Acórdão nº 130/14.1PDPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BLASCO
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 130/14.1PDPRT.P1. S1 (recurso extraordinário contra jurisprudência fixada) Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I.

  1. A arguida AA, veio em 30.10.2020, interpor recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, por entender que se impõe a modificação do acórdão de 8.03.2019, do Tribunal da Relação …. (TR…..), pois a aqui arguida tem um entendimento diverso do enquadramento da matéria de direito, especificadamente no que concerne à condenação por detenção de quantidade de estupefaciente em quantidade muito baixa, não tendo sido fixada, na sua óptica, matéria de facto que afaste a posse para consumo próprio.

    Para tal, transcrevem-se as conclusões à sua motivação de recurso: (…).

    1. - O Ac., do S.T.J., de 15-05-1996 - relator ANDRADE SARAIVA, in dgsi.pt., aceita que para termos de consumo os consumidores possam ter na sua posse 1,5 g para consumo diário e no máximo para 10 dias, isto é, 1,5 x 10=15 gramas.

    2. - Já foi demonstrado, no art.º 22 das conclusões que nas audiências as testemunhas confirmaram que era uma consumidora abusiva, também com sustentação no relatório social.

    3. - E poder-se-á concluir que todo o estupefaciente capturado à arguida era todo para vender? Ou reter para terceiro? Uma consumidora abusiva, que todos os dias ia ao Bairro … comprar, não ia consumir nem um pouco? Não acreditámos nesta conclusão do Tribunal a quo. Principalmente porque a quantidade apreendida para um consumidor abusivo não é assim tanto.

    4. - Atente-se igualmente Ac., uniformizador de jurisprudência n.º 8/2008 do S.T.J.:" «Não obstante a derrogação operada pelo art. 28.º da Lei 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias» 5ª – Aliás na sentença de 1ª instância foi sentenciado que o produto não era para venda ou ceder, logo o STJ pode alterar a matéria de facto pelo art.º 410º n. º2, als., a), b) e c) mas especialmente a B).

    1. – Assim sucede, pois, há uma contradição insanável visto ser contraditório condenar alguém por pequeno tráfico e fundamentar que o estupefaciente não era afinal para Venda.

    2. – O que se requer expressamente.

    3. – O AUJ, fundamento do recurso tem que ser interpretado em sentido posto, isto é, não deve ser condenado por crime de tráfico ou pequeno tráfico nos termos do art.º 25º do D.L 93 quem tiver produto/ estupefaciente para quantidade inferior a 10 dias.

    4. – Tendo aqui arguida sustentando-se na tese de que: 1.5 gramas de cocaína x 10 dias = 15 gramas: 1.5 gramas de heroína x 10 dias = 15 gramas: 2 gramas de haxixe (canábis resina) x 10 dias = 20 gramas - cfr. Acórdão do STJ de 15/05/1996 - Relator: Andrade Saraiva, vd., https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/criminal1996.pdf - pág. 35.

    5. –E o valor com que foi detida - 2,663 gramas, nunca poderia ter sido condenada sem que tivesse sido provado que era para Venda ou cedência, o que sucedeu.

    6. –Nunca o requisito negativo do Ac., uniformizador de jurisprudência n.º 8/2008 do S.T.J., de consumo médio de 10 foi ultrapassado.

    7. – Pelo que a decisão ora recorrida foi contra jurisprudência fixada e é recorrível, e deve a aqui arguida ser absolvida.

    8. – Em sede de dimensão constitucional requer-se que recaia Acórdão expresso sobre a interpretação da compaginação normativa do art. 40.º do DL n.º 15/93, de 22/01, do art. 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29/11, e bem assim do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência com o n.º 8/2008, publicado no DR Iª Série, n.º 150, de 25/08, a detenção de produtos estupefacientes para consumo próprio exclusivo, em quantidade INFERIOR a 10 dias, constitui crime a prever e punir dentro do âmbito daquela primeira norma e Diploma, e a de quantidades iguais ou abaixo ao período indicado, a contraordenação prevista no art. 2.º da referida Lei n.º 30/2000, é inconstitucional por violação dos arts 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, 3 e 4, da C.R.P.

    9. – Pois é violadora do princípio da prevalência da constituição, o qual confere que, na hermenêutica jurídica/judicial, a imposição de uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais, e de igual modo, viola o dever de aplicação do direito legal em conformidade com os direitos liberdades e garantias dos arguidos.

    10. - Visto que tal interpretação ofende o princípio da legalidade previsto no artigo 29.º da C.R.P., inscrito no âmbito dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente positivados na nossa ordem jurídico-constitucional, nos termos supra narrados, quando a letra e o espírito da lei permitiam, ou mesmo impunham, outra interpretação conforme à C.R.P.

    Nestes termos e fundamentos deverão Vª Exas revogar o ora Acórdão recorrido e absolver a aqui arguida pelo crime aqui condenada mantendo a jurisprudência fixada.

    (…).

  2. O recurso foi admitido por despacho de 20.12. 2020.

  3. O Magistrado do Ministério Público junto do TRP, veio alegar que o presente recurso deve ser rejeitado, por ter sido interposto fora do prazo legal (artigos 414.º, n.º 2 e 446.º, n.º 1, do CPP); ou, ser rejeitado, por manifesta improcedência (artigo 420.º, n.º 1, a) do CPP, ex vi do artigo 448.º, do mesmo diploma legal).

  4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde em Parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto entendeu que o presente recurso se mostra tempestivo; deve, no entanto, verificada a inexistência de oposição de julgados, ser rejeitado, nos termos dos artigos 441.º, n. º1, ex vi 446.º, n. º 1, ambos do CPP.

  5. Deu-se conhecimento deste Parecer à recorrente, nada tendo sido dito.

  6. Foi feito exame preliminar nos termos em que se refere o artigo 440.º, n.º 1, do CPP ex vi artigo 446.º, n.º 2, do CPP.

  7. Foram os autos remetidos a conferência, nos termos do artigo 440.º, n.º 4, do CPP, ex vi artigo 446.º, n.º 1, do CPP.

    II.

  8. A admissibilidade de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisões proferidas contra jurisprudência que por ele se mostra fixada, prevista no artigo 446.º, do CPP, está directamente relacionada com a necessidade de garantir o controle difuso dos fundamentos das decisões das instâncias que, eventualmente, não acatem tal jurisprudência, por via do reexame do tribunal superior. Visa, pois, a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando eventuais conflitos existentes entre uma decisão com outra que fixou jurisprudência sobre a mesma questão de direito no domínio da mesma legislação.

    Esta disposição está directamente ligada com o n.º 3, do artigo 445.º, do CPP que prevê: “(…) A decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

    (…)”.

    Entende-se que incumbe ao tribunal que não acate tal jurisprudência, um particular dever de fundamentação de modo a convencer da razoabilidade dos fundamentos que sustentam essa divergência, havendo recurso nos termos do artigo 446.º, do CPP, para permitir uma reponderação que atenda aos novos argumentos.

    Decorre, deste modo, da conjugação dos artigos 445.º, n.º 3 e 446.º, n.º 1, ambos do CPP, que apenas haverá fundamento para recurso contra jurisprudência fixada quando a decisão que divirja da fixação não a aceite, expressamente a contestando, o que é diverso da desaplicação da jurisprudência fixada por desconhecimento ou errada interpretação, devendo quanto a esta o meio de impugnação, ser o de recurso ordinário[1]. Por outras palavras, a possibilidade de interpor este recurso extraordinário apenas se admite quando estiverem esgotados todos os recursos ordinários, seja por que a eles se lançou mão sem êxito, seja por que, não importa o motivo, se deixou precludir o direito a recorrer, nomeadamente por trânsito em julgado da decisão recorrida.

    Quanto ao regime de interposição, efeito e processamento do recurso, face ao que dispõe a parte final do n.º 1, do artigo 446.º, do CPP, este deve seguir os...

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