Acórdão nº 101/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 101/2021

Processo n.º 1238/17

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos vindos do Centro de Arbitragem Administrativa, vêm o Ministério Público e a Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão arbitral de 9 de outubro de 2017, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado por A., S.A., e decidiu anular parcialmente a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2013 e a subsequente demonstração de acerto de contas, na parte relativa à correção à matéria tributável no valor de € 469 739,44, condenando ainda a requerida, ora recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à ora recorrida, a quantia de € 147 967,92, acrescida de juros indemnizatórios (decisão acessível a partir da ligação https://caad.org.pt/tributario/decisoes, com referência ao Processo n.º 160/2017-T).

Em tal acórdão, o tribunal arbitral expressamente declarou recusar a aplicação da norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do disposto do n.º 3 do artigo 103.º da CRP.

Admitidos os recursos e subidos os autos, foi determinado prosseguimento do processo para alegações.

2. Ambos os recorrentes alegaram.

2.1. O Ministério Público formulou, a final, as seguintes conclusões:

1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e arts. 70.º, n.º 1, al. a), 72.º nº 1 a) e n.º 3, ambos da LOFPTC, “da decisão arbitral produzida no processo cima identificado [Processo Arbitral n.º 160/2017-T, em que é Requerente a A., S. A., e Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira] na qual foi recusada a aplicação da norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa à nova redação que deu ao n.º 6 do CIRC, com fundamento na sua inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal consignado no art. 103.º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa”.

2.ª) O fundamento da lei interpretava radica na proteção das expetativas seguras e legítimas dos interessados, na medida em que “estes podiam contar com a com a solução fixada pela lei LN interpretativa” visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, que se manifesta em considerações de “justiça relativa”, “certeza” e “razoabilidade”, em ordem a um tratamento igual de casos iguais.

3.ª) A decisão da AT em apreço tem por fundamento expresso a aplicação do artigo 51.º, n.ºs 1 e 2, na redação vigente até à entrada em vigor do artigo 2.º da Lei n.º 2/2014, cit., reforçando este entendimento o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016), que veio alterar o art.º 51.º do CIRC, cujo n.º 6 (que corresponde ao anterior n.º 2 do art.º 51.º do CIRC na legislação em vigor para o período em análise, passou a estabelecer que “O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros (…).”.

4.ª) No relatório em causa é realizada pormenorizada apreciação, financeira, contabilística e tributária dos seguros unit-linked, sobretudo do regime da distribuição de lucros das carteiras afetas a tais aplicações e das provisões técnicas que necessariamente devem ser constituídas para cobrir riscos nesse âmbito.

5.ª) Concluiu, assim, que os rendimentos das participações sociais não são incluídos na base tributável do IRC [o lucro tributável, art. 3.º, n.ºs 1, al. a), e n.º 2, do CIRC] e, portanto, “verifica-se a inexistência de rendimentos incluídos no lucro tributável - estando a tributação, não restam dúvidas, limitada a zero - não podendo, desta forma, os rendimentos em causa usufruir da eliminação da (inexistente) dupla tributação económica de lucros distribuídos prevista no art.º 51.º do CIRC” reforçando este entendimento o art.º 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016).

6.ª) Esta interpretação opera no quadro das regras hermenêuticas prescritas na lei tributária, nomeadamente à luz de argumentos teológicos (eliminação da dupla tributação económica) e da substância económica dos factos em causa (efeitos das provisões técnicas em matéria de rendimentos das participações sociais das carteiras unit-linked) ali consagrados (LGT, art. 11.º, n.ºs 1 e 3).

7.ª) Portanto, este juízo interpretativo da decisão da AT em causa pode ser tomado como consagrando um dos vários sentidos passíveis – ainda que não, eventualmente, o mais “facilmente” comportado por ele – de serem comportados pelo texto da LA, ou seja, o mesmo perfilhou assim um sentido que confere à LN, na medida em que perfilha uma solução normativa que fazia parte do quadro da controvérsia pretérita, cariz interpretativo, em sentido próprio.

8.ª) Todavia, o critério para efeitos de apurar a substância de “lei interpretativa” da LN é o de uma “interpretação em abstrato”, admissível face ao texto da lei, e não já de uma “interpretação em concreto”, visando determinar, determinar qual o sentido, de entre aqueles abstratamente admissíveis, que deve concretamente prevalecer numa controvérsia judicial, como a interpretação “correta” das palavras da lei.

9.ª) Assim, esta “interpretação em abstrato” não prejudica o exame judicial do bem-fundado dessa operação hermenêutica, nomeadamente da constitucionalidade e legalidade material da mesma, em especial para apurar se no caso ocorreu, ou não, como propugna a fundamentação da decisão da AT, uma dupla tributação económica.

10.ª) Em conclusão, quanto à matéria de constitucionalidade, a decisão arbitral incorreu em erro de julgamento, por força de erro de interpretação quanto ao alcance, no caso em apreço, da “lei interpretativa” respeitante à incidência objetiva do imposto, tributários, nomeadamente à luz do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição».

2.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu as suas alegações nos termos seguintes:

«A. Visa o presente recurso, interposto nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma contida no artigo 51º nº 6 do Código do IRC, conjugada com a norma constante do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que atribui natureza interpretativa à nova redação dada ao n.º 6 do artigo 51.º do Código do IRC pelo artigo 133.º daquela mesma Lei.

B. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pela Requerente nos autos em referência, como causa de pedir, e foi contraditada pela então Requerida, ora Recorrente, vindo a ser apreciada favoravelmente pelo Tribunal Arbitral, que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral por entender que as liquidações controvertidas se encontram feridas de ilegalidade, com fundamento em inconstitucionalidade.

C. Com efeito, o douto acórdão arbitral proferido julgou, designadamente:

«Por isso, o artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza interpretação à nova redação que deu ao n.º 6 do artigo 51.º do C/RC, é materialmente retroativo, sendo incompaginável com a proibição constitucional da retroatividade lesiva dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º do CRP. (…)

Aliás, mesmo que pudesse considerar-se verdadeiramente interpretativa, não poderia afastar-se a inconstitucionalidade numa situação em que a nova solução não era a perfilhada pelo Tribunal

[…]

Pelo exposto, não pode ser aplicada ao exercício de 2013 a inovadora solução adaptada no n.º 6 do artigo 51.º do CIRC, na redação dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.» - cfr. págs. 21 e 22.

D. A aplicação.do nº 2 do art. 51.º pressupõe o preenchimento da exigência contida no nº 1 do mesmo artigo, relativa à inclusão dos rendimentos na base tributável, porquanto o nº 2 apenas dispensa a verificação dos requisitos atinentes à percentagem de participação e ao prazo de detenção das partes sociais.

E. Ademais, o tratamento contabilístico dado aos contratos unit-linked reflecte melhor, agora, a sua natureza de investimento ou produto financeiro, ao contrário do que acontece com os tradicionais contratos de seguro.

F. Deste modo, os ativos subjacentes e os rendimentos associados não podem considerar-se como “rendimentos de participações sociais em que tenham sido aplicadas as reservas técnicas das sociedades de seguros”, nos termos previstos no nº 2 do art. 51º do CIRC.

G. Razão pela qual, atendendo à disposição pertinente da lei fiscal (art. 51º/2 do CIRC), bem como à regulamentação contabilística aplicável não se pode afirmar que a expressão legal - reservas técnicas - tem âmbito mais vasto que o conceito que a AT se sustenta.

H. A entender-se assim conduziria a que a AT discricionariamente construísse, para efeitos de aplicação do nº 2 do art. 51º do CIRC, um conceito próprio de “reservas técnicas”, diferente do constante da regulamentação contabilística aplicável, sem para isso ter qualquer fundamento legal.

I. Ademais, no que respeita à concessão aos contratos unit-linked de um tratamento dado aos contratos de investimentos comercializados por sociedades de investimento, é inegável que não subsiste qualquer motivo que justifique algum tipo de diferenciação no plano fiscal, tanto mais...

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