Acórdão nº 150/19.JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Relatório 1.

Nos presentes autos de instrução com nº150/19.0JABRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo de Instrução Criminal de Viana do Castelo, foi proferido despacho pelo Mmo Juiz de Instrução, em 3/9/2020, nos termos do qual foi decidido rejeitar o requerimento de abertura da instrução formulado pela assistente I. S., por inadmissibilidade legal.

  1. Não se conformando com o decidido, veio a assistente I. S. interpor recurso, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: «1- Vai o presente recurso interposto do despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução formulado pela ora Recorrente, na parte em que requereu a pronúncia de P. B., F. F. L. R. e J. V..

    2- Entendeu o tribunal “a quo” que era legalmente inadmissível requerer a abertura de instrução contra aqueles em virtude de os mesmos não terem sido constituídos arguidos na fase de inquérito.

    3 - Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, o qual significa negar às vítimas de um crime o direito de sindicarem judicialmente a decisão de arquivar o inquérito e de não deduzir acusação contra quem existem indícios da prática de um crime.

    Vejamos: 4 - Na sequência da morte por soterramento de M. A. - filho da Recorrente - iniciou-se o inquérito contra “desconhecidos” com vista a apurar da existência de crime e qual ou quais os seus responsáveis.

    Para o efeito, foram inquiridas várias pessoas, designadamente o P. B., F. F., L. R. e J. V., contra quem a instrução foi agora requerida.

    5 - Findas as diligências de inquérito, entendeu o Ministério Público arquivar o processo sem constituir qualquer arguido por considerar que não foi possível estabelecer um nexo causal entre a conduta dos trabalhadores inquiridos e a morte do M. A..

    6 - Foi essa decisão que pretendeu a ora Recorrente impugnar ao requerer a abertura de instrução.

    7 - A instrução é o meio legítimo e legal de reagir contra o despacho de arquivamento (art. 286º, n.º1 do C. P. Penal), apenas podendo ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (art°287°, n.º 3 do Cód. Proc. Penal), 8 - O facto de não ter havido constituição de arguido na fase de inquérito não pode obstar a que seja requerida a abertura de instrução no sentido de ser constituído arguido e proferido despacho de pronúncia contra quem exista prova indiciária da prática do crime 9 - A ser perfilhado o entendimento do Mmo Juiz “a quo”, nunca haveria hipótese de um assistente impugnar urna decisão de arquivamento contra quem entendesse existirem indícios da prática de um crime, num processo que se tivesse iniciado contra incertos e onde o Ministério Público não o tivesse chegado a constituir arguido.

    Um potencial criminoso que tivesse a sorte de o Ministério Público entender não o constituir arguido nem contra ele deduzir acusação, estaria definitivamente “safo”, sem apelo nem agravo, estando arredada toda e qualquer hipótese de as vítimas reagirem contra tal injustiça.

    10 - Estaria, pois, vedado o direito ao recurso de urna decisão, pilar essencial do sistema judicial e judiciário moderno.

    11 - O entendimento perfilhado pelo Mm° Juiz “a quo” no despacho de que se recorre atenta contra as garantias constitucionais de um processo que assegure uma tutela jurisdicional efetiva do direito da vítima, mormente num caso tao relevante como este em que se discute a violação do direito à vida.

    12 - Nessa medida, o despacho recorrido é violador das disposições dos art. 20º, n.º 4 e 5 e art. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como dos art. 6° e art°. 13° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    13 - Ao contrário do que entende o tribunal recorrido, as pessoas contra as quais se requereu a abertura de instrução foram “visadas na investigação” tendo sido inquiridas, para apuramento da existência do crime e dos seus responsáveis 14 - O que aconteceu foi que o Ministério Público - erradamente, na óptica da Recorrente - entendeu não existirem indícios de que os mesmos tenham praticado o Crime de homicídio por negligência, não os tendo constituído arguidos nem deduzido acusação contra eles, sendo precisamente essa a decisão que se pretendeu e pretende impugnar com o requerimento de abertura de instrução.

    15 - O tribunal recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, violando, entre outras, as disposições dos art°s 286°, n° 1 e art°. 287°, n° 1, al. a), n° 2 e n° 3 do Cód. Proc. Penal, art°20°, n° 4 e 5 e art°. 32°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como os art°4 60 e 130 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    16 - Pelo que deve essa decisão ser revogada e, em sua substituição, ser proferido douto acórdão que determine a abertura de instrução nos presentes autos contra P. B., F. F., L. R. e J. V., ordenando a remessa ao Tribunal de Instrução Criminal com vista à sindicância da decisão do Ministério Público de arquivar os presentes autos. Termos em que deve ser dado provimento o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido e proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão em conformidade com as conclusões supra-formuladas.

    Com o que se fará JUSTIÇA!» 3.

    O Exmo Procurador da República na primeira instância, em resposta ao recurso, concluiu pela sua improcedência, o que fez assentar no facto da investigação nunca ter sido dirigida contra os ora visados pela instrução, pois foram tratados e ouvidos como testemunhas, razão pela qual a instrução requerida é legalmente inadmissível.

    A sustentar a sua posição, invocou o acórdão desta Relação de 27/4/2020, proferido no processo 2920/17.4T9VCT-A.G1.

  2. Neste Tribunal da Relação, a Exma Procuradora – Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

  3. Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., a assistente não veio apresentar qualquer resposta ao parecer.

  4. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

    II.

    Fundamentação

    1. Delimitação do Objeto do Recurso Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal, que “a motivação enuncia...

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