Acórdão nº 00026/19.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório A.

, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra D., EM, e Município (...), tendente, ao “indeferimento da pretensão das RR”, que se consubstancia na “declaração de nulidade do ato de resolução do contrato de arrendamento apoiado”, inconformada com o Acórdão proferido em 17 de outubro de 2019 que julgou verificada “a inimpugnabilidade do ato e a caducidade do direito de agir”, veio interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula a aqui Recorrente/A.

nas suas alegações de recurso, apresentadas em 27 de novembro de 2019, as seguintes conclusões: “1. A Autora/Recorrente intentou uma ação de impugnação contra as rés, com o fito de ver revertido a execução do ato administrativo de resolução do contrato de arrendamento apoiado.

  1. Para tanto, alegou que apenas tomou conhecimento do dito ato no momento da execução do mesmo.

  2. E que o mesmo é lesivo de um direito fundamental, na medida que a consumação do ato irá vetar a recorrente, bem como o seu agregado familiar, à indigência, pois face ao paupérrimo rendimento disponível, bem como ao mercado de arrendamento, jamais poderá arrendar uma habitação digna a expensas suas.

  3. Contudo, o tribunal a quo veio a absolver as rés, por considerar verificadas as seguintes exceções, a saber: a. Inimpugnabilidade do ato, pois o que a autora quis “atacar” foi um ato de execução, sendo que este só poderá ter impugnado na medida em que haja algum vicio posterior ao ato administrativo que não permita a sua execução e b. Caducidade do direito, pois que os vícios apontados redundam o ato administrativo na anulabilidade e não na nulidade, pelo que o prazo seria de três meses.

  4. A recorrente não concorda com a fundamentação aduzida, pois 6. No que tange à sua inimpugnabilidade, a recorrente apenas lançou mão desta ação quanto tomou conhecimento dos factos.

  5. Isto é, apenas quando constatou que ira ser “despejada” é que se apercebeu de todo o processado.

  6. É certo que o seu cônjuge já havia intentado uma ação, em que a autora foi arrolada como testemunha, contudo, e como é consabido, tal não é sinónimo de que tenha um conhecimento real dos factos.

  7. Contudo, e seja como for, o próprio ato administrativo padece de um vicio de forma, na medida em que pretende resolver o contrato de arrendamento da casa de morada de família, sendo necessário que ambos os cônjuges sejam notificados de tal pretensão.

  8. O que não sucedeu! 11. Ora, verificado este vicio de forma, constata-se a sua inaptidão intrínseca para a produção de qualquer efeito jurídico.

  9. É nesta medida que a recorrente atuou: o ato administrativo é nulo, pelo que consequentemente o ato de execução também terá de ser considerado nulo! 13. Sendo nulo, jamais poderá produzir efeito jurídico.

  10. Além deste vício de forma, acresce que a nulidade do ato redunda no facto de colocar em crise um direito fundamental, in casu o direito à habitação (Cfr. art. 65.º da CRP).

  11. Afinal, face aos parcos recursos económicos da recorrente e agregado familiar, bem como ao atual mercado de arrendamento deveras inflacionado, torna-se impossível arrendar uma casa no mercado comum.

  12. Pelo que, ao prosseguir a execução do ato administrativo colocará a recorrente numa situação de indigência.

  13. Ainda para mais, estará a ser sancionada por factos que desconhecia e que nunca contribuiu, isto é: nunca foi parte no crime de tráfico de estupefacientes.

  14. Desta feita, não pode proceder a fundamentação do tribunal a quo quando afirma que o ato seria anulável e, como tal, o prazo de impugnação seria de três meses.

  15. Desta feita, deverá o despacho-saneador modificado e, consequentemente, declarar o ato nulo, com as devidas consequências legais, mormente a manutenção do contrato de arrendamento apoiado e do locado! 20. O tribunal recorrido ao decidir como decidiu violou de forma expressa as normas dos artigos 58.º, 1, b); 59.º, n.º2, 89.º, n.º1, al. i) e 161.º, n.º2, al. d) todos do CPTA e ainda os artigos 3.º;4.º; 7.º; 8.º, 9.º e 10.º; 151.º, n.º1, al. b) e nº 2 do CPA e ainda o artigo 65.º da CRP.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deverão V. Exas dar provimento ao presente recurso e por via disto alterar o despacho-saneador nos termos supra aduzidos.

    Fazendo, assim, Justiça!” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 22 de janeiro de 2020.

    Os aqui Recorridos/Município e D.

    vieram conjuntamente apresentar contra-alegações de recurso em 7 de janeiro de 2020, nas quais, e no que aqui releva, discorreram o seguinte: “(...) I - Da impugnabilidade do Ato Na verdade, a Apelante alega que a decisão do tribunal a quo desconsiderou o facto de apesar de estarmos perante um ato de execução de um ato administrativo precedente, o mesmo tem caráter inovador, pois apenas aquele ato permitiu à recorrente ter conhecimento do ato administrativo que determinou a resolução do contrato de arrendamento apoiado.

    De facto, como bem decidiu o tribunal a quo, a Apelante, a aqui Recorrente pretende a impugnação da ordem de despejo, ou seja, um ato de execução do ato administrativo precedente (resolução do contrato de arrendamento apoiado). E como ato de execução que é, apenas é impugnável quando padecer e lhe forem imputados vícios autónomos, isto é, vícios desse ato. Isto quer dizer que um ato de execução não pode ser anulado quando ao mesmo são assacados apenas vícios do ato que ele visa executar, em concreto, vícios do ato de resolução do contrato de arrendamento. Ora, considerando o petitório da Autora, conclui-se facilmente que, apesar de, na aparência, e em subterfugio, ter requerido a suspensão da ordem de despejo, a mesma não se insurge contra a ordem de despejo, mas antes contra a decisão de resolução. Dito isto, verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade do ato, o que vai determinar que uma eventual ação que tenha por objeto a anulação deste ato venha a naufragar inevitavelmente.

    II - Da caducidade do direito de ação Em segundo lugar, quanto à caducidade do direito de ação sendo o ato de execução inimpugnável, o único ato do qual se poderia requerer a impugnação seria o de resolução do contrato de arrendamento e o direito à anulação desse ato já há muito caducou, como aliás já foi decidido com transito em julgado por este mesmo Tribunal no Processo nº 2808/17.9BEPRT.

    Acresce que a aqui Recorrente fundamenta a tese de que o ato administrativo padece de diversos vícios nomeadamente, a violação do direito constitucional à habitação (artigo 652 da CRP), visto que o artigo 161º do CPA menciona que são nulos os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental. No entanto, salvo o devido respeito, não poderá ter provimento o argumento aduzido pela Apelante.

    (...) Assim, constituindo o direito constitucional à habitação, não um direito, liberdade e garantia, mas um direito com dimensão social, os vícios assacados nunca gerariam nulidade, apenas mera anulabilidade.

    Tal posição é reforçada por diversa jurisprudência, nomeadamente o Tribunal Central Administrativo do Norte, no acórdão datado de 6 de Março de 2015, "Como se salienta, entre outros, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 374/2002, o direito à habitação, enquanto direito a ter uma morada decente ou condigna (65.1! da CRP), assume essencialmente uma dimensão social de "um direito a prestações, de conteúdo não determinável ao nível das opções constitucionais, a pressupor, antes, uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, cuja efetividade está dependente da reserva do possível, em termos políticos, económicos e sociais". Ou seja, o direito à habitação, enquanto direito fundamental de natureza social, "pressupõe a mediação do legislador ordinário destinada a concretizar o respetivo conteúdo" (Acórdão do TC n.º 829/96), dele não se retirando um "direito imediato a uma prestação efetiva" (Acórdão do TC n.º 280/93." ." [Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 06 de Março de 2015, processo 01064/13.2BEPRT) (...) Por aplicação desta doutrina, no caso dos autos, com exceção do direito consignado no art, 36º, nº 5, da CRP, os demais integram-se, precisamente, na categoria de direitos económicos, sociais e culturais." [Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de Outubro de 2014, proferido no processo 0628/14].

    Pelo exposto, bem andou o tribunal a quo ao considerar que os vícios imputados pela Apelante ao ato administrativo, poderiam, ainda que de forma abstrata gerar anulabilidade do ato e não nulidade, na medida em que contrariamente ao argumentado pela Apelante tais vícios não violam o conteúdo essencial de um direito fundamental e consequentemente não se insere no disposto legalmente no artigo 161, nQ2 alínea d) do CPA.

    Assim sendo, é entendimento dos apelados que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício devendo consequentemente manter-se.

    Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado...

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