Acórdão nº 131/21 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Março de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 131/2021

Processo n.º 13/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora reclamante) foi condenado, em primeira instância, no âmbito do processo n.º 950/19.0JAPRT, do Juízo Central Criminal de Penafiel, na pena de 1 ano de prisão (efetiva) pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. A escolha e a determinação da medida da pena assentaram nas considerações seguintes (cfr. fls. 36v. e ss.):

“[…]

Da escolha da pena relativamente ao crime de condução sem habilitação legal cometido pelo arguido A.

Atento o critério expresso no art. 70.º do Código Penal, quando ao crime sejam aplicáveis, alternativamente, uma pena privativa da liberdade e uma pena não detentiva, o Tribunal dá preferência a esta última, conquanto fiquem asseguradas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, nos termos do art. 40.º, n.º 1, do mesmo Código.

No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência que o tipo de ilícito em questão é praticado e as consequências ao nível da sinistralidade rodoviária da condução dos condutores não habilitados, a reclamar por isso uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.

A prevenção especial faz-se sentir no caso em apreço de modo muito intenso, o arguido tem antecedentes criminais, tendo já sido anteriormente condenado pela violação do mesmo tipo de ilícito, para além de que conta com antecedentes por violação de outros e diversificados bens jurídicos fazendo perspetivar como incontornável a consideração de que uma pena de pendor pecuniário, mormente a multa, abstrata e alternativamente aplicável não se afigura adequada a satisfazer as apontadas exigências, nomeadamente de prevenção especial, ditadas pela postura do arguido que apesar das sucessivas condenações de que foi alvo não adota conduta coincidente com o respeito devido aos interesses tutelados pela lei, pelo que em face do exposto se impõe aplicar uma pena de prisão privativa da liberdade por só esta se mostrar adequada à realização das finalidades de punição.

Da não aplicação do regime especial para jovens ao arguido A.

O arguido A. tinha à data dos factos 19 anos de idade, contando atualmente 20 anos.

[…]

Ora, como resulta da factualidade provada, o arguido tem um passado criminal diversificado (tráfico de estupefacientes, violência doméstica, furto qualificado, detenção de arma proibida, condução sem habilitação legal). […]

[S]endo certo que em face da idade o identificado arguido está em condições de beneficiar do regime em causa, visto que tinha 19 anos de idade à data da prática dos factos, nem sequer o comportamento anterior do arguido é favorável à aplicação do regime especial em causa, pois conta com condenações anteriores, incluindo pena suspensa com regime de prova (proc. 664/17.6PDVNG com regime de prova; sentença que transitou em julgado a 27 de fevereiro de 2019) tendo os factos em apreço sido praticados no período de suspensão, o que aliado à reduzida capacidade crítica na avaliação deste ou de outros crimes, assim como o desprezo manifestado por qualquer adesão ao cumprimento de uma medida na comunidade, aliás espelhada não só na factualidade revelada pelo relatório social, como nos seus antecedentes criminais) impõe-se concluir que há sérias razões para crer que da atenuação especial da pena não resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente, pelo que não se procede à sua aplicação.

[…]

[Determinação da medida concreta da pena]

C. Quanto à atuação que redundou na prática de condução sem habilitação legal praticado pelo arguido A.

Há que ponderar o dolo, que ocorreu na modalidade de dolo direto, portanto na sua modalidade mais grave;

As evidentes exigências de prevenção geral, atenta a frequência com [que] o tipo de ilícito é violado;

As já atrás evidenciadas e elevadas exigências de prevenção especial.

Assim, considera-se justa e adequada a aplicação da pena de 1 (um) ano de prisão.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, pugnando pela aplicação de pena de prisão em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43.º do Código Penal (cfr. alegações de fls. 46 e ss., que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

1.1.1. Por acórdão de 14/10/2020, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

O recorrente foi condenado na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva, pela prática no dia 20 de março de 2019 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do D. L. n.º 2/98, de 3 de janeiro.

[…]

Ou seja, é na relativa dicotomia entre suficiência e adequação, por um lado, e necessidade de ultima ratio, por outro, que a escolha entre cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação ou através de reclusão em estabelecimento prisional, deverá ser decidida, optando-se pelo primeiro modo de cumprimento sempre que ele se afigure concretamente adequado e suficiente para garantir a defesa dos bens jurídicos, isto é, a confiança comunitária no ordenamento jurídico, e a consequente restauração ou mesmo reforço da validade da norma violada, tornando-se assim desnecessário o recurso ao segundo, sendo certo que, comprovada uma tal garantia de satisfação das necessidades de prevenção geral, enquanto primeiro passo da metódica determinação do modo de cumprimento da pena a realizar, importará ainda, de seguida, demonstrar que um tal modo de cumprimento satisfaz também as necessidades de prevenção especial […], ou seja, que a perspetiva de um tal modo de cumprimento permite à partida formular um juízo de prognose positivo relativamente à futura reinserção social do condenado, no sentido de que tal modo de cumprimento terá uma função positiva de prevenção especial de socialização que torna desnecessário o recurso ao cumprimento da pena de prisão pela via carcerária, mais gravosa, e nessa medida desnecessária ou “desrazoável ‘do ponto de vista de quem a sofre’” […], face à primeira. Em tal hipótese, poderia então afirmar-se, de harmonia com o disposto no art.º 43.º, n.º 1, do CP, que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

Acontece, porém, que no caso dos autos uma tal opção não é legalmente possível, como veremos de seguida.

É verdade que a argumentação tecida pelo recorrente tem suporte teórico no movimento de reforma contínua do direito penal, em cuja lógica se insere a previsão legal do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, movimento esse marcado, usando as palavras do Professor Jorge de Figueiredo Dias, pela ‘luta decidida contra as penas de prisão de curta duração, conducente à sua substituição, na generalidade ou mesmo na totalidade dos casos, por penas não detentivas ou não institucionais’, bem como a ‘tentativa de limitar, por todos os meios, o efeito estigmatizante – e consequentemente criminógeno – das reações criminais”, mas olvidando o recorrente que uma tal substituição só é possível quando não frustre “as expectativas sociais que subjazem às normas violadas’ […]. Sendo que em defesa de uma tal opção invoca ainda o recorrente um tratamento focado quase exclusivamente no crime por si concretamente praticado, objeto do presente processo, relativizando-o com outros da mesma espécie e natureza de que foi autor no passado, acentuando-lhe o cariz próprio tributário do fenómeno da chamada pequena criminalidade, subentendendo-se na motivação do recurso um posicionamento de clara orientação no sentido da concessão ao crime praticado de uma dimensão bagatelar, subjetivamente embotada, que efetivamente não possui, ou que seria legalmente impossível de sustentar, tratado que fosse no seu nível processual penal próprio, pelo simples facto de o recorrente ter já sido alvo de diversas condenações anteriores por crime da mesma natureza (art.º 281.º, n.º 1, al. b), do CPP), não tendo por isso tal argumentação qualquer valimento fáctico-jurídico. E não o tem porquanto na resposta a dar ao caso-problema posto, e pese embora a aparente reduzida gravidade do crime praticado, o sentido normativo das disposições conjugadas dos art.ºs 43.º, n.º 1, e 40.º, n.º 1, do CP, perante os factos dados como provados nos autos conduzem-nos incontornavelmente ao dever de imposição da execução da pena de prisão em estabelecimento prisional oficial do Estado, como meio necessário, não só para garantir a satisfação das finalidades de prevenção geral, como também as de prevenção especial.

De facto, a reiteração criminosa homogénea ou homótropa (expressa na prática de seis crimes da mesma espécie ou natureza daquele a que se referem os presentes autos, isto é, condução de veículo a motor sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 03/01, respetivamente em 2015, 27.07.2017, 23.01.2018, 30.01.2018, 03/05/2019 e, nestes autos, cometido a 20/03/2019), associada à reiteração heterogénea ou polítropa (consistente na prática de vários crimes de diferente espécie ou natureza, alguns deles com reincidência homogénea ou homótropa, como sucedeu com os crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.ºs 1, al. b), e 2, 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 4 do CP, um cometido em 2017 e outro em 2018, aos quais foram aplicadas, respetivamente, as penas de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, por...

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