Acórdão nº 145/18.0GCSSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelBERGUETE COELHO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1.

RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, a arguida (...) foi pronunciada pela prática, como autora material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do Código Penal (CP).

A ofendida, (...), deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada, no valor de 6.000,00 euros englobando danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

Foi apresentada contestação, relativamente à acusação e ao pedido de indemnização civil.

Realizado o julgamento e proferida sentença, decidiu-se: - julgar procedente, por provada, a acusação e, parcialmente procedente, o pedido de indemnização civil; - condenar a arguida, em autoria material e na forma consumada, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP, na pena de 90 dias multa à taxa diária de 5,00 euros, perfazendo 450,00 euros; - condenar a demandada, (...), a pagar à demandante, (...), a indemnização na quantia de 500,00 euros; Inconformada com tal decisão, a arguida/demandada interpôs recurso, formulando as conclusões: IO presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da douta sentença proferida nos presentes Autos em que condenou a Recorrente pela prática do crime de ofensa a integridade física simples p. e p. pelo Artº. 143º, nº 1 do C. Penal e condenou ainda a Recorrente a pagar à demandada (...) na indemnização de € 500,00 (quinhentos euros).

II O Tribunal “a quo” considerou provada a seguinte matéria de facto: “1. No dia 14.05.2018, pelas 14:00 horas, no interior do estabelecimento comercial denominado (…), sito na Rua (…), onde ambas trabalhavam, a arguida, (...), e (...), adiante designada por ofendida, iniciaram discussão motivada por questões de serviço; 2. A responsabilidade das reservas de mesa era de (…); 3. A escolha do peixe cabia aos empregados de mesa, como na altura era a categoria profissional da arguida, (...); 4. (...) para além de reservar a mesa para um cliente, escolheu o peixe para a refeição daquele e grupo de pessoas que o acompanhava; 5. A mesa reservada pertencia à área, no restaurante, que cabia à arguida, (...), servir às mesas e escolher o peixe; 6. (...) na discussão por questões de serviço referida no facto provado 1., dirigindo-se a (...): “Tu serves para ser peixeira”, na presença dos demais colegas; 7. Ao que (...) respondeu insistentemente “olha que te dou”; 8. (...) respondeu insistentemente a (...) dizendo: “Então dá lá”; 9. Nessa sequência, a arguida desferiu uma chapada leve na face da ofendida, após o que ambas agarraram mutuamente os cabelos uma da outra, até que os restantes funcionários as separaram; 10. Na sequência da chapada desferida pela arguida (...), (...) não recebeu tratamento médico; 11. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito, que logrou alcançar, de molestar o corpo da ofendida; 12. A arguida sabia ainda que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; 13. Teor do certificado de registo criminal da arguida (primária); 14. (...) sentiu dores no couro cabeludo em consequência do agarrar de cabelos; 16. O estabelecimento, naquela hora, encontrava-se com clientes a tomar as suas refeições; 17. Os clientes assistiram ao sucedido; 18. Devido ao conteúdo dos factos provados 1. e 9. 16. e 17. foi levantado processo disciplinar à demandada, (...), pela entidade patronal, assim como à demandante, (...); 19. Não tendo respeitado o aviso prévio, foram-lhe descontados dos créditos laborais 500,00 euros; 20. O vencimento base de (...) era de 500,00 euros, quantia essa que deixou de auferir mensalmente, a partir de julho de 2018; 21. A demandante soube, através de outra pessoa, que a demandada, (...), terá afirmado que quando a apanhasse “a desfazia toda”: 22. A demandada agiu com consciência e intenção de ofender o corpo e a saúde da demandante, o que conseguiu, causando-lhe dores no couro cabeludo; 23. (...) trabalhava no (...) há nove anos; 24. E acabou por ser despedida na sequência de tal processo disciplinar relativo à situação da primeira nota de culpa e de uma segunda, que foi impugnada em acção judicial de apreciação de regularidade e licitude do despedimento, que correu termos junto do Juízo de trabalho de Setúbal - Juiz 1 - Proc. nº 6684/18.6T85TB; 25. No âmbito do qual foi a arguida indemnizada pela entidade patronal representantes legais do (...), no montante de 15.000,00 euros; 26. (...) na sequência do mencionado processo disciplinar apresentou carta de demissão à então sua entidade patronal representantes legais do (...); 27. (...) trabalhou no (...) durante cerca de um ano e tal: 28. A arguida vive sozinha é solteira e não tem filhos; 29. Em casa arrendada pelo valor mensal de 330,00 euros; 30. É empregada de mesa no restaurante (…); 31. Aufere mensalmente 635,00 líquidos.

IIIDa prova produzida em nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 8 - factos dados como provados - ficou provado que a ocorrência dos factos e seu circunstancialismo deveu-se à demandada (...), que insistentemente provocou a Arguida e a injuriou.

IVA Recorrente e demandante eram empregadas no Restaurante (...), em (…), tendo cada qual funções de serviço bem determinadas e que tinham de ser respeitadas para o bom funcionamento do serviço e clientela.

VNo ponto nº 3 dos factos provados competia à Recorrente a escolha do peixe para os seus clientes na mesa reservada pela demandante, que era essa a sua função, tendo esta usurpado as funções da Recorrente com a escolha do peixe para os clientes sem o seu conhecimento.

VIA usurpação das funções pela demandante provocou uma discussão, tendo esta, perante os muitos clientes a almoçar, dito à Recorrente: “Tu serves é para ser peixeira”, o que provocou nesta um sentido de humilhação, desprezo e ofensa à sua honra e dignidade.

VIIDa prova do ponto nº 7, verifica-se que a Recorrente, a titulo de advertência retorquiu, dizendo: “Olha Que eu te dou!”, tendo a demandante respondido insistentemente: “Então dá lá!” VIIIDa prova constante do ponto nº 9 resulta que a Recorrente desferiu uma “chapada leve” na face da demandante e agarraram mutuamente os cabelos uma da outra.

E,IXResulta da prova do nº 10 que a demandante (...), não recebeu qualquer tratamento médico.

XA douta motivação relativa à prova do ponto nº 10 pela Mª. Juiz é peremptória ao referir que não se provou que a Ofendida tenha sentido dor na parte da sua cara atingida pela “chapada leve” que fora desferida pela Recorrente e que o conceito de “chapada leve” encerra em si mesmo e perante o depoimento da única testemunha presencial dos factos da agressão – (…) - que afirmou não existir chapada ou chapadão, mas tão somente “um enxota moscas”, ou seja uma palmada leve.

XIResulta inequívoco da prova dada como assentem que a Recorrente não cometeu o crime de que veio acusada, não agredindo a face da Ofendida, que confessou não ter tido qualquer dor, nem recorrido a assistência médica e sem a menor das consequências.

XIIA Mª. Juiz condenou a Recorrente a pagar a indemnização de € 500,00 à Ofendida pelas dores sofridas por esta no couro cabeludo, motivado aos puxões que cada uma praticou, mas que não está no âmbito da acusação, atento o depoimento da testemunha (…) - empregado de mesa no dito (...), que separou a Recorrente e Ofendida, queixando-se esta de dores no couro cabeludo mas nunca das faces e da cara.

XIIIO Tribunal “a quo” fez incorrecta aplicação do Direito ao condenar a Recorrente, nos termos do Artº. 143º, nº 1 do C. Penal.

XIVDa matéria de facto provada a Recorrente apenas exerceu retorsão sobre a Ofendida perante as sucessivas provocações de que foi vítima e sentir-se injuriada e enxovalhada perante os colegas e clientes presentes.

XVNa douta motivação a Mª. Juiz refere: Recorrente fora provocada pela Ofendida e encontrava-se nervosíssima e fora de si, sem que tivesse consciência dos seus actos.

XVINão existiu dano moral, porque não existiu a menor gravidade com o gesto “enxota moscas” da Recorrente, nem do mesmo acto resultou a menor consequência para a Ofendida.

O Tribunal “a quo” não considera o equilíbrio, a objectividade e o sentido das proporções do dano existentes.

XVII O Tribunal “a quo” perante a prova dos factos, deu por provado que fora a Ofendida o agente provocador e desestabilizador do normal funcionamento do trabalho e pela injuria provocada, o que ocasionou a alteração do estado psico-físico da Recorrente no direito de resposta às agressões sucessivas de que fora vítima.

O Tribunal “a quo” deveria aplicar o principio de “in dubio pro reo” e absolver a Recorrente, quer da imputação criminal, quer do pedido civil.

XVIIIA ofensa corporal de que a Arguida é acusada não atingiu dignidade penal por se tratar de um gesto “enxota moscas” e por isso não é subsumível à previsão do Artº. 143º, nº 3, alíneas a) e b) do C. Penal, por ser insignificante, considerando a objectividade da gravidade da ofensa, que foi nula.

NESTES TERMOS E nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser a Recorrente absolvida de crime de ofensas corporais em que foi condenada, bem como do respectivo pedido de indemnização civil.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1) No caso em apreço, a Recorrente questiona a apreciação que o Tribunal “a quo” fez da prova produzida em julgamento; 2) “(…) De entre estas circunstâncias importa-nos no caso concreto o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT