Acórdão nº 207/09.5PAAMD-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução09 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº207/09.5PAAMD, da Comarca de Lisboa Oeste (Juízo Local Criminal de Sintra - Juiz 4), por sentença de 11 de julho de 2012, transitada em julgado em 27-04-2016, o arguido M. foi condenado por um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de 5,00€.

Em 6 de julho de 2020, o Ministério Público promoveu “… a extinção da responsabilidade criminal do arguido M. Santos, por efeito da prescrição, nos termos do disposto no artigo 122, n°1, alínea d) e 2, do Código Penal”.

Por despacho de 13 de Julho de 2020, o Mmo Juiz decidiu: “… Veio o M.P. promover a extinção da responsabilidade criminal do arguido, por efeito da prescrição, nos termos do disposto no artigo 122°, n.° 1, alínea d) e 2, do Código Penal.

Compulsados os autos, verifica-se que o arguido nunca requereu o pagamento da pena de multa em prestações, nem se logrou obter a cobrança voluntária ou coerciva do pagamento da referida pena.

Nos termos do disposto no artigo 122.°, n.° 1, alínea d), e n.° 2, do Código Penal, as penas não contempladas nas alíneas antecedentes - nas quais se incluem as penas de multa - prescrevem no prazo de 4 (quatro) anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Acontece que, o artigo 7°, n.° 3 da Lei n.° I -A/2020, de 19-03 veio estipular que "A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos".

Defende o M.P. que sucessão de leis processuais materiais rege-se pelo principio da proibição da retroatividade da lei penal desfavorável, consagrado no artigo 29°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa e 2°, n.° 1 e 4, do Código Penal, pelo que não se pode tomar em consideração uma causa de suspensão da prescrição não prevista à data da condenação, sob pena de prejudicar os interesses do próprio arguido.

No entanto, in casu, não podemos falar de urna verdadeira sucessão de leis, mas sim de um diploma que contempla as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID- I 9.

A ser assim, considera-se que o mesmo se aplica ao caso dos autos, pois a não se entender assim, ficava tal preceito legal sem aplicação.

Face ao supra exposto, pelos fundamentos de facto e de direito supra explanados, considera-se que a pena de multa aplicada ao arguido ainda não prescreveu.

…”.

  1. Deste despacho de 13 de julho de 2020, recorre o Ministério Público, motivando o recurso com as seguintes conclusões: 1 — Por douta sentença, transitada em julgado no dia 27-04-2016, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3°, n.° 1 e 2 do DL nº2/98, de 03-01, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante global de €375,00 — cfr. fls. 184-192 e 302.

    2 - Pese embora as inúmeras diligências realizadas, não se logrou obter o pagamento voluntário nem coercivo da pena de multa em que o arguido foi condenado, razão pela qual que se determinou a conversão da referida pena em 50 dias de prisão subsidiária —cfr. fls. 319 e 326.

    3 - Aberto Termo de "Visto" ao Ministério Público, em 06-07-2020, este pronunciou-se no sentido da prescrição da pena de multa, nos termos do disposto nos arts. 122°, n.2 1, al. d) e n.° 2 do CP, alegando que a aplicação do disposto no n.° 3 do art. 7 da Lei n.° 1-A/2020, de 19-03 violaria o princípio constitucional da proibição da aplicação da lei penal mais desfavorável (cfr. art. 29°, n.° 1 e 4 da CRP e art. 2°, n.° 1 e 4 do CP) — cfr. "Ref. Citius" n.

    9 125763022.

    4 - Acontece que a M.ma Juiz do Tribunal a quo entendeu que apena ainda não se encontrava prescrita, aduzindo que "in casu, não podemos falar de uma verdadeira sucessão de de leis, mas sim de um diploma que contempla medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiolóqica provocada pelo coronavírus SARS — COV.2 e da doença COVID-19" pelo que "A ser assim, considera-se que o mesmo se aplica ao caso dos autos, pois a não ser assim ficava tal preceito sem aplicação"— cfr. "Ref. Citius" n.

    2 125876852.

    5 - É deste despacho que recorremos, por entendermos que lá decorreu, na sua íntegra, o prazo de prescrição da pena de multa aplicada nos presentes autos.

    6 — Cumpre, pois, saber se é de aplicar o disposto no nº3 do art. 79 da Lei nº1A/2020, de 19-03, que consagra uma nova causa de suspensão da prescrição das penas, ou se é de excluir a sua aplicabilidade, por violar o principio constitucional da não retroatividade da Lei Penal.

    7 - Como corolário do princípio de legalidade, o Direito Penal acolhe o princípio da aplicação da lei penal favorável, numa dupla formulação: seja da proibição da retroatividade de lei penal desfavorável, seja da imposição da retroatividade de lei penal favorável.

    8 - O principio da não retroatividade da Lei Penal, consagrado no art. 29, nº1 e 4 da CRP e art. 2, nºs 1 e 4 do CP, constitui uma das inquestionáveis conquistas do Estado de Direito moderno, sendo hoje unanimemente aceite que também a sucessão de leis processuais penais materiais se rege pelos princípios constitucionais da proibição da retroatividade da lei penal desfavorável e pelo da retroatividade da lei penal favorável.

    9- Como refere Taipa de Carvalho, in "Sucessão de Leis Penais", Coimbra 1990, Pág. 71.

    "O Estado de Direito Material, na sua função de proteção da pessoa humana com a decorrente afirmação da liberdade como princípio geral e fundamental, não apenas proíbe a retroatividade das leis penais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT