Acórdão nº 1020/16.9BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A Universidade de Évora, devidamente identificada, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do saneador-sentença proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datado de 02/06/2020, que no âmbito da ação administrativa instaurada por P......

, julgou a ação procedente, reconhecendo o direito da Autora à isenção do pagamento de propinas em todos os anos letivos do doutoramento em Artes Visuais, condenando a Entidade Demandada a devolver à Autora todos os valores que a esse título tenham sido pagos.

* Formula a aqui Recorrente, nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “A. A sentença recorrida enferma de vício de violação de lei.

B. Viola os artigos 49.º, n.º 1 do ETAF, alínea a) do artigo 577.º e artigo 578.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA, ao proferir uma sentença sobre matéria reservada à competência dos tribunais tributários.

C. Pelo que se impunha julgar procedente uma exceção dilatória de conhecimento oficioso e absolver a Recorrente da instância.

D. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente n.º 4 do artigo 4.º do Decreto Lei n.º 216/92, de 13 de Outubro, ao impor à Universidade de Évora o encargo de suportar uma isenção de propinas que deve ser suportada pelo Estado, em termos que este podia e devia ter regulamentado.

E. Ao consagrar o entendimento da exigibilidade do direito à isenção perante a Universidade de Évora – e não perante o Estado – a sentença recorrida violou o do n.º 2 do artigo 76.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do artigo 9.º do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro.

F. Violação que se invoca para efeitos de fiscalização concreta da constitucionalidade da interpretação que considera exigível o reconhecimento de um direito cujo cumprimento apenas pode ser garantido pelo Estado.”.

Pede que seja concedido provimento ao recurso.

* A Autora, ora Recorrida, notificada, apresentou contra-alegações ao recurso interposto, no âmbito das quais formulou as seguintes conclusões: “1. O TRIBUNAL A QUO AO DECIDIR COMO DECIDIU FEZ CORRECTA INTERPRETAÇÃO DA LEI E DO DIREITO.

  1. A RECORRENTE INSURGE-SE APENAS EM FASE DE RECURSO, CONTRA A COMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL A QUO PARA APRECIAR E DECIDIR O RECONHECIMENTO DO DIREITO EM CAUSA.

  2. A RECORRENTE UNIVERSIDADE DE ÉVORA EM LADO ALGUM DO PROCESSO CONTESTOU OU ALEGOU A INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO TRIBUNAL A QUO.

  3. O PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA VERTIDO NO ARTIGO 83.º DO CPTA EXIGE QUE TODA A DEFESA DEVA SER DEDUZIDA NA CONTESTAÇÃO, SOB PENA DE SE PRECLUDIR O SEU DIREITO OU A POSSIBILIDADE DE O VOLTAR A FAZER.

  4. NESTE SENTIDO DECIDIU O TCA NORTE NO PROCESSO N.º 655/12.3BECBR, DATADO DE 17 DE ABRIL DE 2015 ONDE PODE LER-SE QUE “ACONTECE QUE, NOS PRESENTES AUTOS, A EXCEÇÃO DILATÓRIA DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL NÃO FOI ATEMPADAMENTE SUSCITADA, OFICIOSAMENTE OU PELAS PARTES, PELO QUE NÃO PODE AGORA, EM SEDE DE RECURSO, SER CONHECIDA TAL QUESTÃO, QUE OBSTARIA À APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO” 6. NA PRESENTE AÇÃO ESTÁ EM CAUSA DETERMINAR SE A RECORRIDA ENQUANTO DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO DETENTORA DA CATEGORIA DE EQUIPARADA A ASSISTENTE SE ENCONTRA NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME TRANSITÓRIO INTRODUZIDO PELO DL N.º 207/2009, DE 31 DE AGOSTO, NA REDAÇÃO DA LEI N.º 7/2010, DE 13 DE MAIO, E POSTERIORMENTE PELO DL N.º 45/2016, DE 17 DE AGOSTO ALTERADO PELA LEI N.º 65/2017, DE 9 DE AGOSTO.

  5. DETERMINADO QUE A RECORRIDA SE ENCONTRA NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME TRANSITÓRIO IMPORTA SABER SE PARA TRANSITAR PARA A CATEGORIA DE PROFESSOR ADJUNTO SE ENCONTRA OBRIGADA A OBTER O DOUTORAMENTO.

  6. TAL OBRIGAÇÃO CONFERE À DOCENTE O DIREITO À ISENÇÃO DE PROPINAS NOS TERMOS DO ART. 4.º N.º 4 DO DL N.º 216/92, DE 13 DE OUTUBRO.

  7. ESTÁ, POIS, EM CAUSA DETERMINAR SE DECORRE DA RELAÇÃO CONTRATUAL DA RECORRIDA A OBRIGAÇÃO DE OBTER O GRAU DE DOUTOR E, POR CONSEQUÊNCIA, SE NO ÂMBITO DESSA OBRIGAÇÃO SE INSERE NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO ART. 4.º N.º 4 DO DL N.º 216/92, DE 13 DE OUTUBRO.

  8. É, PORTANTO, UMA QUESTÃO JURÍDICA MANIFESTAMENTE ADMINISTRATIVA QUE BROTA DA RELAÇÃO CONTRATUAL DA RECORRIDA.

  9. VERIFICANDO-SE QUE A RECORRIDA ESTÁ OBRIGADA A OBTER O DOUTORAMENTO NOS TERMOS DO ESTATUTO PARA TRANSITAR PARA A CATEGORIA DE PROFESSOR ADJUNTO, A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE PROPINAS OPERA AUTOMATICAMENTE.

  10. POR SE TRATAR DE MATÉRIA ADMINISTRATIVA É O TRIBUNAL RECORRIDO COMPETENTE PARA CONHECER DO LITÍGIO E, POR CONSEQUÊNCIA, RECONHECER O DIREITO DA RECORRIDA, COMO DE RESTO RECONHECEU.

  11. A JURISPRUDÊNCIA TEM VINDO A RECONHECER A ISENÇÃO DO PAGA- MENTO DE PROPINAS AOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR RESPEITANDO-SE, POIS, O DL N.º 216/92, DE 13 DE OUTUBRO, CONFORME RESULTA DO ACÓRDÃO DO TCA NORTE PUBLICADO NO PROCESSO N.º 655/12.3BECBR, DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT E DA DIVERSA JURISPRUDÊNCIA JUNTA AOS AUTOS.

  12. A APLICAÇÃO DA NORMA QUE PREVÊ O APOIO CORRESPONDENTE À ISENÇÃO DE TAXA DE FREQUÊNCIA - Nº 4 DO ART. 4º DO DL 216/92, 13/10 - NÃO PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA COMPARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DA RESPECTIVA INSTITUIÇÃO DO ENSINO SUPERIOR A QUE ALUDE O ART. 35º Nº 2 AL. B) DA LEI 37/2003, 22/08.

  13. A INTERPRETAÇÃO CONSTANTE NO RECURSO É ILEGAL E INJUSTA DADO QUE É ÀS UNIVERSIDADES PORTUGUESAS POR FORMA A NÃO TEREM DE SUPORTAR OS ENCARGOS COM AS ISENÇÕES, QUE COMPETE, NAS SUAS RELAÇÕES COM O MINISTÉRIO RESPETIVO, EXIGIR AS QUANTIAS QUE DEIXARAM DE RECEBER PELO RECONHECIMENTO DAQUELE DIREITO AOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR QUE, NOS TERMOS DOS RESPECTIVOS ESTATUTOS, ESTEJAM OBRIGADOS À OBTENÇÃO DE DETERMINADO GRAU ACADÉMICO NÃO PODENDO, POR ISSO, ACEITAR-SE TAL INTERPRETAÇÃO POR TOTAL DESCONFORMIDADE COM A LEI E COM A PRÓPRIA JURISPRUDÊNCIA.

  14. A RECORRENTE ESTÁ OBRIGADA A RECONHECER A ISENÇÃO DO PAGAMENTO DE PROPINAS À AQUI RECORRIDA NO CURSO DE DOUTORAMENTO QUE FREQUENTOU NA UNIVERSIDADE DE ÉVORA.”.

    Pede que seja negado total provimento ao recurso devendo, por consequência, ser mantida a sentença recorrida.

    * O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

    * O processo vai com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, nos termos que ora se invocam.

    As questões suscitadas, em relação ao recurso interposto, são as seguintes: 1. Erro de julgamento de direito, por violação dos artigos 49.º, n.º 1 do ETAF, 577.º, a) e 578.º, do CPC, ao proferir uma sentença sobre matéria reservada à competência dos tribunais tributários; 2. Erro de julgamento de direito, por violação do artigo 4.º, n.º 4 do D.L. n.º 216/92, de 13/10, do artigo 76.º, n.º 2 da CRP e do artigo 9.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, aprovado pela Lei n.º 62/2007, de 10/09, ao impor à Universidade o encargo de suportar uma isenção de propinas, que deve ser suportada pelo Estado.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “1.

    Em 22.07.2014 a Reitora da Entidade Demandada emitiu a ordem de serviço n.º 15/2014, que consubstancia o Regulamento de Propinas da Entidade Demandada, podendo aí ler-se, com relevo, o seguinte (cf. ordem junta como doc. n.º 1 da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido): “(…) Artigo 12.º Regimes especiais de propinas 1. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do art.º 35.º da Lei nº 37/2003 de 22 de agosto, será atribuído um apoio específico aos estudantes ao abrigo da seguinte regulamentação (…) c) Docentes do Ensino Superior - ao abrigo do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, é concedida isenção de propina do ciclo de estudos aos docentes de carreira da Universidade de Évora. Aos docentes das outras Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, não será exigido o pagamento das propinas devidas, caso estes entreguem uma declaração da Instituição onde exercem funções de docência, nos termos da qual esta se obriga ao pagamento das propinas do seu docente à Universidade de Évora. (…) Artigo 13.º Exceções no pagamento de propinas 1. Protocolo com outras instituições: poderão beneficiar de isenção ou redução de propinas, estudantes de 2º ou de 3º ciclo, que se encontrem abrangidos por protocolos estabelecidos entre a Universidade de Évora e a Instituição a que os mesmos pertençam. Para tal, deverão entregar nos Serviços Académicos até 30 de setembro do ano letivo em que ingressam, ou nos 10 dias após dará da matrícula se a mesma for após esse prazo, requerimento a solicitar a isenção ou redução de propina ao abrigo do protocolo, o qual deve ser anexado ao requerimento.

    (…)” 2. Em 22.10.2015 o Instituto Politécnico de Tomar emitiu declaração na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. declaração junta como doc. n.º 3 da p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido): “(…) declara que P...... (…), é Equiparada a Assistente do 2º Triénio no Instituto Politécnico de Tomar.

    A docente encontra-se abrangida pelo nº4 do artº 4º do Dec. Lei 216/92, de 13 de outubro. Por força do Dec. Lei nº 207/2009, de 31 de agosto, alterado pela Lei nº 7/2010 de 13 de maio, a docente está abrangida pelo regime transitório, com a condição da obrigatoriedade de obtenção do grau de doutor, com vista à passagem à carreira docente e consequente manutenção do vínculo ao Instituto Politécnico de Tomar (…)” 3.

    Em 30.11.2015 a A. dirigiu ao Reitor da Entidade Demandada requerimento de isenção de propinas no programa de Doutoramento em...

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