Acórdão nº 334/13.4PCCBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução10 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra 1. Relatório F.

interpôs recurso da decisão proferida no processo n.º 334/13.4PCCBR, do Juízo Central Criminal de Coimbra (J4), Comarca de Coimbra, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

1.1. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente): “O arguido F. foi condenado nestes autos, por acórdão proferido em 23 de Abril de 2015, há muito transitado em julgado, como autor material de um crime de roubo agravado, p. e p. no art. 210º/n.

os 1 e 2-b), por referência ao art. 204º/n.º 2-f), ambos do Código Penal (C.P.), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, sendo todavia a respetiva execução suspensa pelo mesmo período temporal, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de reinserção social focado sobretudo na potenciação e preservação de hábitos de ocupação laboral, nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal (cfr. acórdão de fls. 102 a 108 deste processo, cujo teor ora se dá inteiramente por reproduzido).

Pois bem, decorrido todo o (já vasto) tempo desde a prolação do apontado acórdão, percebemos claramente, da análise dos presentes autos, uma certa postura remissa e negligente (para dizermos o mínimo…) do arguido naquilo que tem sido a (não) vivificação do plano de reinserção social a seu tempo definido, notificado àquele mesmo arguido e homologado pelo Tribunal. Plano de reinserção que passou, de forma decisiva, por estar o visado disponível e mostrar-se presente junto dos serviços de acompanhamento sempre que tal lhe fosse solicitado, mormente para fins da manutenção de um programa de abstinência a propugnar e monitorizar pelo Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra (plano de fls. 178 a 181), tudo com a finalidade de o afastar do “caminho” da prática de crimes – amiúde ligado, como sabemos, ao consumo de substâncias psicoativas.

Após uma primeira fase em que o arguido começou por denotar alguma adesão ao mencionado plano de reinserção social, a verdade é que veio o mesmo a faltar, de forma injustificada e sistemática, às convocatórias que lhe foram sendo feitas por parte dos referidos serviços de acompanhamento.

No contexto acabado de aludir, foi levada a cabo a audição do arguido, na presença da técnica dos serviços em causa, em 22 de fevereiro de 2018, tendo então feito o Tribunal uma solene advertência ao primeiro, para que ficasse bem ciente de que não seriam tolerados mais atos de negligência da sua parte relativamente ao cumprimento do plano, dizendo o arguido ficar consciencializado de tal necessidade (cfr., quanto a tais aspetos, o auto de tomada de declarações de fls. 237 a 240).

Desde então, e segundo os serviços de acompanhamento do arguido, recomeçou ele por mostrar algum empenho, inscrevendo-se no Centro de Emprego, comparecendo às entrevistas, e ainda a pouquíssimas consultas no Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra. Só que, passado algum tempo – e sempre mediante a utilização de expedientes explicativos sem consistência (a par da reafirmação de que não deixaria de consumir droga, por ser essa a sua vontade...) –, deixou novamente, e ao longo de bastantes meses, de comparecer, em termos pontuais, às consultas no mencionado Centro de Apoio a Toxicodependentes. E tanto assim foi que, conforme comunicação de abril do corrente ano de 2019, o arguido primou pela falta injustificada em quatro consultas, em julho, setembro e outubro de 2018 e janeiro de 2019 (fls. 274), tendo comparecido, neste mesmo último ano, somente a uma consulta, no mês de março; acresce, depois, ser visado em um processo na Comissão de Dissuasão da Toxicodependência, por posse de cocaína, onde também não comparece. Por último, diga-se ainda que, se é verdade continuar inscrito no Centro de Emprego, fazendo a renovação de inscrição ao fim de três meses, também não é menos verdade manter-se sem atividade laboral (vide relatório final de fls. 278 e 279).

Ao ser notificado para comunicar nos autos o que tivesse por conveniente quanto ao seu incumprimento do plano de reinserção, o arguido nada disse a tal propósito.

Ora, no quadro acabado de referir, opinou o Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da execução da pena na qual foi o arguido condenado.

E, de facto, aqui chegados, considerando todo o tempo transcorrido e as hipóteses concedidas ao arguido, vemos, em uma análise desapaixonada e realista da matéria, que da parte dele não ocorreram o investimento, a atenção e o cuidado que lhe seriam exigíveis para que o plano de reinserção social frutificasse como era suposto, deixando aquele mesmo arguido, pura e simplesmente, de se interessar pelo conteúdo do dito plano, maxime no tocante à questão da sua abstinência e ao acompanhamento que nesse domínio seria suposto ser efetuado pelo Centro de Apoio a Toxicodependentes de Coimbra.

Segundo o art. 56º/n.º 1 C.P., «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas».

De todos é sabido que a teleologia própria das denominadas penas de substituição, maxime das que substituem penas de prisão de curta duração, reveste uma inegável, embora não exclusiva, “colagem” à consecução dos objetivos de prevenção especial, intimamente conexionados a uma política criminal de reintegração do condenado na sociedade; isto, a par da necessidade de proteção de bens jurídicos (art. 40º/n.º 1 C.P.; a propósito, cfr.

Prof. Anabela Miranda Rodrigues, “Critérios de escolha das penas de substituição no Código Penal Português”, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia”, Coimbra, 1988, págs. 22 e 23, e 31 e ss.).

Mais concretamente, impõe o art. 50º C.P. a análise judicativa da especificidade de cada hipótese por forma a poder concluir-se (ou não) por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, isto é, por forma a entender-se (ou não) que a «(…) censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (…) “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (…)». E «para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o Tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto». Mas a lei torna também claro que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o Tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto» (Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português. As consequências jurídicas do crime”, Lisboa, 1993, pág. 343; no mesmo sentido, vide ainda Ac. Rel. Guimarães de 10/5/2010, in www.dgsi.pt).

Ora, a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão situa-se a jusante daquilo que acabamos de expor, devendo as causas da revogação serem entendidas «(…) como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado, com o seu comportamento, que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão» (Drs.

Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, “Código Penal Anotado”, volume I, 3ª edição, Lisboa, 2002, pág. 711), e que foram, como vimos, determinantes para essa mesma decisão suspensiva.

In casu, e como já dissemos, o arguido denotou um evidente alheamento em relação aos deveres que a ele incumbiam para efeitos de vivificação do plano de...

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