Acórdão nº 80/18.2PZLSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução10 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO: Nos autos acima referenciados foi deduzida pelo Ministério Público acusação com o seguinte teor: (…) Em processo comum e para julgamento perante Tribunal Singular, o Ministério Público acusa J., filho de (…) e de (…), natural de (…), nascido a (…), solteiro, preso no Estabelecimento Prisional de (…), Porquanto indiciam suficientemente os autos que: No dia 01/10/2014, o arguido passou a morar na residência sita na (…).

Naquela data, no 1.º Andar Direito, residia (…), a quem o arguido propôs a instalação do serviço da MEO para os canais televisivos, mediante a contrapartida de entregar a quantia mensal de € 20,00 ao mesmo.

Como (…) deu a sua anuência à referida instalação, o arguido, munido da identificação da ofendida (…), pessoa que lhe tinha vendido um veículo automóvel em data anterior àquela e a quem facultou cópia do cartão de cidadão, ligou para a linha de apoio da MEO e solicitou, em nome da mesma, a instalação do serviço da MEO Fibra para a seguinte morada: (…), e o serviço móvel, tendo sido atribuído o cartão (…), o qual ficou activo em 24/07/2017.

O serviço da MEO Fibra foi instalado em 30/07/2015, na residência sita na (…)..

O arguido passou a utilizar o cartão (…) como se fosse seu e beneficiou mensalmente da quantia de € 20,00 que o seu vizinho lhe entregava a troco do serviço que havia sido instalado na sua residência.

A MEO passou a facturar o serviço em nome de (…), sendo que as facturas nunca foram liquidadas.

Em 06/12/2017 a dívida ascendia a € 2.578,75.

Devido à falta de pagamento das facturas, aquele serviço veio a ser desactivado em 16/11/2015.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao contratar o serviço acima referido em nome da ofendida, querendo fazer crer aos funcionários da MEO que era vontade daquela e do seu conhecimento a contratação de tal serviço, o que não correspondia à verdade, porquanto a ofendida era desconhecedora de tal contratação, e ao agir da forma supra descrita ludibriou os funcionários daquela operadora, obtendo para si vantagem ilegítima, em detrimento do prejuízo que causou à ofendida que ascende à quantia de € 2.578,75.

Em conformidade, o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de burla, previsto e punível pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal.

(…) Remetidos os autos para julgamento, foram distribuídos como processo comum (tribunal singular) ao Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – Juiz 2, onde veio a ser proferido o seguinte despacho: (...) O Tribunal é competente.

Da ilegitimidade do Ministério Público para dedução de acusação: Nos presentes autos vem o Ministério Público deduzir acusação contra J. por o mesmo, munido da identificação de (…), e sem o conhecimento desta, ter solicitado, em nome da mesma, a instalação do serviço MEO fibra para a morada melhor identificada na acusação e o serviço móvel, tendo-lhe sido atribuído o cartão (…), que ficou ativo em 24.07.2017 e tendo o serviço sido instalado em 30.05.2015, na referida morada, no (…).

Mais se diz na acusação pública que o arguido passou a utilizar o cartão em causa e recebia 20,00 € mensais pagos pelo seu vizinho que beneficiava do serviço MEO fibra; a MEO faturava o serviço em nome de (…), sendo que as faturas nunca foram liquidadas, ascendendo a dívida, em 06.12.2017 a 2.578,75 €.

Por fim, afirma a acusação pública que: O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ao contratar o serviço acima referido em nome da ofendida, querendo fazer crer aos funcionários da MEO que era vontade daquela e do seu conhecimento a contratação de tal serviço, o que não correspondia à verdade, porquanto a ofendida era desconhecedora de tal contratação, e ao agir da forma supra descrita ludibriou os funcionários daquela operadora, obtendo para si vantagem ilegítima, em detrimento do prejuízo que causou à ofendida que ascende à quantia de € 2.578,75. (sublinhado nosso) * Resulta, assim, do exposto que a acusação identifica (…) como ofendida, apesar dos factos da acusação pública não revelarem tal situação.

Com efeito, segundo a acusação pública, o arguido ludibriou os funcionários da MEO, ao celebrar um contrato, em nome de outra pessoa, tendo levado tal entidade a prestar serviços no valor de 2.578,75 € que, ainda que faturados a (…), titular do contrato – nunca foram pagos. Daqui se conclui que o prejuízo ocorreu na esfera patrimonial da Operadora Meo – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. e não na esfera de (…).

Ora, a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º do CPP reserva o conceito de «ofendido» para o titular dos interesses «especialmente» protegidos pelo tipo legal incriminador, ou seja, dos direitos ou interesses que constituem a razão directa e imediata, situada em primeira linha, da infracção criminal. Sendo certo que, no crime de burla, ofendido é a pessoa cujo património ficou empobrecido, que pode não ser a mesma pessoa que é enganada. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07.04.2016, Processo n.º 798/15.1T9GRD-A.C1, in: www.dgsi.pt).

No caso dos autos, e de acordo com os termos da acusação, (…) nem foi patrimonialmente lesada, porquanto não pagou (nem se alega que tenha sido compelida a fazê-lo), nem foi enganada, porquanto foi igualmente a MEO a destinatária do ludibriamento.

Assim, a verdadeira ofendida...

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