Acórdão nº 053/20.5BCLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO SPORT LISBOA E BENFICA – FUTEBOL, SAD, devidamente identificada nos autos, recorreu para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), do Acórdão do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que a condenou numa sanção de multa no valor de 40.800,00€, pela prática de uma infracção disciplinar p.p pelo artº 112º, nºs 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).

*Por acórdão do TAD, proferido em 27 de Março de 2020, com um voto de vencido, foi decidido julgar procedente a acção, anular a decisão recorrida e absolver a demandante.

*A FPF apelou para o TCA Sul e este, com um voto de vencido, por acórdão proferido a 15 de Outubro de 2020, negou provimento ao recurso, confirmando o julgado do TAD.

*A FPF, inconformada, veio interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1.

A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 15 de outubro de 2020, que confirmou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto e negou provimento ao recurso apresentado pela Federação Portuguesa de Futebol. Esta instância, por seu turno, havia decidido revogar a decisão de aplicação à ora Recorrida da sanção de multa no valor de €40.800,00 pela prática da infração disciplinar prevista e punida pelo artigo 112.º, nºs 1, 3 e 4 do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, RD da LPFP).

  1. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelas declarações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.

  2. A Recorrente não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.

  3. Contudo, a questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelas declarações que difundem ou fazem difundir nas suas redes sociais e nos meios de comunicação social - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.

  4. Recorde-se que estão em causa nos presentes autos publicações em rede social da Sociedade Desportiva ora Recorrida, consideradas ofensivas da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros, as quais foram divulgadas na comunicação social.

  5. Por um lado, se é certo que o futebol é a modalidade desportiva com mais relevo na sociedade portuguesa, tal não torna os litígios com ele relacionados automaticamente relevantes do ponto de vista social, pese embora possam ter o seu espaço cativo diário nos órgãos de comunicação social.

  6. Porém, o que assume especial relevância social é a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios clubes e/ou dirigentes dos clubes, através dos seus meios de comunicação oficiais ou outros.

  7. De igual forma, também este Supremo Tribunal Administrativo, quando aceitou conhecer este tipo de declarações, numa situação muito idêntica à dos presentes autos, entendeu, de forma clara, que imputações destas «atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa».

  8. É também verdade que o STA não pode ser chamado a pronunciar-se sobre todas as questões que lhe são colocadas, mas apenas quando a sua intervenção seja necessária para uma melhor aplicação do direito.

  9. O bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.

  10. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

  11. Assim, quando analisado o artigo 112º do RD da LPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

  12. Por outro lado, não se pode olvidar que a Recorrida tem deveres concretos que tem de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

  13. A Recorrida tem, nomeadamente, o dever de “manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva” (artigo 19º, nº 1, do RDLPFP19); e de “manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.” (artigo 51º, nº 1 do Regulamento de Competições da LPFP).

  14. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

  15. Quando uma entidade, qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, nomeadamente, as deontológicas, disciplinares e sancionatórias.

  16. Com efeito, para que a Recorrida, ou qualquer outra sociedade desportiva, seja condenada pela prática do ilícito disciplinar previsto no artigo 112º é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pela norma disciplinar: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

  17. Ao contrário daquilo que entende o TCA, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.

  18. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos, são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

  19. O valor protegido pelo ilícito disciplinar em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180º e 181º, do Código Penal, é o direito “ao bom nome e reputação”, cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.

  20. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.

  21. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.

  22. A Recorrida sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do árbitro a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

  23. As expressões sub judice não se limitam a propalar críticas objetivas à atuação dos elementos das equipas de arbitragem, antes incutem a ideia de que estes atuaram ao arrepio de critérios de objetividade e isenção, imbuídos da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial, lançando sobre os mesmos a suspeição de que estariam a proteger (beneficiando) outra sociedade desportiva que disputa competições profissionais.

  24. Lançar suspeitas de que a atuação dos agentes de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome do árbitro da partida e, por inferência, da sua equipa de arbitragem consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.

  25. E não se diga que basta um árbitro ter uma má prestação das suas funções enquanto tal cometendo, nomeadamente, erros de apreciação de lances durante o desenrolar de um jogo, que acabem por favorecer uma das equipas, que se pode...

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