Acórdão nº 136/09.2BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 08 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Município de Cascais interpôs recurso da sentença do TAF de Sintra, que concedeu provimento parcial à acção interposta por J........ e condenou o Município a pagar-lhe a quantia de €12.902,96, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a citação, assim como, condenou o Município a pagar-lhe as quantias que vierem a ser liquidadas e correspondentes ao valor despendido pela A. com consultas relacionadas com a dor e com a compra de medicamentos analgésicos, ao valor relativo à diferença entre o montante auferido pela A. a título de emolumentos e o que teria auferido se estivesse a trabalhar no período de 16/02/2006 a 14/08/2006 e à indemnização por danos patrimoniais devida pelo défice funcional permanente de integridade física decorrente das sequelas.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” A. A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, uma vez que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Município de Cascais, prevista no Decreto-Lei n.° 48.051, de 21 de Novembro de 1967, aplicável aos autos, pelo que deveria ter sido este absolvido da totalidade do peticionado pela Autora.
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No que diz respeito à ilicitude, o Tribunal “a quo” entendeu que a ED havia praticado um ato ilícito (de violação do dever de fiscalização e conservação das vias públicas) pelo simples facto de existir um buraco numa das centenas de ruas do concelho de Cascais e porque tal buraco não se encontrava sinalizado.
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Resulta dos factos provados que a ED tinha implementados sistemas destinados à deteção e reparação de pavimentos de vias municipais (alíneas 71 a 76 dos factos provados).
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O Tribunal "a quo" deu como não provado que a ED tivesse sido avisada da existência daquele buraco (alínea e) dos factos não provados) E. O “buraco” em causa tratava-se de uma mera falha de pedras na calçada, numa rua pedonal, que se encontrava genericamente em bom estado de conservação, não tendo uma perigosidade óbvia e representável pelos Serviços do Município, antes correspondendo a sua perigosidade concreta a um risco normal inerente a quem circula numa rua pedonal. F. A Autora não se apercebeu da existência do buraco, perceção essa que não lhe escaparia se esta circulasse com o devido cuidado e atenção.
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Não se encontra preenchido o pressuposto da ilicitude, pelo que não poderá ser imputada qualquer responsabilidade à Entidade Demandada pelos danos que a Autora tenha eventualmente sofrido em virtude de uma queda ocorrida no dia 16 de Fevereiro de 2006, na Rua das Flores, em Cascais.
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No que diz respeito à culpa, o Tribunal "a quo" entendeu estar verificada a presunção de que a conduta ilícita da ED (alegada violação do dever de fiscalização e conservação das vias municipais) foi culposa, e que a mesma não foi ilidida mediante prova pela ED.
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A culpa exige a formulação de um juízo de censura ao agente por ter adotado determinada conduta, quando de acordo com o comando legal estava obrigado a adotar conduta diferente.
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Atendendo às caraterísticas do buraco em causa, bem como ao facto da ED nunca ter sido alertada para a existência do mesmo, antes da queda da Autora, não era exigível ao Município de Cascais outra conduta que não a efetivamente adotada, e amplamente provada nas alíneas 71) a 76) dos factos assentes, nem era exigível que afetasse os seus escassos recursos humanos à fiscalização diária de todas as ruas do concelho de Cascais, o que implicaria avultadas e injustificadas despesas para o orçamento municipal.
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A Autora deveria ter empregado o mínimo de atenção exigível ao caminhar numa rua empedrada. L. Resulta dos autos que a presunção de culpa da ED se encontra ilidida, pelo que também por este motivo não poderá ser imputada qualquer responsabilidade ao Município de Cascais pelos danos que a Autora tenha eventualmente sofrido em virtude de uma queda ocorrida no dia 16 de Fevereiro de 2006, na Rua das Flores, em Cascais.
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No que diz respeito aos danos e nexo de causalidade, não existe qualquer nexo de causalidade entre os danos alegadamente sofridos pela Autora e a queda da Autora em 16 Fevereiro de 2006.
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As despesas com tratamentos, exames, consultas e medicamentos que constam da alínea 40) dos factos provados, não foram realizadas imediatamente após aquele acidente, mas passado um período de mais de 6 meses do mesmo e tais despesas são consequência direta do grave acidente de viação que a Autora sofreu em 2000 e não da queda em causa nos presentes autos.
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Não obstante, o Tribunal recorrido decidiu, de forma acrítica e sem qualquer fundamentação que apenas uma parte das quantias referidas seriam imputadas à queda dos autos, tendo condenado a ED a pagar à Autora as despesas no montante de 2.902,06 €.
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Também os factos que segundo a sentença recorrida fundamentam a indemnização no valor de 10.000 € por danos morais atribuída à Autora na sentença recorrida (factos constantes das alíneas 20) a 30), 34, 37) e 38), 47), 49), 51), 52) e 35)) são decorrentes do acidente de viação sofrido pela Autora em 2000, nada tendo a ver com a queda dos autos, inexistindo, assim, nexo de causalidade também quanto ao alegado dano moral. Q. O mesmo se dizendo relativamente à condenação da ED nos valores indemnizatórios a liquidar em execução de sentença, padecendo tal segmento decisório dos mesmos erros de julgamento, que inquinam a parte da sentença recorrida em que condenou a ED a pagar à A. as despesas com tratamentos, exames, consultas e medicamentos e na indemnização por danos morais.
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A sentença em crise enferma também das nulidades previstas nas alíneas b), c), e e) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil.
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O Tribunal a quo limitou-se a condenar a ED a pagar à Autora as quantias que vierem a ser liquidadas em sede de execução de sentença, sem justificar as razões que o levaram a concluir, por referência ao artigo 609.°, n.° 2 do CPC, que o processo não continha elementos bastantes para condenar em quantia certa, pelo que a sentença é nula atenta a sua falta de especificação dos fundamento de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
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A sentença recorrida é ambígua e obscura já que dela não resulta, com a necessária clareza e indispensável segurança jurídica, quais as concretas prestações que são devidas à A. pela ED, a título de indemnização pela queda da A. aqui em causa, pelo que a mesma é nula por força da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
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A Autora peticionou, entre o mais, uma indemnização decorrente da alegada incapacidade para o trabalho, e a sentença recorrida condenou a ED a pagar à Autora uma indemnização por défice funcional, pelo que a sentença condenou em objeto e quantidade diversos de quanto a Autora havia pedido na presente ação,pelo que a sentença é nula por força do disposto na alínea e) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC“.
A Recorrida nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “I. A Recorrida intentou acção administrativa comum contra o Município de Cascais, por considerar estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, alegando, sumariamente, que no dia 16/02/2006, ao não se ter apercebido da existência de um buraco não sinalizado no pavimento da Rua das Flores, em Cascais, aí colocou os pés, o que lhe provocou a sua queda no chão, frontal e completamente desamparada, tendo, como consequência directa e necessária sofrido lesões no seu corpo e danos de ordem patrimonial pedindo a sua condenação, conforme al.s a a g) do pedido formulado na p.i..
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Produzida a prova em sede de julgamento, foi dado como provado na douta sentença recorrida a factualidade das alíneas 1) a 80), a qual não foi impugnada pela Recorrente, pelo que se considera a mesma como assente.
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Tendo por base a factualidade provada, decidiu o Tribunal "a quo", por aplicação do artigo 22g da Constituição da República Portuguesa e do Decreto-Lei n^ 48051, de 21 de Novembro de 1967, designadamente os seus artigos 2Q, n? 1 e 6Q, que se encontravam verificados os pressupostos - tal como acontece com a responsabilidade civil nos termos do artigo 483e do Código Civil - da responsabilidade civil extracontratual do Município de Cascais, ora entidade Recorrente, isto é, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e dano IV. Encontrando-se em causa a omissão por parte do Município de Cascais, procedente dum acto voluntário, porquanto o Município deveria ter diligenciado na vigilância e fiscalização do estado da calçada ou pavimento em causa considerou a Meretíssima Juiz "a quo", e bem, que a Recorrente omitiu ilícita e culposamente atos que deviam ter sido praticados e que foi essa conduta, ou, melhor, essa omissão de conduta, a causa dos danos causados à Recorrida.
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No que respeita à ilicitude, em face da factualidade dada como provada, não colocada em causa pela Recorrente, designadamente os factos constantes das alíneas 1), 3), 9), 10) a 13) e 29, e competindo à Recorrida, Município de Cascais, por determinação da lei, o dever de, nas vias públicas sob a sua jurisdição, sinalizar e reparar os obstáculos que possam oferecer perigo para os peões - designadamente, na Rua das Flores, local onde a Recorrida sofreu uma queda, provocada por uma falha da calçada, não sinalizada, com uma existência, pelo menos, de dois meses anteriores à data do facto - a omissão deste ato constitui a violação de um dever de fiscalização e conservação das vias públicas, pelo que, consubstancia um facto ilícito.
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Quanto à culpa, bem decidiu a Meretíssima Juiz "a quo" ao considerar que a Recorrente violou um dever de vigilância, por violação do dever de fiscalização e conservação da rua, verificando-se a presunção de que a conduta ilícita por parte da Recorrente foi culposa, nos termos do artigo 493-, n^ 1 do Código Civil. VII. Por inversão do ónus da prova da culpa...
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