Acórdão nº 02419/13.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Março de 2021
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 19 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório M. Lda., devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa comum que intentou contra o Município (...) peticionou o seguinte: “1 - ser o Réu condenado a reparar todos os danos causados à Autora com o seu comportamento ilícito; 2 - ser o Réu condenado a reduzir o montante a pagar pelo alvará e a reduzir o valor da caução, aplicando-lhes os valores, normas e regulamento em vigor à data do ato de deferimento repristinado e ocorrido em 2001; 3 - ressarcir e pagar à Autora uma indemnização no valor de: i) 2.310.503,90€ (custos/despesas com a operação imobiliária incluindo a aquisição do terreno, IMT, IS, emolumentos, comissão de compra e encargos financeiros decorrentes da livrança e contrato contraídos para a aquisição do terreno em 1999, sendo que, do próprio bolso gastou €748.378,23€ e deve ainda ao Banco 1.562.125,72€) designadamente, ia) €1.240,44 (pagou taxas SMAS, correspondentes à aprovação dos respetivos projetos de especialidades); ib) € 18.547,86 (pagou a um gabinete de projetos e despendeu com a elaboração de anteprojetos, projetos e demais documentos necessários) ic) €151.878,27 valor do IMT correspondente, no montante de valor que lhe teria sido reembolsado nos 3 anos seguintes; id) 721.528,23€ (custos financeiros até 2010 inclusive associados aos empréstimos que obteve junto do Montepio geral (custos estes relacionados com juros remuneratórios, de mora, imposto de selo do empréstimo e despesas contratuais suportadas) por meio de contratos de abertura de crédito que celebrou para financiamento da operação urbanística em causa) ii) 199.644,92€ (rentabilidade que teria obtido do valor de €748.378,23€ correspondente à cifra de capitais próprios que despendeu e, caso os tivesse aplicado num depósito bancário tomando em consideração uma taxa líquida anual de 3% remuneração desse capital durante entre 2003 e 2010 inclusive); iii) 2.624.804,36€ (lucro real liquido que a Autora obteria com a realização da operação urbanística); iv) 329.436,07 €, (correspondente ao que resultaria da remuneração média de 3% ano que a Autora obteria com a aplicação, por meio de depósito bancário, do montante de 2.624.804,36 € (lucro liquido), calculado desde 2006 até 2010 inclusive; v) 786.502,25 € (de lucro liquido no cenário de venda do terreno, em 2002 a Autora teve e tinha interessado na compra do dito terreno pelo valor de 650.000 cts); vi) 205.013,49 € (rendimento que obteria se aplicasse aquele lucro de €786.502,25 €, sendo que se tivesse recebido este montante tê-lo-ia podido aplicar num depósito bancário, remunerado a uma taxa média líquida de 3%/ano de juro, desde 2003 até 2010.) viii) 39.336,48 € (rendimento pela aplicação do valor de imposto que lhe seria reembolsado de 151.878,27€ num depósito bancário o qual lhe seria remunerado a uma taxa média líquida anual de 3% que renderia um rendimento de capital).
ix) 1.200.000,00€ (pela desvalorização do terreno em face da “expropriação do plano”) x) 2.624.804,36€ (perda de chance) acrescidas dos juros de mora a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.
Inconformado com a Sentença proferida em 24 de julho de 2016, no TAF do Porto, na qual a ação foi julgada “totalmente improcedente”, veio interpor recurso jurisdicional.
Formulou o aqui Recorrente/M. Lda.
nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 10 de julho de 2017, as seguintes conclusões (Cfr. fls. 640v a 649 Procº físico).
“1. Entendendo que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento quer na apreciação da matéria de facto, como em relação à aplicação do Direito, o presente recurso versa igualmente a impugnação de matéria de facto, fazendo-o tanto com reporte à prova testemunhal e passagens que constam do próprio texto da decisão, como com suporte na prova gravada e concretas passagens de depoimentos prestados que vão indicadas no corpo do recurso.
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A ação é tipicamente uma ação de responsabilidade civil extracontratual da administração por facto ilícito, regulada pela Lei nº 67/2007, de 31/12- (vulgo RRCE), sendo que da matéria provada - factos 1 a 42 dos f.p. – resulta evidente o preenchimento de todos os requisitos desse tipo de responsabilidade incorrida pelo R. e da consequente obrigação de indemnizar, contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido.
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Releva com especial interesse para efeitos da ilicitude do R. na sua atuação relacionada com o processo de loteamento em causa, o que resulta provado dos pontos 1 a 13 (este devidamente conjugado com o ponto 40 e com a alteração da redação que se propõe) – todos dos factos provados, nos termos que, para comodidade deste Venerando Tribunal, aqui se sintetizam: - a Recorrente é uma empresa que tem por objeto a atividade de promotor imobiliário (compra, edifica, comercializa) - no âmbito dessa atividade adquiriu, a 29 de Agosto de 2000, por compra, o terreno em apreço nos autos com PIP aprovado (1 e 2 dos f.p.) - e, no dia 26 de Junho de 2001 é requerido junto do Recorrido o loteamento (3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 dos f.p.) - a 16 de Novembro de 2001, o Recorrido, por despacho do então Presidente de Câmara, Engº N., deferiu (homologou) (9 dos f.p.) - a 07 de Janeiro de 2002, foram apresentados no Recorrido os projetos das especialidades, infraestruturas e arruamentos e foram todos aprovados até Maio de 2002 (11 e 12 do f.p.) 4. No ponto 13 dos f.p. consta: “Tendo sido aprovados todos os projetos, o processo de loteamento estava em condições de nele ser prestada caução, assim como de serem liquidadas taxas e de ser emitido o alvará.” Porém, No ponto 40 dos f.p. diz-se: “No dia 10 de fevereiro de 2011, foi emitida informação final de deferimento do pedido de licenciamento, onde entre o mais se referiu que pela decisão de 16 de novembro de 2001 não foi fixado o valor da caução bancária, e que devia fazer-se agora…” Ora, 5. Como resulta implícito do facto 40 dos f.p., e é verdade, que o Recorrido ainda tinha que previamente informar o Recorrente da caução, proceder à liquidação das taxas para depois o Recorrente poder pedir e ser-lhe emitido o alvará, sendo certo que o Recorrido só presta essa informação quanto ao valor da caução a 10 de Fevereiro de 2011 (40 dos f.p.) 6. Entre o que vem provado no ponto 13 e no ponto 40, ambos dos factos provados, resulta uma contradição, pois que se o Réu apenas presta informação em fevereiro de 2011 da caução a pagar e se somente depois de conhecida esta pode o interessado proceder à liquidação das taxas sem o que nem sequer pode pedir a emissão do alvará, não poderia ser dado como provado (sem que o tribunal tivesse lavrado, como lavrou, em erro de apreciação e sem violação expressa do artº 30, nºs 1 e 2 do RJUE que assim o exige) o que resulta do referido ponto 13 dos f.p.
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Assim sendo, deve a redação do artº 13 dos f.p. ser reformulada em ordem à coerência e conformação com a realidade, sugerindo-se para o efeito lhe seja conferida a seguinte redação: 8. Tendo sido aprovados todos os projetos, o processo de loteamento estava em condições de nele ser prestada caução para o que se tornava necessário que o R. estabelecesse o valor da caução a fim de que depois de liquidadas as taxas e de feito o pedido fosse emitido o alvará de loteamento.
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Do facto constante do ponto 13 dos f.p. o tribunal concluiu que com o despacho de deferimento de 16 de novembro de 2001 a recorrente já poderia requerer o alvará e até lançar mão de ação judicial para obrigar o recorrido à emissão do alvará – mas tal não é verdade, donde o inquinado vício de raciocínio.
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Na consecução do objetivo que a A./recorrente perseguia para obter o alvará, a recorrente ao longo de 10 anos tomou uma atitude proactiva junto do R. Município, mau grado a teia em que este a envolveu, enredando-a ao longo de uma década,- como resulta evidenciado do elenco dos factos constantes dos pontos 14, 15, 17 18, 20, 21, 22, 23, 25. 26, 29, 30, 31, 32, 33 e 34 dos factos provados) - até reconhecer [cfr. pontos 35, 36, 37, 38, 39 e 40], ele próprio (na sequência de parecer emitido por uma ilustre jurista do Município e então Chefe de Divisão de Assessoria Jurídica do R. em seu parecer, parcialmente transcrito no ponto 36 dos f.p., mas de cunho altamente corrosivo para com a atuação da Câmara como se pode constatar da leitura das partes omitidas), que efetivamente tinha atuado ilicitamente (e tinha errado) durante todo esse tempo e que o ato de deferimento de 16 de novembro de 2001 era válido, devendo ser repristinado.
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Tudo começa, relativamente a essa posição do R. no enredar da situação (ao não proporcionar as condições necessárias para que o alvará fosse emitido em 2002 como seria normal, através da informação da caução a prestar e do valor das taxas para poder ser requerido depois de liquidadas) com as eleições autárquicas e a mudança de executivo camarário e com a entrada do novo Vereador do Urbanismo, Arqtº R. (vide ponto 15 dos f.p.) que se manifestou contra o projeto pela nova conceção urbanística que pretendia para o local.
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Durante 10 anos, o Recorrido, tudo fez para impedir a concretização do projeto que havia sido deferido mas com o qual o novo Vereador discordava e, nessa senda, os serviços do Recorrido não só não informaram a recorrente do valor da caução a prestar, como não emitiram alvará e, pior do que isso, envolveram o procedimento numa teia de pareceres e informações contraditórias, alcançando dessa feita o desiderato de inviabilizar (ilicitamente) aquela operação de loteamento, negando na prática aos particulares (incluindo a aqui Recorrente) a possibilidade de avançarem com o loteamento (e, no caso da aqui Recorrente com a agravante de que com esse seu comportamento também a impediu de celebrar o contrato definitivo relativo ao contrato de promessa que havia celebrado com a S. – 50 a 53 dos f.p), fazendo-a incorrer em custos financeiros e outros que não teria se tivesse podido cumprir...
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