Acórdão nº 03288/06.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

INSTITUTO POLITÉCNICO DE BEJA - identificado nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), de 4 de outubro de 2018, que revogou a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo (TAC) de Lisboa, de 30 de setembro de 2010, que havia julgado procedente a exceção perentória de caducidade do direito de ação, e condenou o Recorrente no pagamento à Recorrida A…………, SA, de uma indemnização por responsabilidade civil contratual, a título de lucros cessantes, a liquidar em incidente de liquidação autónomo.

Nas suas alegações, a Recorrente formulou, com relevo para o julgamento do mérito do recurso, as seguintes conclusões: «(...) 7. Dos factos provados pelas instâncias (e aí numerados entre 9.º e 16.º), resulta provado que foi a própria Autora que sugeriu que os trabalhos fossem iniciados com uma execução da empreitada através de consignações parciais.

  1. Deve por isso concluir-se que foi a A. que induziu na dinâmica da execução contratual um modelo de consignações parciais.

  2. Por outro lado, as consignações parciais atrasaram a execução da empreitada e é nestes atrasos que se fundam os prejuízos reclamados pela Autora.

  3. O Tribunal a quo, declinou que a tal factualidade se impusesse qualquer solução jurídica que fosse passível de afastar a responsabilidade do Réu.

  4. Tal entendimento é equívoco e merece censura em dois planos distintos.

  5. Por um lado, este quadro factivo é revelador de uma situação passível de enquadramento jurídico na figura do abuso de direito, na modalidade venire contra factum proprium.

  6. Com efeito, ao sugerir as consignações parciais, a Autora assumiu um comportamento, que veio a ser a causa direta dos prejuízos que veio depois reclamar, estabelecendo-se assim entre estes dois comportamentos um nexo causal e uma evidente contradição.

  7. A contradição entre os dois referidos comportamentos emerge da confiança que o primeiro comportamento criou necessariamente no Réu, pois não é expectável que alguém que propõe uma solução, venha depois invocar que tal solução lhe causou prejuízos e por isso deve ser indemnizado pelos mesmos.

  8. Como mínimo, impunha-se pois, que, no momento em que propões as consignações parciais, o empreiteiro advertisse o Réu que tal solução tinha riscos e poder-lhe-ia causar prejuízos. Sendo empresário da construção e conhecendo a sua empresa os riscos das consignações parciais, ao empreiteiro não se poderia deixar de impor que, no mínimo, fizesse tal advertência. Ora, os factos provados revelam que esta advertência nunca foi feita e revelam mesmo que durante a execução da obra o empreiteiro jamais comunicou quaisquer prejuízos, sedimentando assim a confiança do Réu já investida no momento em que a solução fora proposta.

  9. O Tribunal a quo apreciou esta questão de forma ligeira e imprecisa, na medida em que afastou qualquer abuso de direito porque, para tal, seria necessário que o empreiteiro tivesse renunciado ao direito a vir a ser indemnizado. Tal tese, a nosso ver, é redutora e não se acha conforme com a melhor interpretação que deve ser feita deste instituto e que deve sempre partir de uma análise crítica e ampla aos comportamentos estabelecidos entre as partes.

  10. Deve por isso concluir-se que foi traída a confiança do Réu e que este comportamento da Autora, que os factos provados evidenciam, merece censura à luz dos artigos 227.º e 334.º do CC, que o Acórdão recorrido violou, com o respetivo erro de julgamento.

  11. Em segundo lugar, a idêntico resultado se chegará caso se indague a responsabilidade do Réu à luz dos pressupostos da responsabilidade civil.

  12. Entre tais pressupostos avulta sempre a culpa, enquanto juízo de censura ético-jurídico a efectuar ao facto praticado pelo agente.

  13. No caso vertente, a culpa é totalmente inexistente porquanto o Réu se limitou a acordar e a cumprir o que havia sido proposto pela própria Autora.

  14. Ora, ao ignorar este aspecto o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento violando os artigos 562.º, 563.º, 564.º, 566.º, 798.º, 799.º e 808.º do Código Civil.

  15. Em todo o caso, e mesmo que se admita alguma responsabilidade do Réu, não se pode ignorar que a culpa do lesado (do Autor) sempre deveria excluir ou reduzir a responsabilidade do Réu à luz do disposto no artigo 570.º do CC, que foi assim igualmente violado.

  16. Finalmente, diremos que o Acórdão merecerá ainda censura, porque a melhor interpretação dos artigos 154.º e 197.º do RJEOP impunham o reconhecimento da caducidade do direito da Autora.» 2.

    A Recorrida contra-alegou, defendendo globalmente que «o recurso não deve ser admitido por falta de pressupostos legais; porventura sendo-o, deve lhe ser negada revista e confirmado o acórdão impugnado».

    Além de reiterar o que já antes havia afirmado nos autos quanto à inaplicabilidade do n.º 5 do artigo 197.º do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 55/99, de 2 de março, quanto à questão que o Recorrente elegeu como central no presente recurso a Recorrida afirmou que: «(...) é por demais evidente que a recorrida não manifestou, nem directa nem indirectamente, nem expressa nem tacitamente, nem em circunstância alguma, qualquer intenção de não vir a exigir a indemnização a que teria direito, ou de prescindir dela.

    E por demais evidente é também que a recorrida, ao reclamar tal indemnização, não contrariou qualquer sua intenção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT