Acórdão nº 34/11.0TAAGH.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GONÇALVES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

O Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, acorda: 1. RELATÓRIO: No Juízo central cível e criminal ...., no processo em epígrafe. mediante despacho de pronúncia e pedido de indemnização civil deduzidos pelos demandantes AA e BB, procedeu-se a julgamento de: - CC, de ... anos e os demais sinais dos autos.

O tribunal júri, por acórdão de 14-05-2019, decidiu condenar a arguida pela prática, em autoria material, na forma consumada, por omissão, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, com referência ao art. 144.º, al. d), do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros), no valor global de € 20.000,00 (vinte mil euros); Decidiu também julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido cível formulado pelos Demandantes e, em conformidade, condenar, solidariamente, as Demandada CC e Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, EPER: 1.1.

no pagamento, em conjunto, aos Demandantes, da quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados da data da decisão até integral pagamento; 1.2.

no pagamento, em conjunto, aos Demandantes da quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados da decisão até integral pagamento; 1.3.

no pagamento à Demandante AA da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados da decisão até integral pagamento; 1.4.

no pagamento ao Demandante BB da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, contados da decisão até integral pagamento; 1.5.

absolver as Demandadas CC e Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira, EPER, do demais peticionado.

A arguida, o Ministério Publico, a assistente AA e o demandado Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira EPER, inconformados, recorreram para a 2ª instância.

O Tribunal da Relação .... por acórdão de 14.05.2020, alterando a decisão em matéria de facto decidiu: - julgar não provados os factos que vinham dados como provados nos n.ºs 16, 18, 19, 22, 23, 24, 35, 37, 39, 40, 41, 42, 43, 44; — revogar a condenação e decretar a absolvição da arguida da prática do crime imputado; — decretar a absolvição do pedido cível, dando procedência ao recurso da arguida e do demandado cível; — julgar improcedentes os recursos da Assistente e do M°.P°.

  1. o recurso: A Assistente AA, inconformada recorreu, agora perante o Supremo Tribunal de Justiça.

    No Tribunal recorrido não foi admitido o recurso na parte penal.

    Decisão confirmada pela Ex.mª Vice-Presidente do STJ, que indeferiu reclamação apresentada pela recorrente.

    O recurso foi admitido na parte que visa o acórdão da Relação na parte relativa à absolvição dos demandados do pedido de indemnização civil.

    A recorrente resumiu a alegação nas seguintes conclusões (em síntese): d) O recurso tem ainda por objeto a mesma decisão, na parte em que absolve o demandado Hospital do Santo Espírito da Ilha Terceira EPER (HSEIT), sendo que em matéria de pedido de indemnização civil o recurso não se cinge apenas aos elencados vícios, atenta a sucumbência total do pedido e por esta via o preenchimento do disposto no artigo 400.º ns. 2 e 3 do CPP.

    1. Porque o apuramento dos referidos vícios, resulta da sua verificação no texto da decisão e conjugação com as regras da experiência comum, impõe-se um sumário da tramitação do processo, para que se perceba essa mesma insuficiência.

    2. O presente processo esteve 7 anos em fase de inquérito, tendo sido produzidos nesta fase 4 relatórios periciais pelo Instituto de Medicina Legal e mais dois na fase de julgamento, dois dos quais pedidos pela defesa no uso do seu direito ao contraditório.

    3. O tribunal ad quo no espaço de um mês, numa decisão invulgar no que toca à celeridade e à alteração da matéria de facto, deu como não provados os factos que conduziam à condenação da arguida e, solidariamente, do demandado civil.

    4. Mais concretamente os factos provados sob os n.ºs 16, 18, 19, 22, 23, 24, 35, 37, 39, 40, 41, 42, 43 e 44.

    5. Para a alteração da prova dos factos, o tribunal a quo afastou integralmente a perícia médico legal – promovida e constituída nos termos formais previstos no CPP – como tal tendo o valor absoluto de prova pericial.

    6. É hoje pacífico entre a doutrina e jurisprudência (citada na motivação do recurso) que a prova pericial, por ser conhecimento subtraído ao julgador, tem um valor reforçado.

    7. Valor esse que comprime o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP.

    8. Sendo certo que tal compressão não é absoluta, conforme jurisprudência igualmente citada na motivação do recurso, o afastamento da prova pericial impõe um especial dever de fundamentação.

    9. O qual é manifestamente inexistente no texto da decisão revidenda. Senão vejamos, q) Para afastar as conclusões da prova pericial, concatenada com os depoimentos que fundamentam a motivação da prova dos factos (e que igualmente transcrevemos na motivação de recurso) impunha-se provas irrefutáveis, ou que, r) Pela razão de ciência ou pelas regras da experiência comum se demonstrasse que não podia ser como foi dado como provado pelo tribunal da primeira instância; s) Ao invés, a prova pericial e os demais depoimentos, entre os quais os dos pais, são afastados pela valoração dos depoimentos da arguida, da médica DD (que aos costumes, instada, declarou ser familiar da arguida), da enfermeira parteira (que mantem com a arguida uma longa relação profissional, de resto patente na forma esquiva com que depôs) e de uma médica obstetra, EE, (contactada pela para depor e contrapor a perícia, sem que tivesse o estatuto formal de perita).

    10. Ou seja, a prova pericial, constante de um relatório inicial, que a decisão em escrutínio, levianamente critica por não ser formalmente um relatório (?), complementado por mais 6 em que não altera o sentido de responsabilizar a médica pela ausência de vigilância num período longo e por estar tudo bem até às 0:53, hora em que é interrompida a vigilância, o episódio de hipoxia só pode ter ocorrido posteriormente (cfr, também depoimento da Dra. FF – ficheiro identificado na motivação), é afastada, pelo tribunal ad quo, sem a referida fundamentação especial, pelos depoimentos de pessoas diretamente interessadas na absolvição.

    11. Aliás, dessas testemunhas que serviram para, sem mais, alterar a prova produzida ao abrigo do princípio da imediação e oralidade, apenas uma delas (além da arguida) tinha conhecimento directo dos factos e estava na sala de partos.

    12. Ora, é manifesto que do texto do douto acórdão, sobretudo tratando-se de uma decisão de segundo nível (decisão de recurso), a necessidade que houvesse mais prova, que tinham sido esgotados todos os meios de prova para que se alcançasse a decisão – neste caso absolutória.

    13. O tribunal ad quo limitou-se a usar o princípio da livre apreciação da prova, para substituir a valoração de uma prova pela outra – o que lhe estava de todo vedado.

    14. Quer porque estamos em sede de recurso, é ao tribunal de primeira instância que ouviu e viu as testemunhas e analisou criticamente a prova - recorde-se que estamos perante um tribunal de júri - que compete essa livre apreciação, só podendo a mesma ser sindicada se se demonstrasse que a mesma não poderia ter sido dada como provada, em função da razão da ciência ou de outros meios irrefutáveis e fundamentados, o que está longe de ser o caso.

    15. Do mesmo passo, foi afastada, prova pericial sem prova equivalente ou demonstração de que a prova que levou ao seu afastamento era irrefutável e punha em crise a prova de valor reforçado.

    16. Há por isso, manifestamente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

      a

    17. Estando verificado o vicio da al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

      bb) Do mesmo passo, a jurisprudência (citada na motivação de recurso) entende que o erro notório na apreciação da prova consiste num vício de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida para se ater somente ao texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum.

      cc) Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum.

      dd) Ora, ao dar-se como provado que existiu vigilância alternativa ao CTG, no caso concreto, contraria as regras da experiência comum.

      ee) Em primeiro lugar porque só após a acusação, e nunca ao longo dos 7 anos de inquérito essa versão foi levantada pelas duas pessoas que estavam na sala de partos, a arguida e a enfermeira parteira GG.

      ff) Trata-se de um facto essencial para o que estava em causa nos autos, pelo que não iria passar despercebido nos seus depoimentos em sede de inquérito.

      gg) Esta versão, de vigilância alternativa por SONICAID, só apareceu em fase de instrução, sendo certo que esta seria a única forma possível de quebrar a responsabilidade da arguida para o longo período sem vigilância.

      hh) Ora, aqui o conhecimento técnico que a decisão recorrida reconhece à arguida e demais médicas, funciona ao contrário, no sentido de que podem valer-se desse conhecimento para se defenderem – como de resto o fizeram.

      ii) Aliás, essa disparidade de conhecimento entre as vítimas (leigos) e os técnicos, é frequentemente utilizada pela jurisprudência para justificar a inversão do ónus da prova em matéria de responsabilidade civil.

      jj) Isto aliado ao facto de não terem sido registados os resultados de tal vigilância alternativa, o que, à luz das regras da experiência comum, parece-nos uma versão “fabricada”, e que, inacreditavelmente colheu perante o tribunal ad quo.

      kk) E mais importante de que tudo isto, então se tudo estava bem como se produz este resultado? Como é que um feto que estava...

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