Acórdão nº 00923/14.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021
Magistrado Responsável | Frederico Macedo Branco |
Data da Resolução | 05 de Março de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I Relatório A CGA – Caixa Geral de Aposentações, no âmbito da Ação Administrativa intentada por M., tendente a impugnar o despacho proferido em 25/07/2014, cuja execução se iniciou em setembro do referido ano, e que considerou que, desde junho de 2012, estava a ser indevidamente paga à Autora o montante de pensão de aposentação, inconformada com a Sentença proferida em 3 de dezembro de 2018 no TAF de Viseu, que, em síntese, julgou a Ação procedente, veio, em 21 de janeiro de 2019 a interpor recurso jurisdicional da referida decisão para este TCAN.
Efetivamente, decidiu-se em 1ª Instância: “a) Anula-se o ato administrativo praticado pela Ré, implícito no ato de execução praticado a 19/09/2014, que ordenou a suspensão do pagamento à Autora da pensão de aposentação, e que ordenou a restituição à Ré das quantias abonadas à Autora no período compreendido entre 26/07/2012 e a data da sua desvinculação do contrato de trabalho celebrado com a ULS (...); e b) Anula-se o ato administrativo praticado pela Ré, a 05/02/2015, e que ordenou a restituição das quantias reputadas de indevidamente abonadas, por via do desconto mensal de 1/3 do valor da pensão, tudo com as demais consequências legais.
Formulou a aqui Recorrente/CGA nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões: “1.ª Resulta da matéria de facto dada como provada que a A./ora Rcda requereu, em 2010-12-27, através da USL o pedido de aposentação antecipada, tendo a rcda. indicado como data a considerar para efeitos de momento determinante da aposentação 2011-09-16 [(facto assente sob a alínea b)].
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E, por resolução da Direção da CGA, de 2012-02-23, foi reconhecido à Rcda. o direito à aposentação, nos moldes por ela precisamente requeridos, ou seja, aposentação antecipada, nos termos do disposto no artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, tendo-lhe sido fixada uma pensão de aposentação sem qualquer penalização [facto assente sob a alínea d)].
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Tendo tal facto sido comunicado quer à A./Rcda, quer á ULS [facto assente sob a alínea e)].
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Resulta da matéria de facto assente sob as alíneas F) a J) que, em 25 de junho de 2012, a ULS enviou à CGA uma carta, juntamente com uma declaração da interessada (em que esta afirmava não ter recorrido à aposentação antecipada), a informar que contactou a Rcda e que esta optava pelo pagamento integral da pensão com 1/3 da remuneração correspondente ao exercício de funções.
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Dúvidas não há de que estamos perante uma situação de acumulação indevida de pensões e remunerações, já que, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 6º do Decreto-lei nº 89/2010, tendo recorrido a mecanismos de antecipação da aposentação, durante o período em que exerceu funções remuneradas na Unidade Local de Saúde (...), a pensão de aposentação da interessada deveria ter sido suspensa.
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O princípio da boa-fé atua como limite da atividade discricionária da Administração.
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No caso concreto, não está em causa em primeiro lugar nenhum ato discricionário da CGA.
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Os atos da CGA que o tribunal anulou são vinculados – decorre da lei que os médicos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação ficam com a pensão suspensa.
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Um declaratário normal – ou destinatário comum – que tenha requerido uma aposentação antecipada, que lhe tenha sido expressamente deferida e comunicada, como no caso, não confunde o fundamento da sua aposentação com o montante da sua pensão (até porque também sabe que as pensões antecipadas podem ser atribuídas por inteiro, tendo sido, aliás, essa a razão pela qual a Rcda terá desistido da data inicialmente indicada no seu requerimento de aposentação – para a despenalizar na totalidade!).
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A boa-fé na atividade administrativa não impende só sobre a Administração, mas também sobre o particular.
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Não se pode igualmente chamar, para estes efeitos, à colação o comportamento da entidade empregadora pública que contratou a Rcda para imputar um vicio de violação do principio da boa fé ao ato praticado pela CGA – o que, do ponto de vista lógico, é um verdadeiro absurdo.
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Face ao principio da legalidade a que está adstrita a CGA, nos termos do artigo 3.º do CPA, a resolução da Direção da Caixa Geral de Aposentações, de 2015-02-05, que decidiu que a Rcda. deveria efetuar a regularização da situação, mediante a reposição das pensões indevidamente abonadas, designadamente mediante o desconto mensal da quantia indevidamente abonada na pensão do devedor, por compensação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do decreto-lei n.º 155/92, de 28 de julho, que não pode exceder 1/3 do valor da pensão, não é um ato discricionário, mas um ato vinculado, que não pode ser anulado com fundamento num principio geral de direito que visa limitar apenas a atividade discricionária da Administração.
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Pelo que violou a sentença recorrida, o disposto nos artigos 3.º e 6.º-A do CPA, bem como os n.ºs 4 e 5 do artigo 6.º 89.º do Decreto-lei n.º 89/2010, de 21 de julho, e 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, com as legais consequências.
A Recorrida veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 22 de fevereiro de 2019, nas quais se sumariou: “1. A douta sentença sob censura tem por base uma decisão da mais elementar justiça material.
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Não merecendo assim, qualquer reparo.
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Tem a mesma por suporte o princípio da boa-fé que impende sobre toda a administração, no caso concreto, na vertente a tutela da confiança e proteção das expectativas jurídicas.
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Constituindo tais princípios um limite ao poder da administração e uma válvula de segurança à sua atuação vinculada perante situações de clamorosa injustiça.
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Assumindo-se como princípios de segurança jurídica classificadores do estado de direito, assentes num mínimo de certeza e segurança quanto aos direitos dos cidadãos.
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A administração envolvida na contratação da recorrida criou nesta a convicção segura da legalidade da sua contratação e do seu quadro remuneratório.
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Induzindo-a em erro.
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Erro esse assente no silêncio confirmador durante mais de dois anos por parte da recorrente, não obstante estar na posse de todos os elementos e do quadro remuneratório da recorrida.
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Tal como resulta do ponto T) da matéria de facto dada como provada onde a recorrente admite “(...), não logrou, como lhe competia, confirmar se essa acumulação era possível.” 10. Tal convicção segura por parte da recorrida sobre a legalidade da sua contratação acumulação está patente nos pontos G), H), I), J), K) e T) dos factos dados como provados.
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Assente ainda no facto da pensão lhe ter sido concedida pela recorrente por inteiro.
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A sustentação dos atos impugnados no princípio da legalidade traduzir-se-iam na prática de atos em manifesto abuso de direito, porque “atraiçoam” o princípio da confiança nas expectativas jurídicas.
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A reposição do valor das pensões que a recorrente abonou paulatinamente à autora, durante mais de vinte quatro meses é demasiado penalizador para quem, num quadro de aposentação, exerceu funções públicas, acima de tudo, em prol do interesse publico e do cidadão e utente do S.N.S..
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Assegurando, num período de total carência de médicos especializados, a manutenção do serviço de ginecologia na Unidade Local de Saúde (...) EPE.
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Os atos impugnados compelem a recorrida para um quadro remuneratório ao longo de mais de dois anos próximo do limiar da subsistência o que não é adequado ao serviço prestado.
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Os atos impugnados violam assim, não só, o princípio da boa-fé, como ainda, os princípios que informam o relacionamento da administração com os particulares, bem como, da cooperação, da justiça, da proteção dos interesses do cidadão e da proporcionalidade.
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Impondo-se assim, a manutenção da douta sentença a qual, não merece qualquer reparo e, como tal deve manter-se.
Termos em que, negando provimento ao presente recurso V. Ex.ª(s) e, como sempre, farão Justiça!” O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 7 de março de 2019, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar Em função do Recurso apresentado, importa verificar, como alegado, se face ao principio da legalidade a que está adstrita a CGA, sempre esta estava obrigada a efetuar a regularização das Pensões pagas, mediante a reposição dos valores indevidamente atribuídos e pagos, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto Foi considerada a seguinte factualidade provada: “A) Em dezembro de 2010, a Autora exercia funções como Chefe do Serviço de Ginecologia, na sede da Unidade Local de Saúde (...), E.P.E. (cf. fls. 54 do PA – Pasta 1); B) A 07/12/2010, a Autora apresentou junto dos serviços da Ré requerimento para a atribuição de pensão de aposentação, indicando como fundamento o de pensão “Antecipada” e como data a considerar na aposentação a de 16/09/2011 (cf. fls. 42 a 45 do PA – Pasta 1); C) A 07/06/2011, a Aurora dirigiu à Ré uma comunicação, da qual consta, designadamente, o seguinte: “Venho, respeitosamente, solicitar que me seja anulada a data a considerar na Aposentação-16/09/2011-em virtude de desconhecer que o processo seria trabalhado na lei em vigor em 2011. Apelo à vossa sensibilidade, pelo facto de, em 16/09/2011 eu completar 62,5 anos de idade, podendo, por este facto, ser reformada sem penalização, se o processo for trabalhado após essa data. Desde já agradeço a vossa atenção e fico a aguardar a vossa resposta.” (cf. fls. 57 do PA – Pasta 1); D) A 23/02/2012, a Ré proferiu despacho a reconhecer à Autora o...
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