Acórdão nº 109/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 109/2021

Processo n.º 1010/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., Lda. e recorridos B., S.A. e o Estado Português, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (seguidamente, «LTC»): (i) do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 14 de julho de 2020, que julgou extemporâneo o recurso de revisão interposto pela ora reclamante; e (ii) do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 13 de outubro de 2020, que julgou improcedente a reclamação com que a ora reclamante reagiu àquele primeiro acórdão, julgando ainda improcedente o pedido de condenação da recorrida B. como litigante de má-fé.

2. Através da Decisão Sumária n.º 28/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Conforme relatado supra, são duas as decisões objeto do presente recurso. Trata-se: (i) do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 14 de julho de 2020, que julgou extemporâneo o recurso de revisão interposto pela ora recorrente; e (ii) do acórdão proferido pelo mesmo Tribunal em 13 de outubro de 2020, que julgou improcedente a reclamação que incidiu sobre aquele primeiro acórdão, tal como o pedido de condenação da recorrida B. como litigante de má-fé.

Ambos os recursos foram interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, norma segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

A. Recurso incidente sobre o acórdão proferido em 14 de julho de 2020

5. Através do recurso interposto do acórdão datado de 14 de julho de 2020, a recorrente pretende ver reconhecida a inconstitucionalidade da «norma ou interpretação normativa do art.º 697.º, n.º 2, al. b) conjugado com o art.º 696.º, al. h), ambos do Código de Processo Civil, segundo a qual se entenda ser suficientemente razoável o prazo de 60 dias a contar do transito em julgado da decisão revidenda a qual é suscetível de originar responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercido da função jurisdicional».

Conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm caráter ou função instrumental, o que significa que apenas poderá conhecer-se do respetivo objeto nos casos em que o julgamento da questão de constitucionalidade puder repercutir-se, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto.

Da função instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade decorre, assim, a impossibilidade de conhecimento da questão de constitucionalidade suscitada sempre que a ratio decidendi da decisão recorrida surja integrada por um outro fundamento para além daquele em que radica a norma impugnada, desde que suficiente, por si só, para suportar o sentido decisório fixado pelo tribunal a quo. Por isso, nos casos em que a decisão recorrida contem uma fundamentação alternativa que conduz, de forma autónoma, à mesma solução a que se chega através da via argumentativa a que subjaz o critério normativo, a apreciação do mérito do recurso carece de utilidade processual. Segundo se escreveu no Acórdão n.º 389/00, «encontrando-se na decisão recorrida outro fundamento, para além da aplicação da norma impugnada, só por si suficiente para chegar a tal decisão, não existe, pois, interesse processual que justifique o conhecimento da questão pelo Tribunal Constitucional” na medida em que, “seja qual for o sentido da decisão que recaia sobre a questão, manter-se-á inalterado o decidido pelo tribunal recorrido”».

É justamente essa a hipótese que se verifica no caso presente.

Embora tenha rejeitado, por extemporâneo, o recurso de revisão do acórdão que não admitira o recurso para fixação de jurisprudência interposto pela ora recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça não deixou de considerar tal recurso, em si mesmo, processualmente inadmissível.

Segundo afirmou no acórdão recorrido, «[n]ão há lugar a recurso de revisão de acórdãos proferidas pela via de recurso extraordinário, como é o de não admissão do recurso interposto para fixação de jurisprudência. O que resulta da conjugação do disposto nos arts. 696 e 628, do CPC». É por isso que, no segmento em que concluiu pela extemporaneidade do recurso, não deixou de incluir na decisão recorrida a seguinte ressalva: «Sendo o acórdão revidendo (pretensamente revidendo, porque não há revisão de acórdãos proferidos em recursos extraordinários), proferido em 2016, há muito que transitou em julgado, sendo que a recorrente, nessa altura teve conhecimento de que esse acórdão transitou em julgado» (sublinhado aditado).

Acresce que, após ter concluído pela inadmissibilidade e pela intempestividade do recurso de revisão, o Supremo Tribunal de Justiça invocou ainda uma terceira razão para justificar a improcedência da pretensão deduzida pela ora recorrente. De acordo com o Tribunal recorrido, «ainda que se não verificasse motivo de não admissão do recurso de revisão e se verificassem os requisitos enumerados no artigo 969.º-A do CPC, o recurso de revisão (ou nova ação como é tratado este recurso por alguma doutrina) não poderia surtir o efeito pretendido através da sua interposição, pois se fosse revogada a decisão recorrida não haveria que ordenar a remessa dos autos ao Pleno das Secções Cíveis, conforme requerido pela recorrente, mas tão somente notificar o recorrente, para, no prazo de 30 dias, formular pedido de indemnização contra o Estado, como comanda o preceito do artigo 701.º, n.ºs 1, alínea e), do CPC». Isto é, a pretensão subjacente à interposição do recurso de revisão - remessa ao pleno das Secções Cíveis do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pela ora recorrente - jamais poderia obter provimento.

Do que fica dito extrai-se com toda a segurança que, ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma que integra o objeto do recurso, tal julgamento seria insuscetível de se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso sub judice, o que, conforme se viu, obsta à possibilidade de conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade.

B. Recurso incidente sobre o acórdão de 13 de outubro de 2020

6. O objeto deste recurso é integrado por três distintas interpretações.

A primeira delas consiste na «norma ou a interpretação normativa do art.º 699.º, n.º 1 do Código de Processo Civil [doravante CPC], segundo a qual se entenda que, com a prolação do despacho de admissão, não se encontra esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, sobre os requisitos de admissibilidade do recurso, nomeadamente, recorribilidade e tempestividade».

Do artigo 699.º do CPC consta o regime seguinte:

Artigo 699.º

Admissão do recurso

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 641.º, o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão.

2 - Admitido o recurso, notifica-se pessoalmente o recorrido para responder no prazo de 20 dias.

[…]

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 699.º do CPC dispõem sobre os poderes do relator no âmbito da apreciação liminar do requerimento de interposição do recurso de revisão: o n.º 1 refere-se aos fundamentos de rejeição liminar do requerimento; o n.º 2 respeita ao despacho de admissão do recurso e procedimento subsequente.

A norma segundo a qual, «com a prolação do despacho de admissão, não se encontra esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, sobre os requisitos de admissibilidade do recurso, nomeadamente, recorribilidade e tempestividade», só pode ser interpretativamente extraída do n.º 2 do artigo 699.º do CPC. Dizendo respeito à força de caso julgado formal do despacho de admissão do recurso, e não às situações em que este é liminarmente rejeitado pelo relator, a interpretação impugnada pela recorrente não constitui um resultado interpretativo possível do n.º 1 do artigo 699.º do CPC, sendo apenas dedutível do respetivo n.º 2.

Ora, no caso de o recorrente questionar, não «um preceito legal», mas «tão só uma interpretação que do mesmo se faça» (Acórdão n.º 367/94), a idoneidade do objeto do recurso pressupõe que entre a norma impugnada e a base legal em que a suporta se verifique o «enlace ou conexão mínima» necessários a que naquela possa reconhecer-se um dos sentidos interpretativos possíveis imputáveis a esta.

Tal entendimento foi explicitado no Acórdão n.º 175/06 nos termos seguintes:

«A indicação do concreto preceito legal sob cuja veste a norma aparece no nosso sistema jurídico é elemento essencial para o conhecimento da questão de constitucionalidade, não podendo ter-se por adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade sem uma tal identificação, em virtude de, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, apenas, poderem constituir objeto do recurso normas jurídicas que estejam recortadas em disposições ou preceitos que resultem do exercício de um poder normativo (conceito funcional de norma).

A este respeito, escreveu-se no Acórdão n.º 90/05, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, o seguinte, que aqui se reitera:

“[…] só pode apresentar-se como sendo interpretação de uma determinada norma jurídica, mesmo quando ela seja lida conjugadamente com outra ou outras normas jurídicas, um sentido que seja referível ao seu teor verbal: é que, o intérprete não pode considerar ‘o pensamento legislativo que...

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