes e onde tinham, e têm ainda hoje, vários animais domésticos, tais como galinhas e coelhos, designadamente; 5- Muro esse que, nos termos em que foi feito, impedia o acesso dos arguidos à parte do seu prédio destinada à agricultura e tornava completamente encravados quer o referido terreno agrícola dos arguidos, quer os ditos barracões, onde se encontravam os animais domésticos referidos, impedindo o acesso dos arguidos aos mesmos; 6- Os arguidos não tinham como aceder ao terreno agrícola do seu prédio, nem aos barracões onde tinham os animais domésticos, senão através da destruição parcial do muro, por forma a nele fazerem uma abertura que lhes permitisse a passagem para aquele trato de terreno e barracões; 7- Quando a arguida M. cerca das 15h55m do dia 12.11.2013 se deslocava aos ditos barracões para dar de beber e de comer aos referidos animais foi confrontada com a construção do dito muro; 8- Perante a impossibilidade de aceder aos barracões e aos animais domésticos a arguida deitou abaixo alguns dos blocos de cimento que constituíam o muro, o que fez com o intuito de poder passar para o seu terreno, na parte onde se encontravam os ditos barracões e para ir dar de comer e de beber aos supra aludidos animais domésticos; 9- O arguido C., quando no final da tarde desse mesmo dia 12.11.2013, cerca das 18 horas, se ia a deslocar aos ditos barracões para acomodar os animais domésticos referidos, para eles passarem a noite, transportando nas mãos um balde com comida para eles, foi também ele confrontado com o facto de a abertura feita anteriormente no muro pela arguida M. se encontrar novamente fechada com blocos de cimento, tendo sido nessa tarde reconstruido (e fechado completamente), ficando impossibilitado absolutamente o arguido C. de se deslocar aos referidos barracões, pelo que deitou abaixo alguns dos blocos de cimento que constituíam o dito muro; 10- Tendo agido com o intuito de se deslocar ao interior do seu terreno, na parte onde se encontravam os ditos barracões e dar de comer e de beber aos animais domésticos aludidos; 11- Os arguidos ao actuarem na forma descrita supra, designadamente ao derrubarem parte do muro construído pela assistente, fizeram-no licitamente, no exercício de um direito, e ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

    13- Atenta a factualidade dada como provada, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, entendem os arguidos que “in casu” estão preenchidos todos os requisitos conducentes à verificação da invocada acção directa – artº. 336º do Cód. Civil; 14- Resulta inquestionável da matéria dada como provada nos autos que os arguidos até à construção do muro feito pela assistente acediam livremente ao interior do prédio de que são proprietários e onde tinham – e ainda hoje têm – vários animais domésticos, tais como galinhas e coelhos, designadamente, e onde têm também um barracão destinado a arrumos de alfaias agrícolas e de produtos agrícolas, tais como milho e feijão, destinados ao consumo dos arguidos e respectiva família; 15- Foi a construção daquele muro pela assistente que impediu o acesso dos arguidos à parte do seu prédio destinada à agricultura e tornou completamente encravados quer o referido terreno agrícola dos arguidos, quer os ditos barracões, onde se encontravam os animais domésticos referidos; 16- É indubitável a existência de um direito privado próprio dos arguidos, de acesso ao seu prédio, na exacta medida em que o prédio deles resultantes da divisão jurídica do prédio mãe em duas parcelas autónomas, que a sentença cível junta aos autos veio fazer, só é possível havendo acessos a ambos os prédios resultantes dessa divisão jurídica e material; 17- Relativamente ao requisito traduzido na impossibilidade de os arguidos recorrerem em tempo útil aos meios coercivos normais (judiciais ou policiais), com que o Tribunal “a quo” justifica o afastamento do invocado direito ao uso da acção directa, importa dizer que o mesmo deve ter-se por verificado; 18- Já quanto a uma eventual instauração judicial de uma providência cautelar, a mesma nunca seria deferida em tempo útil, pois que a apreciação e deferimento dessa providência cautelar não era possível num curto espaço de tempo, demorando seguramente alguns dias a ser deferida e cumprida; 19- Durante o decurso desse período de tempo é previsível que os ditos animais domésticos fossem sujeitos a grande sofrimento e graves problemas de saúde resultantes do facto de não serem alimentados, senão mesmo a morte; 20- Daí que tenha de se concluir pela verificação dos pressupostos legais da acção directa e, consequentemente, pela exclusão da ilicitude da conduta dos arguidos, nos termos da al. b), do n.º 2 do artº. 31º do Cód. Penal; 21- Nos termos do disposto no artº. 17º, n.º 1 do Cód. Penal “Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro não lhe for censurável” ; 22- O erro sobre a ilicitude do facto verifica-se quando o agente não conhece a norma de proibição que respeita a esse facto, ou conhecendo-a tem-na por não válida, ou quando representa defeituosamente o seu âmbito de validade, e vai daí considera a sua conduta como juridicamente admissível; 23- No caso dos autos, examinando criticamente a matéria de facto dada como provada, os arguidos agiram sem consciência da ilicitude dos factos por si praticados, designadamente devido a erro directo, indirecto ou do tipo permissivo; 24- Os arguidos ainda que tenham representado o facto como uma infracção do direito, actuaram convictos de que ao destruírem parte do muro edificado pela Assistente e que os impedia absolutamente de acederem aos barracões existentes no prédio deles para aí darem de comer e de beber aos animais domésticos que ali se encontravam, a sua conduta estava justificada e não lhes podia ser censurada; 25- Agiram os arguidos na firme convicção de que a destruição parcial do muro se justificava plenamente pela necessidade actual e premente de darem alimento e bebida àqueles animais, na defesa de princípios sociais, éticos e morais nobres, que o Direito não podia senão justificar deixando de punir criminalmente essas condutas; 26- Tanto mais que o bem protegido é maior do que o bem sacrificado, quer à luz da ordem moral e ética, quer à luz do entendimento comum do homem médio...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT