Acórdão nº 181/21.0T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução30 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Squize - Comércio, Gestão e Engenharia de Produtos Industriais, S. A.

intentou a presente ação declarativa comum contra AA, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 4715 (valor do IVA) respeitante aos trabalhos descritos nos art.ºs 21º e 23º da petição inicial (p. i.), e, ainda, a reconstruir os pavilhões em causa, quer o que lhe foi dado em comodato, quer o pavilhão adjacente, no prazo não superior a um ano, ou, em alternativa, a pagar-lhe o valor necessário à reconstrução dos pavilhões que sucumbiram ao incêndio cujo montante poderá ascender ao montante de € 799 376,83, acrescido dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor que se vier a apurar em “execução de sentença” até integral pagamento, bem como a quantia de € 5 000 pelos transtornos e incómodos causados, acrescida de respetivos juros de mora até integral pagamento.

Alegou, em síntese: é dona do prédio mencionado no art.º 1º da p. i.; em junho de 2018, emprestou ao Réu quatro pavilhões nele existentes; na sequência do incêndio aludido nos art.ºs 10º e seguintes da p. i., ocorreram os danos mencionados nos art.ºs 15º e seguintes da p. i., sendo o Réu, comodatário, responsável pelo pagamento das correspondentes quantias reclamadas na ação.

  1. O Réu contestou, aduzindo, além do mais, que “a A. não entregou os armazéns ao Réu, o qual, por sua vez, não se serviu dos mesmos”; concluiu pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido; pediu a condenação da A. como litigante de má fé.

  2. Foi proferido despacho saneador, que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

  3. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 26.10.2022, julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu «a pagar à A. o valor do IVA, ou seja, a quantia de € 4715 (quatro mil, setecentos e quinze euros) respeitante aos trabalhos descritos nos artigos 21º e 23º da p. i.

    », bem como a «reconstruir os pavilhões em causa, quer o que lhe foi dado em comodato, quer o pavilhão adjacente, no prazo não superior a 1 (um) ano ou, em alternativa, a pagar à A. o valor necessário à reconstrução dos pavilhões que sucumbiram ao incêndio cujo montante poderá ascender ao montante de € 799 376,83 (setecentos e noventa e nove mil, trezentos e setenta e seis euros e oitenta e três cêntimos), acrescidos dos juros de mora à taxa legal, calculados sobre o valor que se vier a apurar em sede de execução de sentença até efetivo e integral pagamento»; absolveu o Réu do demais pedido.

  4. Inconformado, o Réu apelou, pedindo a alteração da matéria de facto, e ainda questionando a solução de Direito.

  5. O Tribunal da Relação conheceu do recurso e decidiu “julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.” 7.

    No recurso de apelação, quanto à questão da impugnação da matéria de facto, o tribunal entendeu que nada havia a alterar, tendo realizado a sua apreciação dos meios de prova convocados pelo recorrente e existentes no processo, com a motivação apresentada na sentença, que sufragou.

    Na apreciação de Direito, também julgou improcedentes as questões suscitadas pelo R.

  6. AA, R., notificado do acórdão proferido nos autos, não se conformando com a decisão veio do mesmo interpor RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL, nos termos do arts.º 672º, n.º 1, 675º e 676º, n.º 1 a contrario do CPC, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo, formulando as seguintes conclusões: i) Com o CPC-2013 ocorreu um alargamento dos poderes da Relação no capítulo da matéria de facto. Tem-se vindo a vincar, cada vez mais (tratando-se de um caminho iniciado com a Reforma de1995/96), que a Relação deve formar o seu juízo autónomo, de acordo com os elementos probatórios disponíveis, assumindo-se como um tribunal de instância e devendo, assim, introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivos para tal.

    ii) Não é vedado, na sequência da prova produzida, densificar ou desdobrar, na exposição factual, certos pontos da matéria invocada nos articulados, desde que tal se contenha nos limites alegados, não equivalendo isso a acrescentar ou substituir um facto por outro ou outros.

    iii) O tribunal pode agora, ao abrigo do dito art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., acolher para a decisão factos que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, mas antes complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e mesmo que a parte nenhuma vontade tenha manifestado quanto à sua utilização.

    iv) Foi alegado que: “No dia 04 de Setembro de 2018, os dois pavilhões que armazenavam a mercadoria do filho do R. foram consumidos por um incêndio que destruiu todos os artigos, máquinas e equipamentos existentes no seu interior”, sendo que ao abrigo do disposto no art.º 5.º, n.º 2, do NCPCiv., deveria o Tribunal recorrido ter dado como assente que o incêndio teve acção humana e origem dolosa, desconhecendo-se a autoria do mesmo.

    v) Sendo que um incêndio com acção humana e origem dolosa, mesmo não se tornando possível apurar a sua autoria, não é acidental, porque este é procedente do acaso, e aquele de uma vontade a tal tendente.

    vi) In casu, não estava no poder do R. evitar o perecimento da coisa emprestada, tendo o incêndio ocorrido no dia 4/09/2018, pelas 05h:41m, com acção humana e origem dolosa, não se tendo apurado em sede de processo-crime o respectivo autor e por via disso arquivado, a não ser o que por hipótese, insusceptível de qualificação, que o R. tivesse que fazer a prova de que não foi ele o autor do incêndio! vii) Por outro lado, relativamente ao facto n.º 2: “Em junho de 2018, a A. aceitou emprestar ao R. quatro dos pavilhões situado mais a sul do conjunto dos sete pavilhões, para que o filho do réu ali armazenasse bens que havia comprado num processo de insolvência, para os quais necessitava de bastante espaço, pelo tempo necessário à sua venda”, verifica-se erro de julgamento sindicável por esse Venerando Tribunal.

    viii) Encontra-se junto aos autos - (doc. 1 junto ao requerimento probatório de 1.6.2022, ref.ª .....43, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido), um documento do qual, entre outros dizeres, consta uma declaração de 13.3.2019 do legal representante da A. que refere que emprestou os armazéns ao filho do R.: ix) Sendo que já anteriormente em 5.9.2018, perante a GNR, o legal representante da A., havia informado que: x) Em dois momentos bem anteriores ao julgamento dos presentes autos o legal representante afirmou que emprestara os armazéns ao Sr. BB, filho do R., sendo que, o factor tempo, pode contribuir decisivamente para um relato menos fiel da realidade. Na verdade, quanto maior for o arco temporal entre o conhecimento do facto e o seu relato, maior é a probabilidade da distorção do respectivo depoimento, daí a importância da frescura da prova. Mas para a decisão recorrida ocorre precisamente o inverso! Não se entende de todo! xi) Tais documentos pertencem à categoria dos documentos autênticos (art.º 369º nºs 1 e 2 do CC) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art.º 371º, nº 1 do CC), inexistindo no caso meros juízos pessoais do documentador.

    xii) Fixada a sua força probatória formal, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art.º 376.°, n.° 1, do CC, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão.

    xiii) A materialidade das declarações vertidas no documento ou dos factos nele referidos têm-se como plenamente provados, vinculando o seu autor na medida em que forem contrárias ao seu interesse.

    xiv) E a única forma de destruir tal força probatória seria a arguição da sua falsidade, o que não foi feito, nem tão pouco impugnado.

    xv) E mesmo que se considere tratar-se de um documento particular, aqui apenas relativamente ao primeiro referido, como se sumariou no Acórdão do STJ de 22-05-2014 (Revista n.º 3784/09.7TBVCD.P1.S1 - 2.ª Secção): “O facto de se dizer que não são verdadeiros certos factos de documento particular cuja assinatura não foi impugnada não significa a arguição de falsidade do referido documento” - Sumário acessível em http://www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, o que nem sequer foi feito.

    xvi) Ora, no sumário do Acórdão do STJ de 02-05-2012 (Revista n.° 44768/09.9YIPRT.P1.S1) pode ler-se: «[…] Reconhecida a assinatura de um documento particular, faz fé, como se de um documento autêntico se tratasse, até prova da sua falsidade, nos termos previstos no art. 376.°, n.° 1, do CC. Verificada a autenticidade da assinatura, a autenticidade do texto também o fica, em princípio, pois que, por regra, subscrever um documento é assumir a autoria das declarações que o mesmo contém. Tal como nos documentos autênticos, fixada aforça probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376.°, n.° 1, do CC, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão».

    xvii) Tais declarações constantes do documento consideram-se provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante [n. º2 do art. 376.º do CC].

    xviii) Com efeito, da conjugação dos normativos do art.º 374.º, n.º1, e 376.º, nºs 1 e 2, do C.C., resulta que as declarações contrárias aos...

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