Acórdão nº 103/06.8TAPRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum Singular nº 1636/16.3JAPRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 1, por sentença proferida e depositada no dia 31.01.2007 (fls. 82 a 85 e 87, respetivamente), foi decidido: “Nestes termos o Tribunal decide julgar a acusação procedente por provada e, em consequência: - Condenar o arguido J. M. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348°, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros).” ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido J. M.

interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 306 a 314 – ref. 2295995): “1ª) Só pode praticar o crime de Desobediência do art.348º, nº 1, al. b) do CP, quem reúna as condições reais de não omitir essa conduta e de cumprir a ordem transmitida.

  1. ) Não constando da acusação, nem da fundamentação de facto da decisão recorrida, os factos ou eventos da vida real do arguido que, pelo menos de uma forma implícita, permitam com segurança concluir que ele tinha em seu poder ou dispunha do acesso à carta de condução que devia entregar, impõe-se a absolvição do recorrente do ilícito em questão.

  2. ) A matéria de facto assente, tal como se apresenta na sentença a quo (vide pontos 1 a 3 dos factos provados), é inidónea a preencher a tipicidade objectiva do crime de Desobediência, verificando-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada do art.410º, nº 2, al. a) do CPP, pois o Tribunal recorrido deixou de investigar factos essenciais à decisão da causa (ainda que não constantes da acusação).

  3. ) Isto posto, a aplicação dos princípios do acusatório e do contraditório e a salvaguarda das garantias de defesa do arguido impedem que, nesta fase do processo, a apontada insuficiência possa ser colmatada através do reenvio dos autos à 1ª instância para novo julgamento, alargando-se o conhecimento do Tribunal a novos eventos que viabilizassem a formulação de um juízo segundo o qual o arguido podia, efectivamente, cumprir a ordem que lhe tinha sido determinada.

  4. ) Cabendo, antes, lançar-se mão do entendimento ínsito no Ac. U.J. nº 1/2015 do S.T.J., proferido em 20.11.2014 e publicado em Diário da República, 1ª Série, de 27.01.2015, nos termos do qual qualquer “acrescento” de factos no sentido de suprir eventuais deficiências ao nível da alegação dos elementos constitutivos do crime assacado ao arguido equivale a transformar uma conduta que não é punível como tal, noutra que o é, com preterição das garantias asseguradas pelo art.32º, nºs 1 e 5 da CRP, o que acarreta a absolvição do arguido do crime de Desobediência por que foi condenado em 1ª instância. SEM PRESCINDIR, 6ª) Da simples leitura da sentença a quo extrai-se que nada foi apurado quanto à personalidade do arguido, suas condições pessoais e situação económica, factores de determinação da pena que, entre outros, constam do elenco (não taxativo) do art.71º, nº 2 do CP, como elementos relevantes a ponderar na determinação da pena.

  5. ) O julgamento decorreu sem que o recorrente estivesse presente, o que pode ter dificultado o apuramento da factualidade atinente às suas condições pessoais e situação económica.

  6. ) Porém, o Tribunal tem o poder-dever de, oficiosamente, socorrer-se do disposto no art.340º do CPP para investigar os factos sujeitos a julgamento, procedendo autonomamente às diligências que, numa perspectiva objectiva, possam ser razoavelmente consideradas necessárias, de modo a habilitar-se a proferir uma decisão justa, não lhe sendo consentido remeter-se a uma atitude passiva e meramente dependente da iniciativa probatória dos sujeitos processuais.

  7. ) In casu, o Tribunal a quo não procedeu a qualquer diligência para suprir o seu défice de conhecimento, carecendo a sentença recorrida de elementos que permitissem, conscienciosamente, levar a bom termo o procedimento de determinação da pena e de fixação da razão diária da mesma, dentro dos parâmetros legais dos arts.71º, nº 2, e 47º, nº 2 do CP.

  8. ) Por outro lado, concluindo pela impossibilidade de obtenção daqueles elementos, deveria o Tribunal a quo consignar essa impossibilidade na motivação da matéria de facto, preferencialmente, dando conta das diligências realizadas, pois só assim resultará inequívoco que a ausência de factos relativos às condições pessoais e económicas não procedeu da sua inércia.

  9. ) Tal omissão configura o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido no art.410º, nº 2, al. a) do CPP, determinante do reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.426º, nº 1 do CPP, circunscrito às questões (de facto) pertinentes para a decisão sobre a determinação da medida concreta da pena e fixação do seu quantitativo diário (condições pessoais e económicas do arguido).

  10. ) A sentença recorrida violou assim, entre outros, os arts.348º, nº 1, al. b), e 47º, nº 2, e 71º, nºs 2 e 3 do CP, e 410º, nº 2, al. a), 340º, 368º, e 369º do CPP.” Conclui peticionando seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, julgar-se verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por esta se apresentar atípica em relação à disposição do art. 348º, nº 1, al. b) do CP, o que, nesta fase processual, afigurando-se inviável o reenvio dos autos à 1ª instância, tem como consequência a absolvição do arguido do crime aqui em mérito, ou, assim não se entendendo, julgar-se verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por o Tribunal a quo ter determinado a medida da pena que impôs ao arguido com total omissão da factualidade inerente às suas circunstâncias pessoais, sociais e económicas, cabendo, por conseguinte, reenviar o processo à 1ª instância para novo julgamento, restrito ao apuramento de tais elementos, a que se seguirá a prolação de nova sentença, com determinação da pena em função do que vier a ser apurado.

    ▪ Na primeira instância, a Digna Magistrada do MP, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que formula as seguintes conclusões (fls. 317 a 321 - ref. 2348288): “I. O Tribunal A QUO condenou o arguido/recorrente J. M. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348°, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 480 (quatrocentos e oitenta euros).

    1. Dispõe o art.º 348º, n.º 1, al. b) do C.P. que é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias quem faltar à obediência devida a uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se na ausência de disposição legal, a autoridade ou funcionário fizerem a correspondente cominação.

    2. Resulta dos factos declarados provados que: 1. Por sentença proferida e transitada a 18 de outubro de 2005, no Processo Abreviado n.º 144/05.2GBPRG no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Peso da Régua, foi o arguido condenado em pena de multa e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de cinco meses, sendo advertido para entregar a carta de condução de que era titular no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.

      1. O arguido, naquele prazo de 10 dias, que se iniciou no dia 19 de Outubro de 2005, não procedeu à entrega da sua carta de condução como para o efeito havia sido notificado, bem sabendo que essa conduta o fazia incorrer na prática de um crime.

      2. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

      (…) IV. No caso concreto, o arguido foi notificado da sentença, tendo sido advertido para entregar a carta de condução de que era titular no prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal. O arguido/recorrente fez tábua rasa do teor da advertência, não tendo entregue a carta de condução no prazo mencionado.

    3. O arguido/recorrente agiu dolosamente, ciente da ilicitude da sua conduta, razão pela qual se acha incurso na prática do crime de desobediência pelo qual foi condenado.

    4. Posto isto, o arguido/recorrente...

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