Acórdão nº 01269/13.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO D.

, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em 22 de outubro de 2018, julgou a presente ação totalmente improcedente, e, consequentemente, absolveu a ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

  1. Porque não conhece do vício de violação do princípio da imparcialidade da atuação da Administração Pública, consagrado no art. 6.° do CPA e concretizado na disposição do art. 44.°/1-d) do mesmo Código - vício qua havia sido suscitado na petição inicial -, a sentença sofre da nulidade cominada no art. 615.°/1-d) do CPC.

    b)Está adquirido nos autos que o vogal do Conselho Disciplinar da recorrida incumbido da instrução do processo disciplinar aberto contra o ora recorrente, o Dr. F., foi também, para além de acusador e autor da proposta de deliberação impugnada nos autos, participante na respetiva votação.

  2. Esta identidade entre o instrutor, o acusador e o aplicador da pena constitui uma violação flagrante da estrutura acusatória de qualquer processo sancionatório, seja penal, contra-ordenacional ou disciplinar, que constitui uma garantia institucional de imparcialidade, sem a qual não pode assegurar-se que o juízo de quem julga não é contaminado pelo juízo de quem acusa.

  3. A participação daquele vogal do Conselho Disciplinar da entidade recorrida na deliberação que condenaria o arguido, ora recorrente, constitui uma violação do disposto nos arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal.

  4. Estes preceitos, que sempre seriam aplicáveis, diretamente, enquanto emanação do disposto no art. 32°/10 da Constituição da República, são, de todo o modo, objeto da expressa remissão constante da alínea a alínea e) do art. 48.° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27, de 09 de fevereiro de 2010), que determina que"nenhum membro do Conselho Disciplinar pode intervir na instrução ou julgamento de processos disciplinares ou de inquérito (...) quando se verificar qualquer dos casos de impedimento previstos na legislação processual penal”.

  5. Interpretados no sentido de o vogal (do Conselho Disciplinar) instrutor do processo disciplinar poder participar e/ou votar na deliberação final condenatória do arguido, os arts. 63.°, designadamente o seu n.° 4, e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27, de 09 de fevereiro de 2010), são normas inconstitucionais por violação do disposto no art. 32.°/10 e 266.°/2 da Constituição da República, na parte em que consagra o princípio da imparcialidade - questões de constitucionalidade que, aqui, desde já, para todos os efeitos, desde já se deixam invocadas.

  6. O facto de o Conselho Disciplinar da entidade recorrida, na deliberação impugnada, se limitar a identificar as normas que considera terem sido violadas pelo arguido, ora recorrente, e a enunciar, de modo abstrato, sem qualquer concretização factual, as infrações disciplinares que lhe imputa, constitui violação do dever de fundamentação dos ato administrativos, consagrado e configurado nos arts. 124.°/1-a) e 125.°/1 do CPA - norma esta que determina a necessidade de a fundamentação do ato incorporar, expressamente, os "fundamentos de facto da decisão''.

  7. A tese do tribunal recorrido, segundo a qual o ato impugnado “apropriou” o relatório do instrutor (tese que, se fosse correta, tornaria ainda mais chocante a violação da estrutura acusatória do processo - pois que o órgão decisor se limitaria a assimilar a proposta do instrutor) não respeita, porém, nem o conteúdo do ato impugnado nem a estrutura que o Regulamento Disciplinar lhe imprime.

  8. A decisão final do processo disciplinar não pode rebaixar-se ao estatuto de mera homologação, ou apropriação, do relatório do instrutor, exigindo-se (exigindo o art. 63.°/4 do Regulamento Disciplinar) uma decisão autónoma, relatada pelo presidente do órgão colegial.

  9. O tribunal recorrido violou as normas seguintes: arts. 608.°/2 e 615.°/1-d) do CPC; arts. 32.°/10 e 266.72 da Constituição da República; arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal; arts. 124.°/1-a) e 125.°/l do CPA, na versão em vigor ao tempo dos factos; arts. 63.° e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27 (…)”.

    *Notificado que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou nos seguinte termos:”(…) A} Questão Processual: & 1 Nulidade da sentença do Tribunal a quo por omissão de pronúncia 1) Contrariamente ao que refere o Recorrente, o Digníssimo Tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada violação do princípio da imparcialidade e dos também invocados pelo Recorrente violação impedimentos previstos no art.° 39.° e seguintes do Código Penal, negando expressamente a sua existência no caso da deliberação disciplinar em apreço (vide fls.18,19 e 29 da douta sentença); por conseguinte, não devendo proceder a invocada pelo Recorrente nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a violação do princípio da imparcialidade.

    1. Questões de Direito substantivo: & 1 Nulidade do acórdão do Conselho Disciplinar da Recorrida por violação do princípio do acusatório; 2) Os art.°s 63 n° 4 e n° 8 e 35° do RD e o art.° 83° n° 2 do EOROC estabelecem expressamente que o Instrutor seja um membro do Conselho Disciplinar e que este vote na deliberação punitiva; 3) Tendo em conta a especificidade do processo disciplinar, designadamente, a não existência de uma estrutura acusatória, pois como acima ficou demonstrado, o EOROC e o RD não fazerem separação de poderes entre o instrutor e o decisor, sendo que neste processo disciplinar (por natureza uno), a decisão não constitui uma fase diferente como acontece no processo penal; 4) O art.° 32.° da CRP sob a epígrafe “garantias do processo criminal” só se aplica ao processo criminal - o direito penal prescreve as sanções mais gravosas da nossa ordem jurídica, pelo que há uma necessidade acrescida de consagrar direitos e garantias, sendo o direito disciplinar um minus face ao direito penal, afasta o Princípio do Acusatório do processo disciplinar.

    5) Por outro lado, os impedimentos do instrutor do processo disciplinar estão expressamente previstos no art.° 48.° do RD, pelo que não existe lacuna: 6) Caso existisse lacuna, o que não se concede, ainda assim, nunca se aplicariam, no caso em apreço, os impedimentos previstos nomeadamente no CPP, que em caso algum não podem ser aplicados “tout court”, sendo necessário aplicar com as necessárias adaptações.

    7) Saliente-se o caráter residual do processo penal relativamente ao processo disciplinar resulta do art.° 84.° do RD, que apenas é aplicável em caso de lacuna, em tudo o que não estiver previsto no RD, no EOROC, a título subsidiário, e, no final da ordem estabelecida, a seguir ao Código de Procedimento Administrativo (CPA); 8) E a própria lei das associações públicas profissionais Lei 2/2013 de 10 de janeiro, estabelece no n.° 8.° do art.° 18° com a epígrafe “poder disciplinar “ que “nos casos omissos, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas procedimentais previstas no estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, que também afasta, assim, a aplicação do direito processual penal; 9) Acresce que, o Conselho Disciplinar da OROC tem autonomia decisória, podendo a deliberação não coincidir com a sanção proposta pelo instrutor, que não subordina a decisão punitiva; 10) A posição individual do instrutor de 1/5 não tem qualquer expressividade face à decisão coletiva; nem se exige unanimidade no RD para a deliberação punitiva; 11) Não se vislumbrando perante a evidência e a gravidade das infrações disciplinares cometida peio Recorrente que a decisão pudesse ser não coincidir com a presente, ainda que o Vogal Instrutor não tivesse votado; 12) Saliente-se que, como aliás bem se refere no acórdão do STJ de 2003.09.24- rec.° n.° 3739 e do acórdão do STA de 14.06.2005, proferido no proc.0 0443/05 referente à então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ex-CTOC), invocado pelo Recorrente, nos processos sancionatórios, sempre que estes não disponham de regras próprias que salvaguardem aqueles valores - (objetividade e isenção- corolários do princípio da imparcialidade), é necessário arredar o julgador que inquine a posição de objetividade da decisão a proferir.

    13) no caso do presente processo disciplinar encontra-se salvaguardado o principio da imparcialidade porquanto, nos estatutos da OROC e na respetiva regulamentação existem regras próprias que salvaguardam aquele princípio, destacando-se, assim, a isenção e a independência que advêm naturalmente da apreciação do relatório, subjacente ao princípio da livre apreciação de prova, por mais quatro pessoas diversas do instrutor e, por um órgão (conselho disciplinar) diferente do próprio instrutor, da diminuta ponderação que o voto do instrutor tem na votação, da não exigência de unanimidade da votação e dos demais regras referentes a garantias de defesa e independência).

    14) Não ocorrendo, qualquer violação dos princípios constitucionais consagrados no art.° 32° ou no art.° 266 n.° 2 da CRP ou do art.° 6° do CPA, pois foram salvaguardadas todas as garantias audiência e de defesa.

    15) a existência de lacuna nas normas da ex-CTOC quanto à previsão do instrutor votar a deliberação punitiva e quanto aos impedimentos do instrutor (o que como vimos não acontece no caso da OROC), o não afastamento da estrutura acusatória (como acontece no caso das normas da OROC desde logo porquanto está previsto que o instrutor é designado de entre os membros do conselho disciplinar (83.° n.° 2 do EOROC e art.° 35.° do RD)...

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