Acórdão nº 12674/16.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRIJO FERREIRA
Data da Resolução28 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE AA.

(aqui patrocinado por BB. e CC., advs.) Autor / Apelante / Recorrido CONTRA EE.

E FF.

(aqui patrocinado por DD., adv.) Réus / Apelados / Recorrentes I – Relatório O Autor intentou, em 16MAI2016, a presente acção pedindo o seu reconhecimento como herdeiro legitimário de GG. e, consequentemente, se decrete a anulação da partilha da herança daquele efectuada pelos Réus e se condene a Ré a restituir à herança os bens (ou o correspondente preço) que recebeu através daquela partilha, bem como se ordene o cancelamento dos correspectivos registos.

Alega, para fundamentar tal pedido, que foi judicialmente reconhecido como filho de GG. por sentença proferida em 04JUL2013, sendo que os Réus (filho e ex-cônjuge daquele, entretanto falecido), sabendo desde 2004 que era pretendido esse reconhecimento da paternidade, com o fito de excluir o Autor da herança, procederam, por escritura de 27ABR2006, a uma partilha em que adjudicaram todas os bens à Ré, prescindindo o Réu de tornas.

Mais requereu, em 19MAI2016, «o registo da presente ação antes de iniciado o procedimento de citação dos Réus»; o que foi deferido por despacho de 25MAI2016.

Os Réus, citados, respectivamente, em 15SET2016 e 21SET2016, contestaram alegando que não procederam à partilha da herança de GG. mas apenas à partilha dos bens do ex-casal deste, sem qualquer intuito fraudatório (até porque na data não existia qualquer outro filho para além do Réu, nem o Autor era titular de qualquer expectativa jurídica de filiação), que o Réu prescindiu de tornas no cumprimento de uma obrigação natural, da qual não há repetição, e ainda, a título de excepção, que a Ré adquiriu os bens em causa por usucapião; concluindo pela improcedência da acção.

A final foi proferida sentença que, considerando não ocorrerem os pressupostos da invocada usucapião, haver necessidade de convencer os Réus da qualidade de herdeiro legitimário do Autor, ter-se tratado de partilha do património comum do casal pelo que não tem cabimento a petição da herança nem a anulação da partilha, que sendo a partilha extrajudicial não só não é aplicável o regime previsto para a partilha judicial como não se vislumbra qualquer vício invalidante da mesma (até porque na data da sua realização o Autor não era herdeiro), não estar, consequentemente, a Ré obrigada a restituir os bens, não se vislumbrar a existência de qualquer obrigação natural e não ter sido pedida a condenação do Réu a restituir a meação de que prescindiu, julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo-se o Autor como herdeiro legitimário de GG. e absolvendo os Réus do demais peticionado.

Inconformado, apelou o Autor, invocando nulidade da sentença, erro na decisão de facto; os Réus ampliaram o objecto do recurso relativamente à usucapião, de facto e de direito. A Relação, depois de considerar improcedentes quer a arguição de nulidade da sentença quer as impugnações da matéria de facto, bem como que ocorreu violação de normas imperativas e não ocorreu prescrição, revogou a sentença recorrida na parte em que absolveu os Réus dos demais pedidos e, em substituição decretou: i. A nulidade da partilha extrajudicial celebrada no dia 27 de Abril de 2006 entre os Réus; ii. A condenação da Ré FF. a restituir à herança aberta por óbito de GG. os bens identificados na escritura partilha celebrada no dia 27 de Abril de 2006; iii. O cancelamento do registo a favor da Ré FF. dos imóveis identificados nos artigos 20° petição inicial; iv. A Condenação da Ré FF. a restituir à herança o montante recebido pela alienação dos imóveis identificados no artigo 38° da petição inicial.

Ambas as partes peticionaram, na apelação, a condenação da contraparte em multa de indemnização, como litigante de má-fé, por ter dolosamente alterado a verdade dos factos. A Relação, considerando que lhe estava vedado analisar o comportamento processual na 1ª instância por se tratar de questão nova não apreciada naquela, considerou não ocorrer fundamento para, na fase recursória, imputar má-fé processual a qualquer das partes.

Agora irresignados vieram os Réus interpor recurso de revista concluindo, em síntese e tanto quanto se depreende da sua extensa alegação (55 páginas) e conclusões (17 páginas), por violação da lei processual na apreciação da matéria de facto e erro de julgamento quer quanto ao fundo da causa quer quanto à apreciação da má-fé processual do Autor.

Houve contra-alegação (com abundantes referências aos ensinamentos de diversos autores sem, contudo, se indicar a respectiva fonte bibliográfica), onde se propugnou pela manutenção do decidido.

Os Recorrentes juntaram aos autos dois pareceres subscritos, em JUL2020, pelas Professoras Doutoras Ana Filipa Morais Antunes (sobre a validade do acto de partilha, em 177 páginas) e Rita Lynce de Faria (sobre a prova por presunção, em 55 páginas).

II – Da admissibilidade e Objecto do Recurso A situação tributária mostra-se regularizada.

O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).

Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).

O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).

Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Destarte, o recurso merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento. -*- Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal: - se ocorreu violação da lei processual no uso de presunção judicial; - se ocorreu erro de direito ao declarar-se a nulidade da partilha; - se ocorreu erro de direito ao não se reconhecer ter operado usucapião; - se se verifica litigância de má-fé por banda do Autor.

III – Os Factos Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade: Factos Provados: 1º - GG. faleceu no dia ... de Junho de 2005, no estado civil de divorciado de FF. (certidão do assento de óbito a fls 227).

  1. - GG. e FF. haviam casado entre si, em 07/12/1968, sem convenção antenupcial. (certidão a fls 155).

  2. - Por sentença de 09/06/2004, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre GG. e FF., com culpa exclusiva do réu GG.. (certidão a fls 149 verso a 154). Nessa acção de divórcio, a autora, FF., pediu também a condenação do réu a pagar indemnização de 10 000€ por danos não patrimoniais mas, na sentença foi decidida a procedência da excepção de caducidade com base no (então) artº 1786º do CC (certidão, a fls 153).

  3. - Na sentença que decretou o divórcio constam, entre outros, os seguintes factos: “4-A e R encontram-se separados desde o dia 22/10/95; 5-Desde essa data que não existe comunhão de mesa, leito e habitação entre A e R; 6-(...), 7-Durante muitos anos e com maior assiduidade nos dois últimos anos em que a A viveu na mesma casa que o R, este batia na A, agredia-a a soco e pontapé, empurrava-a; 8-O R manteve com outras mulheres um relacionamento amoroso; 9-O R nunca prestou qualquer tipo de socorro, auxílio e ajuda à A; 10 – Nunca colaborou nos assuntos respeitantes ao filho de ambos, sendo sempre a A que lhe prestava todo o tipo de ajuda e assistência: levantar da cama, dar o pequeno-almoço, obrigações escolares, ida aos médicos, doenças etc; 11-(...) 12-Era a A quem fazia face, muitas vezes, à totalidade das despesas da vida familiar.” (certidão a fls 150 verso a 151).

  4. - EE. nasceu a .../04/1970 e mostra-se registado como filho de GG. e de FF. (certidão a fls 47).

  5. - Em 07/07/2005 foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros de GG., na qual EE. declarou ser o único herdeiro 7º- No dia 27/04/2006 foi celebrada escritura de partilha extrajudicial, em consequência da dissolução do casamento por divórcio entre GG., representado por EE. e, FF., que teve por objecto os seguintes bens: a) Prédio denominado …….., descrito na Conservatória...

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