Acórdão nº 1123/08.3BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório M... (Recorrente), contra-interessado nos autos intentados pelo Ministério Público contra o Município de Setúbal, interpôs recurso jurisdicional do acórdão de 20.12.2013 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, reiterando anteriormente decidido em singular, julgou “não declarar a nulidade dos actos impugnados” e “condicionar o decidido ao facto do Município de Setúbal requerer, em 10 dias, o Parecer ao Parque Natural da Arrábida (PNA), após o que, e perante a sua emissão, o procedimento prosseguirá os ulteriores procedimentos aplicáveis”.

No acórdão recorrido, por remissão para a sentença de 27.06.2011, entendeu-se que se estava em presença de vicio meramente procedimental, por inexistir qualquer parecer formal do PNA a inviabilizar o edificado; porém, atento o estatuído no nº 3 do art. 134.º do CPA, entendeu-se, também, não se declarar a suscitada nulidade, condicionada à correcção procedimental no sentido de ser pedido e emitido o referido Parecer ao PNA.

Não se conformando, o Contra-interessado e ora Recorrente recorre para este TCAS, culminando as alegações de recurso que apresentou com as seguintes conclusões: «Imagem no oiginal» O Ministério Público contra-alegou e apresentou recurso subordinado, com as seguintes conclusões: O Contra-interessado não contra-alegou no recurso subordinado.

• Com dispensa dos vistos legais, importa apreciar e decidir.

• I. 2.

Questões a apreciar e decidir: As questões suscitadas pelo Recorrente M...

, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em julgamento de direito ao ter concluído pela falta do Parecer do Parque Nacional da Arrábida (PNA) e assim condicionando a nulidade do acto de licenciamento ao mesmo, entendendo antes o aqui Recorrente que face ao regime jurídico aplicável no PNA que a respectiva inércia equivale a um parecer tácito de concordância.

O Ministério Público no recurso subordinado suscita a nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão, omissão de pronúncia, bem como imputa-lhe erro de julgamento ao não ter declarado nulos os actos impugnados.

• II.

Fundamentação II.1.

De facto A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

• II.2.

De direito O Recorrente M...

, sustenta, em síntese, que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 19.º, n.ºs 9 e 11 do RJUE, para além de fazer incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a) e 68.º do RJUE e do artigo 12.º, al. a) do Decreto-Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro. Alega que se tem de concluir que a não emissão de parecer pelo Parque Natural da Arrábida (PNA), no prazo legal de 45 dias, equivaleu a concordância ou deferimento tácito .

O Ministério Público, para além das invocação das suscitadas nulidades, alega, no essencial, que a violação das normas que regulamentam o Parque Natural da Arrábida, na disposição conjugada dos artigos 12° e 19º, nº 2 e 5 do Decreto Regulamentar 23/98 e artigo 2°, nº 2, al. c) do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, inquina de nulidade os actos administrativos que deferiram o licenciamento de obras e a concessão de alvará (alvará de licença de construção n.º 126/05, processo camarário n.º 675/02), nos termos do disposto nos artigos 103° Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, 68.º , al. a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Mais alega que o tribunal a quo errou na aplicação do art. 134.º, n.º 3, do Código de Procedimento Administrativo.

Vejamos o que na sentença, depois vertida em acórdão, se escreveu para fundamentar o decidido: “(…) Para além de tudo quanto se dirá, importa sublinhar que vindo requerida a nulidade dos actos urbanísticos identificados, terá o alegado de ser ponderado, designadamente, à luz do estatuído no Artº 134º nº 3 do CPA que impõe que o regime da nulidade “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos … de harmonia com os princípios gerais de direito.” Na mesma linha aponta a filosofia subjacente ao Acórdão do STA nº 0286/05 de 16-03-2006, quando refere que a declaração de que um acto é nulo não pode fundar-se em juízos de mera probabilidade, mas exige a enunciação de um juízo assertórico, senão mesmo apodíctico.

A declaração de que um acto é nulo, pela sua lesividade e potencial gravidade, não pode fundar-se em juízos de mera probabilidade ou da apreciação descontextualizada da realidade, sem atender a todo o seu enquadramento, mal se compreendendo que se declarasse a nulidade de um licenciamento para em momento ulterior vir a ser aprovado idêntico projecto.

Ao Tribunal não compete, perante a factualidade que lhe é presente, concluir se a solução urbanística encontrada é boa, harmoniosa ou desejável, mas tão-só verificar se a mesma se conforma com os normativos com os quais tem de se compatibilizar.

Em concreto, vem suscitada pelo Ministério Público a nulidade dos actos impugnados e a condenação do Réu a demolir a obra “sub judice” e a repor o solo, nas condições, em que se encontrava, antes dos referidos actos.

No essencial, acompanha-se a análise de “direito” efectuada pelo Ministério Público, mas não necessariamente as suas conclusões.

Nos termos do artº 12° nº 1 al) a) do Reg. PNA, “ficam sujeitos a Parecer vinculativo do PNA a realização de obras de construção civil, a alteração do uso actual do solo ou da morfologia do solo, designadamente para edificações, fora dos perímetros urbanos tal como definidos nos Planos Municipais de Ordenamento do território.

Com efeito, nas obras a licenciar, é ao PNA que cabe a ponderação dos valores naturais e paisagísticos em presença, em face do que se admite como requisito essencial a existência de Parecer/Autorização por parte do “Parque”.

Entende-se que o Plano de Ordenamento do PNA tem natureza de Plano Especial de Ordenamento, pelo menos, desde a vigência do DL n° 151/95, de 24/06 Os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas são Planos Especiais de Ordenamento do Território (artº 33° da LBOTU), pelo que vinculam de forma directa e imediata, as Entidades Públicas e privadas (art° 42° do DL nº 380/99).

Assim, serão tendencialmente “nulas as licenças que violem o disposto em Plano Especial de Ordenamento do Território ou não tenham sido precedidas de consulta a Entidades cujos Pareceres sejam legalmente exigíveis” (art° 68° alíneas a) e c) do RJUE).

Tudo quanto foi precedentemente referido, como ficou já dito, terá necessariamente de ser enquadrado em função do desejável bom senso, até perante a eventual existência de terceiros de boa-fé, o que só por si impõe a aplicação do estatuído no Artº 134º nº 3 CPA.

Se é certo que, em função dos normativos invocados estaríamos perante uma nulidade, uma vez que não foi emitido o necessário Parecer vinculativo por parte do Parque NA, o que é facto é que tal incumprimento, até prova em contrário, se consubstancia num mero vicio procedimetal.

Na realidade, mal se compreenderia que se enveredasse pela declaração de nulidade do edificado e demolição de tudo o que foi entretanto construído, pela verificação de uma qualquer nulidade procedimental, para em momento ulterior a Entidade referida, chamada a emitir o referido Parecer Vinculativo viesse, porventura, a viabilizar, ainda que parcialmente, a edificação entretanto demolida.

É certo que de todo o procedimento constam manifestações de vontade várias por parte do PNA, contrárias ao edificado pelo aqui Contra-interressado.

Em qualquer caso, inexiste o necessário e obrigatório Parecer vinculativo do qual terão de constar necessariamente as circunstâncias, factos condicionantes, e argumentos do PNA relativamente ao projectado e entretanto edificado, para que, se for caso disso, o aqui contra-interessado possa reagir.

Do referido Parecer terão de constar pois todos os fundamentos de facto e de direito que justifiquem o sentido do Parecer, por forma a que o seu destinatário possa percepcionar as razões pelas quais foi emitido o referido Parecer.

Da mesma forma que não pode o Tribunal considerar que, não tempo sido emitido tempestivamente o Parecer do PNA, se deverá considerar como tacitamente emitido Parecer positivo, igualmente não pode considerar que sem que o mesmo tenha sido emitido, e perante as opiniões entretanto emitidas pelo PNA, considerar que o Parecer existe e que é negativo.

Importa pois criar as condições para que o referido Parecer seja emitido, com a correspondente fundamentação de facto e de direito, para que posteriormente daí se possam vir a retirar as necessárias ilações.

É claro que não poderão os Tribunais contribuir para a instalação de um clima de impunidade permissiva, viabilizando situações de facto consumado contrárias à lei.

Terá pois de ser desiderato dos Tribunais encontrar uma posição de equilíbrio e bom-senso, salvaguardando o interesse público e os eventuais terceiros de boa-fé.

Em face de tudo quanto ficou expendido, embora se entenda que atentos os circunstancialismos e condicionalismos de facto e de direito aplicáveis à controvertida situação, se deveria ter aguardado pela emissão de Parecer por parte do PNA, antes da tomada de decisão por parte do Município, o que não tendo sido feito, potencial e abstractamente poderia determinar a nulidade dos actos urbanísticos identificados, importa, como se disse, ponderar o referido, designadamente, à luz do estatuído no Artº 134º nº 3 do CPA que impõe que o regime da nulidade “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos … de harmonia com os princípios gerais de direito.” Com efeito, em linha com a filosofia subjacente ao Acórdão do STA nº...

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