Acórdão nº 291/20.0T8ORQ-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelTOM
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 291/20.0T8ORQ-A.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica de Ourique – J1 * Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório: “(…) – Recuperação de Crédito, Lda.” veio requerer a insolvência de “(…) – Segurança Privada, SA”. Proferido despacho de indeferimento liminar, a requerente veio interpor recurso.

* A requerente afirma que detém um crédito no valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros) sobre a “(…) – Segurança Privada, SA” e que esta apenas procedeu ao pagamento de € 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil euros), estando em dívida a quantia remanescente.

Para além disso, invoca que a requerida tem dívidas relacionadas com contratos de trabalho e que são devidas verbas de montante não apurado à Autoridade Tributária e à Segurança Social. Mais adianta que o passivo é, aparentemente, superior ao activo e que desconhece se a requerida é proprietária de quaisquer bens.

* Na decisão recorrida o Tribunal «a quo» sublinha que a alegação factual constante da petição inicial é parca e que a factualidade alegada não permite preencher a previsão normativa contida no n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Termina, afirmando que o montante do crédito invocado pela requerente também não é, por si só, suficiente para revelar a impossibilidade de a devedora satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. E, por isso, no seu juízo conclusivo, o julgador «a quo» indefere liminarmente a petição inicial.

* A requerida foi citada tanto para os termos do recurso como para os da causa, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 641.º do Código de Processo Civil.

* A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões: «1. O presente recurso incide sobre a douta decisão proferida nos presentes autos que considerou improcedente o pedido de declaração de insolvência da Requerida/ Devedora.

  1. Foi decidido que no caso dos autos, a parca alegação factual constante da petição (embora abundante do ponto de vista argumentativo, conclusivo e de direito) não é suficiente para demonstrar a situação de insolvência da sociedade devedora, à luz do supra exposto”.

  2. A ora recorrente só pode discordar, 4. A matéria remete-nos para o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do CIRE e para o genérico conceito de insolvência – de que é considerado em tal situação “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

  3. Esta prova, porém, mostra-se facilitada aos credores requerentes da insolvência, que poderão pedir a referida declaração com base em factos-índice ou presuntivos de insolvência, quais sejam os referenciados nas diversas alíneas do artigo 20.º, n.º 1, do CIRE.

  4. É ao devedor que cabe trazer ao processo os factos e circunstâncias probatórias de que não está insolvente.

  5. In casu não há dúvidas que o alegado em sede de petição inicial se enquadra no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.

  6. Aliás assim demonstrativo no requerimento inicial nos seus artigos 1º a 7º.

  7. A Requerente invocou e com concretos factos-índice dos quais pode resultar que o devedor se encontrava impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, designadamente que habilitassem à integração do disposto do n.º 1 do artigo 20.º CIRE.

  8. Tudo como entendemos ter sido demonstrado junto do tribunal a quo, pelo que a decisão deveria ter sido outra, onde fosse admitido o pedido de declaração de insolvência da devedora e, a final, ser a Requerida declarada Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 28.º do CIRE.

  9. Sempre que se trate de um credor, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito (artigo 25.º, n.º 1, do CIRE).

  10. A lei admite que o processo conviva com alguma incerteza no momento inicial, sendo que a apreciação sobre a efetiva existência do alegado crédito é remetida para momento posterior, na fase da verificação de créditos, não relevando para a apreciação da legitimidade do credor para o poder de ação declarativa em que se substancia o pedido de declaração de insolvência.

  11. A doutrina é consensual ao entender que embora a insolvência se possa manifestar através de uma multiplicidade de incumprimentos, pode haver insolvência quando há apenas um incumprimento ou mesmo quando não há incumprimento algum.

  12. Igualmente pacífico é o entendimento de que, ao contrário do que sucede na ação executiva, o credor não necessita de se encontrar munido de um título executivo, nem para efeito do exercício do direito de requerer a declaração de insolvência do devedor, nem para a posterior verificação do seu crédito.

  13. Exigindo o artigo 3.º, n.º 1, do CIRE que a impossibilidade de cumprir se reporte às obrigações vencidas e não sendo necessário que tenha havido algum incumprimento, necessário se torna a existência de, pelo menos, uma obrigação vencida.

  14. Contudo, essa referência não significa que, para haver insolvência, deva estar vencida a obrigação que o devedor tem para com o credor requerente, bastando estarem vencidas algumas obrigações, podendo dessa forma evitar que a situação do devedor sofra um agravamento até à data de vencimento do seu crédito.

    Tudo como sucede in casu.

  15. Aqui chegados, à requerente não se suscitam quaisquer dúvidas.

  16. A requerente é titular de um crédito reconhecido por sentença transitada em julgado (artigo 7º da p.i), proferida no âmbito do processo n.º 2024/19.5T8CSC, que correu termos no Juízo Central Cível de Cascais – Juiz 3, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, no valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), daquele crédito a Requerida só pagou a quantia de € 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil euros), sendo ainda devedora da quantia de € 1.520.000,00 (um milhão, quinhentos e vinte mil euros), de que a Requerente, ora recorrente é credora.

  17. A qualidade de credora da requerente está reconhecida por sentença transitada em julgado sendo suficiente para lhe atribuir a qualidade de credora para efeitos do n.º 1 do artigo 20.º.

  18. Quanto ao estado de insolvência, temos pelos menos um crédito, vencido e não cumprido (o da requerente), temos por verificado, desde logo, o fator índice da situação de insolvência previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.

  19. O poder de requerer a declaração de insolvência é um poder de ação declarativa.

  20. O que está em causa no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE é a mera legitimidade processual, pelo que, caso se trate de credor, a lei não exige que ele produza prova da qualidade que alega, mas, tão só, que proceda à justificação do crédito, através da menção de origem, da natureza e do montante do crédito.

  21. O único pressuposto da declaração de insolvência – requisito necessário e suficiente – é a situação de insolvência, enquanto estado patrimonial do devedor, definida por lei como a “impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas”.

  22. Entendemos que foram, assim, violados os artigos 3.º, 20.º, 27.º e 30.º do CIRE.

  23. Assim sendo, requer-se a V. Exªs Juízes Desembargadores que revoguem a decisão recorrida e considerem admitir o pedido de declaração de insolvência da devedora e a final ser a Requerida declarada Insolvente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 28.º do CIRE.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve conceder-se integral provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por outro nos termos da antecedente motivação e conclusões seguindo o processo os seus trâmites ate final admitindo-se o pedido de insolvência contra...

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