Acórdão nº 128/20.0JELSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora* 1. RELATÓRIO Nos autos de inquérito em referência, proferiu-se, no Juízo de Instrução Criminal de Setúbal, os despachos do seguinte teor: 1) - em 22.09.2020: «Notifique os arguidos para, querendo, em 5 (cinco) dias se pronunciarem sobre a requerida declaração de especial complexidade do processo – artigo 215º nº 4 do Código de Processo Penal.»; 2) - em 01.10.2020: «Fls. 578 e 579: Vêm os arguidos invocar a irregularidade da notificação para se pronunciarem quanto à declaração de especial complexidade do inquérito requerida pelo Ministério Público, invocando que não lhe foram comunicados os fundamentos para tanto invocados e que, por isso, não se podem sobre eles pronunciar.

Cumpre apreciar e decidir.

Como se extrai facilmente do despacho de 22.09.2020, o Ministério Público requereu que fosse declarada a especial complexidade do inquérito.

O Tribunal concedeu prazo aos arguidos para contraditório, nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do CPP, pois não pode a especial complexidade do processo ser declarada sem que os arguidos sejam ouvidos a tal propósito.

Sucede que os presentes autos estão em segredo de justiça e, como tal, sujeito à disciplina aperta do artigo 86.º do CPP, pelo que o desvendar aos arguidos dos fundamentos concretos a que o Ministério Público se socorre para justificar a declaração de especial complexidade poderia abrir a porta a que se divulgasse ou comunicasse diligências probatórias em curso, comprometendo deste modo o sucesso da investigação e a procura da descoberta da verdade material (designadamente no que concerne ao eventual envolvimento de outras pessoas nos factos e sua localização), assim mitigando fortemente o segredo de justiça que vigora neste inquérito.

Como é sabido, o contraditório a que alude o n.º 4 do artigo 215.º do CPP não significa que os arguidos tenham que contraditar em concreto os fundamentos do Ministério Público, mas tão-só que, como base nos elementos objetivos já conhecidos dos autos, possam tomar posição sobre a eventual declaração de excecional complexidade nesta fase do inquérito. Essencial é que os arguidos sejam ouvidos quanto à aplicação do instituto em si, apresentando as razões pelas quais entendem que o inquérito não se reveste de especial complexidade, e não que aproveitem para rebater os fundamentos apresentados pelo Ministério Público.

De resto, como tem sublinhado a jurisprudência a respeito desta mesma questão, “a não notificação ao arguido do teor integral da promoção do Ministério Público em que se requer a declaração de especial complexidade do processo não integra nulidade (…) na fase de inquérito o princípio do contraditório não funciona na sua plenitude, desde logo quando os autos estão sujeitos ao segredo de justiça na sua vertente de segredo interno” (Acórdão do TRL de 29.09.2015).

Entende-se, pois, que a circunstância do inquérito se encontrar sujeito a segredo de justiça impossibilita a notificação aos arguidos do referido despacho do Ministério Público.

Face ao exposto, indefere-se o requerido.

Notifique.»; 3) - em 08-10-2020: «A fls. 554 dos autos veio o Ministério Público requerer a declaração de especial complexidade do inquérito.

Foi dado contraditório aos arguidos.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 215.º do CPP, a especial ou excecional complexidade do processo pode ser declarada se se verificarem circunstancialismos que denotem a acrescida dificuldade no decurso do processo, nomeadamente, pelo acrescido número de arguidos ou de ofendidos ou que atendam ao carácter altamente organizado do crime. A excecional complexidade apenas pode ser declarada durante a primeira instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.

Os presentes autos encontram-se em segredo de justiça, o que, desde logo, obriga o Tribunal a limitar ou restringir o princípio do contraditório dos arguidos – em termos proporcionais, adequados e necessários – não vigorando aquele ainda na sua plenitude neste inquérito, prevalecendo a descoberta da verdade material e a realização da Justiça.

A investigação aponta para um elevado grau de complexidade e sofisticação dos meios usados na atividade criminosa que dela é objeto, e ainda para que na sua base estará uma teia de contactos que apoiará e suporta tal atividade, podendo surgir novos elementos envolvidos na prática dos factos em investigação.

Mais, os factos sob investigação apontam para eventual existência de conexões com o estrangeiro e para uma estrutura altamente organizada, sendo precisamente de concluir pelo carácter altamente organizado do crime, com dimensão para além das nossas fronteiras.

Os elementos recolhidos até ao momento impõem o alargamento da investigação, o que implica mais tempo na realização das diligências probatórias ainda a realizar neste inquérito.

Tais circunstâncias levam a concluir estarmos perante um processo de excecional complexidade, o que, por isso, importa declarar.

Pelo exposto, acolhendo os argumentos expendidos pelo Ministério Público a fls. 554 (frente e verso), declara-se de excecional complexidade o procedimento criminal a que se reportam os presentes autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 215º, nº s 2, 3 e 4 do Cód. P. Penal.

Notifique.».

Inconformados com tais despachos, os arguidos, (…), interpuseram recurso, formulando as conclusões:

A) Dos despachos de 22.09.2020 e de 01.10.2020: 1. O despacho proferido em 22.09 refere-se à audição do arguido acerca da declaração de excecional complexidade, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 215.º do CPP.

  1. Do referido despacho nada resulta sobre os eventuais fundamentos em que o Ministério Público se baseou para requerer a declaração de excecional complexidade, o que se impunha, de forma a dar cumprimento ao princípio do contraditório.

  2. Conforme entendimento pugnado no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Processo 217/15.3GCSAT-AZ.C1, de 13.03.2019, disponível em www.dgsi.pt): “Quando a iniciativa processual tendo em vista a declaração da excepcional complexidade do processo pertence ao Ministério Público, faz todo o sentido que o arguido seja notificado do teor dessa promoção, que conterá com certeza os fundamentos alegados, para sobre eles se pronunciar, querendo, o arguido. E só em caso de notificação desse teor da promoção e concessão do respetivo prazo para responder, se deve considerar que foi cumprida a obrigatoriedade legal de audição do arguido consagrada no citado nº 4, do artigo 215º.

    Esta audição tem, na verdade, o sentido e o efeito do cumprimento do princípio do contraditório, pois o impulso processual para apreciação da questão pertence ao Ministério Público.” 4. O despacho recorrido veio totalmente desacompanhado de qualquer elemento ou súmula que evidenciasse os fundamentos elencados pelo Ministério Público no seu requerimento.

  3. Os recorrentes ficaram prejudicados no seu direito de defesa e exercício do contraditório, na medida em que não lhes foram indicados fundamentos que permitissem orientar a sua pronúncia.

  4. E, de outro modo, os recorrentes não têm como saber os fundamentos que motivaram a requerida declaração de excecional complexidade do processo.

  5. Ao não terem sido fornecidos esses fundamentos, ainda que em traços gerais, o despacho judicial de 22.09 é irregular, tal como foi arguido pela defesa, por requerimento de 28.09.

  6. Sempre se impunha que fossem comunicados aos recorrentes, ainda que por súmula, os fundamentos apontados pelo Ministério Público para requerer a excecional complexidade.

  7. Os despachos proferidos em 22.09 e 01.10 violaram: a) a obrigatoriedade legal de audição do arguido consagrada no artigo 215º, nº 4, do Código de Processo Penal, b) os princípios da igualdade...

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