Acórdão nº 5503/17.5T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1.

AA e mulher, BB, apresentaram acção declarativa contra “Companhia de Seguros Allianz Portugal, SA”, pedindo que a ré seja condenada a pagar aos autores o valor equivalente ao que terão de pagar ao Grupo Desportivo …. pela privação da bancada, desde novembro de 2014, até à sua reconstrução, à razão mensal de € 375,00 e que seja condenada a, num prazo de 30 dias, reconstruir a bancada com sapatas em betão ciclópico e vigas de fundação em betão ciclópico, pilares em betão armado na parte da parede e escadas com vigotas pré-esforçadas, ou pagar aos autores a quantia necessária para efectuar essa reparação, que se estima em € 85.000,00, tudo acrescido de juros, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto sustentaram, em síntese, que a Ré “Allianz”, enquanto seguradora da sociedade “Sinal Verde”, é responsável pela reparação de danos alegadamente provocados a terceiros por actividade de construção civil que esta exerceu no âmbito de contrato de empreitada celebrado com a Autora, que consistiu na execução de um muro em granito nos limites norte e nascente do seu prédio, durante a qual movimentou e removeu terras com máquinas retroescavadoras que provocaram o desabamento da bancada de prédio confinante.

A Autora foi condenada a reparar os danos provocados no prédio confinante, por decisão judicial transitada em julgado no processo n.º 465/15… do J… deste tribunal.

  1. A ré contestou, excecionando: - a ilegitimidade activa porque os danos por estes alegados ocorreram na esfera jurídica de terceiros que não os autores, sendo que, não tendo ainda suportado qualquer custo com tal reparação, nem sequer podem invocar em seu benefício o direito de regresso; - a sua ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, já que não foi demandada a segurada “Sinal Verde” e o contrato de seguro em apreço, facultativo, gera uma responsabilidade subsidiária ou dependente da do devedor originário; - a ineptidão da petição inicial, mantendo que os autores não alegam factos essenciais que permitam sustentar o pedido, nomeadamente quanto à forma e ao conteúdo do contrato de empreitada, à violação das boas regras de execução da obra, ou aos concretos danos provocados no prédio vizinho; - o abuso de direito dos autores, no que à indemnização decorrente da privação do uso da bancada desde Novembro de 2014 respeita, pois só por inércia sua não foi cumprida a obrigação de reconstrução em que foram condenados, até à data – 28.04.2017 – em que deram conhecimento da ocorrência do sinistro à ré.

    Admitiu a celebração de contrato de seguro com a “Sinal Verde”, acentuando que se trata de contrato com limite de capital seguro de € 100.000,00, para além de que a execução dos trabalhos pela empreiteira, tal como vem alegada pela autora, cai nas exclusões contratuais da responsabilidade, o que também acontece com os danos decorrentes da paralisação, total ou parcial, da actividade do lesado.

    Impugnou a restante matéria de facto alegada pelos autores na petição inicial.

    Deduziu incidente de intervenção principal da “Sinal Verde”, na qualidade de litisconsorte necessária passiva.

  2. Admitida a intervenção principal provocada da “Sinal Verde, Ld.ª”, esta contestou, excepcionando, com fundamentos semelhantes aos da Ré: – a ilegitimidade substantiva dos Autores; – a ineptidão da petição inicial; e – o exercício abusivo do eventual direito dos Autores a receber o montante mensal de € 375,00 desde o trânsito em julgado da decisão que os condenou a fazê-lo, na medida em que lhe é exclusivamente imputável o respectivo incumprimento.

    Impugnou o núcleo dos fundamentos do pedido, nomeadamente a celebração, com os Autores, do contrato de empreitada, bem como a execução de trabalhos ou recebimento de preço por conta da obra em apreço, imputando-os a DD.

    Pediu a condenação dos Autores como litigantes de má-fé em multa e em indemnização à Interveniente no valor de € 2.000,00, por terem deduzido pretensão que sabiam destituída de fundamento.

  3. Os Autores contraditaram a matéria de excepção.

  4. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e ineptidão da petição inicial e declarou prejudicado, por via da intervenção provocada da “Sinal Verde” o conhecimento da excepção de ilegitimidade passiva da ré.

    Foi definido o objeto do litígio e enumerados os temas da prova.

  5. Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, cujo teor decisório é o seguinte: “Em face do exposto, julgo: A. Parcialmente procedente o pedido formulado pelos Autores da presente acção, AA e mulher BB, condenando a Ré “Allianz”, sob condição de os Autores cumprirem previamente as obrigações lhes foram impostas por decisão transitada em julgado proferida no processo n.º 465/15…… do J…. da ….. Secção Cível da Instância Central …., da Comarca ..…, a pagar aos Autores os valores, deduzidos da franquia de dez pontos percentuais, que estes, em cumprimento da mesma decisão, despendam a título: i. De reconstrução da bancada do campo de jogos do “Grupo Desportivo….., ……”, até ao limite máximo de € 85.000,00 (oitenta a cinco mil euros); e de ii. De indemnização, à razão mensal de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), contados desde Novembro de 2014 até à cessação da obrigação de construção da mesma bancada em condições de utilização pelos adeptos; iii. Declarando que o valor total a pagar pela Ré “Allianz” tem como limite máximo € 100.000,00 (cem mil euros) e que a sua obrigação é, na parte coincidente com a fixada em B. do presente dispositivo, solidária com a da Interveniente “Sinal Verde”.

    1. Parcialmente procedente o pedido formulado pelos Autores da presente acção, AA e mulher BB, condenando a Interveniente “Sinal Verde”, sob condição de os Autores cumprirem previamente as obrigações lhes foram impostas por decisão transitada em julgado proferida no processo n.º 465/15….. do J…..…. Secção Cível da Instância Central …., da Comarca ….., a pagar aos Autores os valores que estes, em cumprimento da mesma decisão, despendam a título: i. De reconstrução da bancada do campo de jogos do “Grupo Desportivo ……, ….”, até ao limite máximo de € 85.000,00 (oitenta a cinco mil euros); e de ii. De indemnização, à razão mensal de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros), contados desde Novembro de 2014 até à cessação da obrigação de construção da mesma bancada em condições de utilização pelos adeptos; iii. Declarando que a obrigação da Interveniente “Sinal Verde” é, na parte coincidente com a fixada em A. do presente dispositivo, solidária com a da Ré “Allianz”.

    2. Parcialmente improcedente a acção, absolvendo a Ré “Allianz” e a Interveniente “Sinal Verde” da parte restante do pedido formulado pelos Autores.

    3. Improcedente o pedido de condenação dos Autores como litigantes de má-fé, formulado pela Interveniente.

    Custas por Autores, Ré e Interveniente na proporção do decaimento (art.º 527º do C.P.C.), sem prejuízo de benefício de apoio judiciário de que gozem.

    Registe e notifique”.

  6. A ré interpôs recurso de apelação, conhecido pelo TR …, que decidiu: “Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a ré e a interveniente de todos os pedidos formulados pelos autores.

    Custas pelos apelados.” A fundamentação do acórdão é a seguinte: “os factos descritos nos factos provados n.ºs 5 (celebração do acordo com a Sinal Verde), 6 (recebimento do preço por parte da Sinal Verde), 7 (verificação das condições da obra por parte da Sinal Verde), 9 (características do muro a construir pela Sinal Verde), 10 (compromisso da Sinal Verde relativo à boa construção do muro), 11, 12, 13 e 14 (forma como a Sinal Verde executou a obra), não lograram obter prova, motivo pelo qual terão que transitar para os factos não provados”.

  7. Foi apresentado recurso de revista pelos autores, no qual figuram as seguintes conclusões (transcrição): “1.ª – Com todo o respeito, os Autores, ora Recorrentes não podem concordar com o Acórdão do Tribunal da Relação de que ora se recorre. Rogando os Autores – muito respeitosamente e sempre com a devida vénia – que seja dada toda a atenção ao exposto no presente recurso, pois o impacto da decisão de que ora se recorre na vida dos consumidores Autores é catastrófico e implica a injusta destruição de toda uma vida de poupança.

    1. – In casu, o n.º 1, do artigo 342.º do Código Civil, faz recair sobre os consumidores Autores a existência de um contrato de empreitada com a Ré. Contudo, tal norma não faz recair sobre os Autores a necessidade de provar tal facto em termos absolutos, como uma verdade científica.

    2. – Em ambas as instâncias considerou-se provado que os trabalhadores e as máquinas utilizadas, em Outubro de 2014, na empreitada em questão, eram da Interveniente Sinal Verde, Lda. (factos instrumentais, complementares e/ou concretizadores que ressaltam da fundamentação da decisão).

    3. – Contudo, no Acórdão de que ora se recorre entendeu-se, ainda assim, que os Autores não provaram a existência do contrato de empreitada entre os Autores e a Interveniente Sinal Verde, Lda..

    4. – No Acórdão de que ora se recorre, interpretou-se o n.º 1, do artigo 342.º do Código Civil de uma forma ilegal, ao considerar-se que, mesmo tendo provado que a empreitada in casu foi realizada por trabalhadores e com maquinaria da Interveniente Sinal Verde, Lda., os consumidores, ora Recorrentes, ainda assim, não cumpriram o ónus da prova de que o contrato em questão foi celebrado com essa mesma empresa.

    5. – Tendo os consumidores provado que as máquinas eram da Interveniente Sinal Verde, Lda. e os que os trabalhadores que executaram a empreitada eram trabalhadores desta empresa de construção civil (factos que foram corroborados por todas as testemunhas, sem exceção, incluindo o então gerente da empresa, e reconhecidos na fundamentação de ambas as decisões), deveria ter-se considerado provado que quem realizou a...

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