Acórdão nº 139/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 139/2021

Processo n.º 37/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que são reclamantes A., B. e C., e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), ainda que sob invocação de regime diverso, do despacho proferido em 18 de dezembro de 2020, que não admitiu os recursos de constitucionalidade interpostos pelos aqui reclamantes do despacho que, subsequentemente à admissão de recurso para fixação de jurisprudência por eles interpostos e à fixação de «efeito não suspensivo», considerou não se verificar a invocada inconstitucionalidade do artigo 438.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o qual dispõe que «[o] recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo».

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade do reclamante A. tem o seguinte teor:

«A., arguido nos autos à margem referenciados e nele melhor identificado,

Notificado do despacho judicial proferido em 10 de dezembro de 2020 que declarou "não reconhecer a inconstitucionalidade do art.0 438.0 n.° 3 do Código Processo Penal" na interpretação normativa no sentido de não ter efeito suspensivo um recurso de fixação de jurisprudência que poderá, com se reconhece, ter eficácia nos presentes autos e decretar a ilegalidade da decisão/prisão.

Vem apresentar RECURSO ao TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz em tempo (10 dias), tem legitimidade e interesse em agir, sendo a decisão passível de recurso ao Tribunal Constitucional no que a esta parte em concreto diz respeito - art.°s 12.° n.° 1 alínea b) e n.° 2 da L.T.C.

O recurso é apresentado ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do art." 70.° da Lei do Tribunal Constitucional (L.T.C.I. o recorrente suscitou de forma adequada e antecipada a inconstitucionalidade, respeitando e cumprindo os formalismos do n.° 2 do artigo 12.°, reiterando-se neste requerimento de recurso ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do art.0 75.°-A n.°s 1 e 2, todos da L.T.C., a inconstitucionalidade suscitada, mais se indicando que a mesma foi invocada na peça processual de recurso extraordinário de revisão, mais concretamente na "2."

Questão prévia - o efeito suspensivo" desse mesmo recurso e que aqui novamente se invoca para os devidos efeitos legais.

INCONSTITUCIONALIDADE

O art.0 438.° n.° 3 do Código Processo Penal, quando interpretado e aplicado no sentido de não se aplicar o efeito suspensivo a um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto pelo arguido recorrente sobre um Acórdão condenatório em prisão efetiva proferido pelo Tribunal da Relação que, em caso de procedência, tem eficácia nos próprios autos (art.° 445.° n.° 1 do C.P.P.) revogando esse mesmo Acórdão de condenação em prisão efetiva, a não aplicação do efeito suspensivo (ao caso em concreto de uma prisão efetiva - privativa da liberdade) é inconstitucional por violação dos princípios do estado de Direito, dignidade da pessoa humana, proteção da confiança jurídica, legalidade e direito à liberdade. ínsitos nos art.° 1.°. 2.°. 3.°. 18.°. 20.°. 27.° e 32.° da Constituição da República.

Ou, aperfeiçoando-se a invocação - pese embora tenha sido inteiramente percebida pelo Tribunal da Relação - diremos:

O art.° 438.° n.° 3 do Código Processo Penal, na interpretação segundo a qual não tem efeito suspensivo um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência interposto por um arguido condenado em pena de prisão efetiva é inconstitucional por violação dos princípios do estado de Direito, dignidade da pessoa humana, proteção da confiança jurídica, legalidade e direito à liberdade, ínsitos nos art.0 l.°, 2.°, 3.°, 18.°, 20.°, 27.° e 32.° da Constituição da República.

A fundamentação/argumentação proferida no despacho de 10.12.2020 para se justificar a não inconstitucionalidade deste normativo legal face à extensa explicação que o arguido apresentou é uma fundamentação que não podemos aceitar.

Refere o despacho de 10.12.2020 que "a norma [do n.° 3 do art." 438.° do C.P.P.] não viola o direito de acesso aos tribunais, nem as garantias de defesa, uma vez que o sujeito processual já teve oportunidade para discutir os seus argumentos jurídicos em três, eventualmente quatro, diferentes instâncias"

Ora, no caso destes autos em concreto, nenhum dos arguidos, fossem eles quais fossem, puderam discutir os fundamentos jurídicos a não ser, APENAS E SÓ, junto do Tribunal da Relação de Guimarães, atenta a impossibilidade de recurso (ordinário) ao Supremo Tribunal de Justiça para casos em que as penas não sejam superiores a 8 anos de prisão - caso dos presentes autos em que nenhum arguido tem pena superior a 8 anos - pelo que, a fundamentação apresentada pelo Tribunal da Relação no despacho de 10.12.2020 para não declarar inconstitucional o art.0 438.° n.° 3 do C.P.P. é absolutamente inaplicável aos presentes autos.

Como se viu, o arguido não conseguiu discutir a sua causa em três ou quatro instâncias.

Na verdade, este recurso ao Tribunal Constitucional desta parte concreta do despacho proferido pelo Tribunal da Relação datado de 10.12.2020 é imperativo, e desse despacho, apenas nessa concreta parte, cabe recurso direto ao Tribunal Constitucional pelas razões legais que desde já invocaremos.

Isto é, ao contrário do que acontece num recurso ordinário, os recursos extraordinários não preveem que, quando o recurso chegue ao Supremo Tribunal de Justiça o Relator não "revisita" a questão do efeito atribuído ao recurso, por exemplo como acontece nos recursos dirigidos ao Tribunal da Relação nos termos do disposto nos art.°s 414.° n.° 3 do Código Processo Penal e al. a) do n.° 7 do art.0 417.° do Código Processo Penal.

Estatui o art.° 414.°, n.° 3 do C.P.P. o seguinte: "a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior".

O art.0 417.°, n.° 7 al. a) do C.P.P. prescreve que: "o relator decide no exame preliminar se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso".

Na verdade, estas regras processuais acabadas de mencionar funcionam APENAS para os recursos ordinários porque os recursos extraordinários têm regras próprias e independentes dos restantes recursos.

No que aos recursos extraordinários respeita - como é o caso em concreto destes autos - o recurso, nos termos da lei, não tem efeito suspensivo - conforme art.0 43 8.° n.° 3 do Código Processo Penal que refere "o recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo."

Quer isto dizer que, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães datada de 10.12.2020 é a última decisão, o S.T.J. não apreciará mais esta questão porque a lei do Código Processo Penal não permite, nem prevê, que o Juiz Relator (no S.T.J.) reaprecie o efeito aplicado, porquanto a lei (que entendemos ser inconstitucional) ordena o efeito "não suspensivo".

A Lei, nos termos do disposto no art.0 440.° n.°s 1 e 3 do Código Processo Penal inserido no Título II, Capítulo I «Dos recursos extraordinários da fixação de jurisprudência» apenas prevê que o processo vá com vista ao Ministério Público junto do S.T.J. pelo prazo de 10 dias, e depois seja concluso ao Juiz Relator do S.T.J. por outros 10 dias para exame preliminar.

Nesse exame preliminar o relator "verifica [novamente] a questão da admissibilidade e o regime do recurso", mas nunca reanalisa o efeito do mesmo.

Logo, a decisão do Tribunal da Relação datada de 10.12.2020 na concreta parte que decidiu a questão da inconstitucionalidade é passível de recurso direto ao Tribunal Constitucional nos termos do n.° 2 do art.0 70.º da L.T.C, porquanto o S.T.J. não tem competência legal para reapreciar a questão do efeito nem a inconstitucionalidade suscitada e invocada.

Refere este n.° 2 do art.0 70.° da L.T.C, que "os recursos previstos na alínea b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei não o prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam".

Estamos perante um despacho de 10.12.2020 que não admite recurso ordinário nem admite reclamação (art.0 405.° do C.P.P.) ao Supremo Tribunal nesta concreta parte do efeito ser ou não suspensivo.

Dúvidas não restam que, o presente recurso ao Tribunal Constitucional é admissível, está em tempo e tem efeito suspensivo, conforme art.0 78.° n.° 4 da Lei do Tribunal Constitucional que refere expressamente o seguinte: "nos restantes casos, o recurso tem efeito suspensivo e sobe nos próprios autos".

O recurso dos presentes autos engloba-se "nos restantes casos" a que faz referência o n.° 4 do art.0 78.° da L.T.C.

Consideramos que a norma do art.0 438.° n.° 3 do Código Processo Penal, ao não ter previsto efeitos de recursos diferentes mediante as causas em discussão e a posição processual de quem recorre (porque podia ser o Assistente ou o M.P. a recorrer e nenhum deles iria preso), como é o caso em que há penas de prisão efetiva e o recorrente é o próprio arguido, tal normativo é inconstitucional porque afeta diretamente direitos dos cidadãos, nomeadamente o segundo valor constitucional mais alto na Constituição, que é o direito à liberdade (logo a seguir ao direito à vida) e, ainda à certeza da decisão judicial que o condenou em pena de prisão efetiva.

Caso o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência fosse apresentado num processo em que os arguidos fossem condenados em pena de multa ou pena suspensa na sua execução, tal recurso extraordinário ao ter efeito não suspensivo não afetaria a liberdade do cidadão.

E, chegado ao fim esse mesmo...

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