Acórdão nº 156/18.6PBPTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução23 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Comum Singular n.º 156/18.6PBPTG da Comarca de Portalegre, Juízo Local Criminal de Portalegre, submetidos os arguidos a julgamento foi decidido: - Na parte criminal a) Absolver as arguidas (...), (...) e (…) do crime de furto qualificado previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f); n.º 2, alínea a) e n.º 3, ambos do Código Penal; b) Absolver o arguido (...) da prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal; c) Declarar extintas as medidas de coação a que as arguidas se encontravam sujeitas; d) Condenar o arguido (...) como autor material de um crime de furto simples previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão; - Na parte cível e) Condenar (...) no pagamento à demandante da quantia de mil e seiscentos euros, acrescida de juros legais contados desde a notificação do pedido cível, a título de danos patrimoniais; f) Absolver do restante pedido civil o demandado (...) e absolver as demandadas de todo o peticionado.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. No modesto entendimento da ora Recorrente, nos presentes autos, foram incorretamente julgados os factos constantes dos Pontos 8 e 9, da matéria de facto provada, que deviam constar dos “Factos não provados”, pelo menos, no que tange ao dolo do arguido.

  2. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, fez uma errónea interpretação da prova. Assim, o Recorrente, não se conforma com a matéria de facto provada, no que tange, à produção de prova de que o ora Recorrente tenha agido de forma dolosa, impondo-se assim a ABSOLVIÇÃO do ora Recorrente.

  3. Impondo-se que se lance mão ao principio do in dúbio pro reo.

  4. O arguido (...) relatou ao Tribunal que se dirigiu à casa da Ofendida onde se encontrava o filho desta, que é Militar da GNR.

  5. Mais relatou que explicou a este que tinha tentado contactar a sua Mãe, com o intuito que esta pagasse ao seu irmão (...) os valores que lhe devia.

  6. Que este disse não ter dinheiro para pagar tendo acordado que iria retirar, com o consentimento deste os objetos que identificaram como sendo objetos que o seu irmão havia vendido à Mãe da testemunha (...).

  7. Mais sendo que a própria testemunha (...), identificou alguns dos objetos ao arguido e indicou-lhe como sendo peças que este poderia levar consigo.

  8. Relatou ainda o arguido que a testemunha conseguia bem distingui-lo do seu irmão, uma vez que este era mais baixo e mais gordo.

  9. Mais relatou que a testemunha (...) por força das funções que exercia tinha pleno conhecimento que o seu irmão se encontrava preso.

  10. A testemunha (...) Militar da GNR e filho da Ofendida, corroborou em parte as declarações do arguido.

  11. Mais confirmou que foi o próprio que lhe disse para levar as peças de modo a que a dívida ficasse saldada.

  12. Uma vez que, tinha conhecimento que a sua Mãe adquiria peças de arte sacra ao (...) e que não as havia pago.

  13. A testemunha embora tivesse afirmado que tratou o arguido sempre por (...), e que o havia confundido, a verdade é que atenta a sua profissão não é de todo verosímil que não tivesse conhecimento que o mesmo se encontrava preso.

  14. Acresce que a testemunha foi expressa em afirmar que consentiu na retirada das peças.

  15. Aliás, a testemunha foi mais além e afirmou que o próprio é que propôs que o arguido retirasse as peças.

  16. Assim, face à prova produzida jamais poderia o Tribunal a quo valorar como provado que o arguido (...), agiu com intenção de se apropriar dos mencionados artigos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo dono, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  17. De facto, não podemos olvidar que foi o filho da Ofendida, aliás o único filho, Militar da GNR, que propôs e consentiu que o arguido retirasse os bens.

  18. O Tribunal perante tal consentimento, de pessoa astuta, que se trata de um órgão de policia criminal, ainda que naquele momento não estivesse em exercício de funções, jamais poderia concluir que o arguido agiu sabendo que estava a ir contra a vontade da Ofendida.

  19. A testemunha incentivou o arguido a levar os bens, e o arguido atenta a idade, experiência e conhecedor de que a Testemunha (...) se tratava de Militar da GNR agiu, convicto que esta seria a vontade da Ofendida transmitida pelo seu filho.

  20. Pois até atenta a profissão da testemunha e sua compleição física, caso não fosse esta a vontade da Ofendida, segundo as regras da experiência e normal acontecer, o que seria normal é que a testemunha disse deixe-me falar com a minha Mãe, passe por cá daqui a 2 ou 3 dias e logo vejo o que ela me diz e resolvemos o que fazer.

  21. Mas não foi isto que a testemunha fez, pelo contrário a própria afirmou leva as peças para que dívida da minha Mãe fique paga.

  22. Mais até indicou algumas peças, e em momento algum afirmou sequer não saber se aquela era a vontade da Mãe. Bem pelo contrário! 23. O Tribunal não indica uma única prova, através da qual possa afirmar que o arguido agia sabendo que aquela não era a vontade da Ofendida.

  23. Que face ao exposto, até aqui pelo ora Recorrente, entende o mesmo que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32 ° n° 1 e 205º nº1 da Constituição da Republica Portuguesa.

  24. Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, deverá ser a final proferida DECISÃO QUE ABSOLVA O RECORRE NTE DA PRÁTICA DO CRIME PELO QUAL FOI CONDENADO, DEVENDO OS FACTOS IMPUGNADOS 8 E 9, PASSAREM A CONSTAR COMO NÃO PROVADOS.

  25. O crime de furto é um crime essencialmente doloso. I Isto é, ao primeiro momento lógico no qual se tem de verificar uma intencionalidade exclusivamente virada para a des(apropriação), outro se tem de seguir imediatamente no sentido de apropriação.

  26. E é esta indissociável dinâmica de desapropriação e nova apropriação, sustentadas pela ilegítima intenção do agente que está intimamente ligada ao dolo.

  27. Sucede que, no caso em apreço e como já supra se disse, o arguido agiu convicto, que a Ofendida não se opunha a que este levasse as peças para as quais o filho da mesma Militar da GNR deu o seu consentimento.

  28. Aliás foi este que incentivou o arguido a levar as peças.

  29. Não se tendo provado que o arguido agiu sabendo que o fazia contra a vontade da proprietária.

  30. DA NULIDADE DA NÃO COMUNICAÇÃO DA ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS 32. A acusação (ou a pronúncia, tendo havido instrução) define e delimita o objecto do processo, fixando o thema decidendum, sendo o elemento estruturante de definição desse objecto, não podendo o Tribunal promovê-lo para além dos limites daquela, nem condenar para além dos limites, o que constituiu uma consequência da estrutura acusatória do processo penal.

  31. No entanto, a lei admite geralmente que o Tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa.

  32. Assim e quando os factos novos não tenham como feito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas que sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P.

  33. Ou seja, para que se verifique uma alteração substancial, ou não substancial dos factos constantes da acusação ou da pronúncia é necessário que tais factos se acrescentem ou se substituam, ou pelo contrário, se excluam alguns deles.

  34. cumprimento ao dever de comunicação prévia previsto no artigo 358º, n.º 3, do C.P.P., facultando a oportunidade de exercício da defesa, inteiramente conforme à constituição e à Lei.

  35. Não o fazendo, tal qual sucede nos presentes autos, implica a nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, b) por violação do disposto no artigo 358.º, n.º 1.

  36. Segundo o recorrente a sentença padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º porque o tribunal a quo não procedeu à comunicação dos factos que consubstanciam a alteração não substancial, assim como não indicou os meios de prova em que se baseou para essa alteração.

  37. O que no caso seria crucial, atenta à desqualificação resultante da alteração dos valores e dos próprios bens furtados, uma vez que, tratando-se de um crime de furto simples admitia a desistência de queixa, podendo nessa altura o arguido propor à Ofendida tal desistência e liquidar o valor em causa, pondendo ainda haver lugar à reparação.

  38. Ou seja, se tivesse sido comunicada a alteração não substancial e concedido prazo à defesa, esta poderia ter encetado esforços com vista à extinção do procedimento criminal.

  39. No caso em apreço, o arguido foi acusado da prática de um crime de furto qualificado p. e p. 203º nº 1 e 204º nº 2 al. a) do Código Penal, tendo sido, posteriormente, da alteração da qualificação jurídica não comunicada, imputada ao arguido a prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203º nº 1 do Código Penal, pelo qual foi condenado da pena de 1 ano e 6 meses de prisão efetiva.

  40. Alteração que em momento algum foi comunicada ao arguido, assim, e quando os factos novos não tenham como feito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas que sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358º, n.º 1, do C.P.P.

  41. Devendo em consequência se DECLARADA NULA A SENTENÇA PROFERIDA, e ser determinada a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância para que reabra a audiência e comunique as alterações ao arguido nos termos do art.º 358º nº 1 do...

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