Acórdão nº 35/19.0IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO PEDRO NUNES MALDONADO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº35/19.0IDPRT.P1 Acórdão deliberado em conferência na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

*I. B… interpôs recurso da sentença proferida no processo comum singular nº 35/19.0IDPRT do juízo local criminal de Vila do Conde, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que o condenou pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, nº 1, da Lei nº15/2001, de 5 de Junho, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de sete euros (€7), o que perfaz €630,00.

* I.1. Sentença recorrida (que se transcreve parcialmente nas partes relevantes).

(…) II. FundamentaçãoDiscutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: 1. A sociedade arguida “C…, Unipessoal, Lda.” é uma sociedade comercial por quotas registada desde 2013 na Conservatória do Registo Comercial e que tem por objecto social a actividade de design.

2. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais mostra-se enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

3. Por sua vez o arguido B… é, desde 2017, o único gerente da sociedade arguida e seu único responsável, tomando todas as decisões respeitantes à actividade da mesma e representando-a perante terceiros.

4. Durante o exercício da sua actividade a sociedade arguida, através do arguido seu gerente e representante, liquidou IVA que foi recebendo dos seus clientes pelos serviços que lhes prestou, sendo que, no segundo trimestre de 2018, o montante do imposto apurado totalizou €9.281,66.

5. Porém, não procedeu à entrega desse montante nos cofres do Estado apesar de ter remetido aos Serviços de Administração do IVA a declaração periódica relativa às operações efectuadas naquele período.

6. Com efeito, as quantias recebidas a título de IVA deveriam ter sido entregues, juntamente com as respectivas declarações periódicas, até ao dia 15 do 2º mês seguinte ao trimestre a que respeitam as operações.

7. Contudo, os arguidos não entregaram naqueles serviços de Administração ou em qualquer outro local de cobrança legalmente autorizado, nem no aludido prazo nem no prazo de 90 dias a contar da data legalmente fixada para a entrega do imposto, a referida quantia de € 9.281,66, de que se apropriaram fazendo-a ingressar no acervo patrimonial da sociedade arguida.

8. O arguido B… tinha perfeita consciência da obrigação de entregar ao Estado os quantitativos retidos a título de IVA no período mencionado, e também não procedeu ao pagamento de tal quantia, acrescida dos juros respectivos e coima aplicável, nos 30 dias após as notificações que a ele e à sociedade arguida lhes foram feitas para tal fim.

9. Agiu por si e na qualidade de gerente e representante da co-arguida, de forma livre e consciente, bem sabendo que o dinheiro em causa se destinava e era devido ao Estado e que, com a referida conduta, estava a enriquecer o património da sociedade arguida na exacta medida em que empobrecia o património do Estado.

10. Agiu voluntária, livre e conscientemente, em nome e no interesse da sociedade arguida e na qualidade de seu representante legal, bem sabendo que a sua conduta violava preceitos legais.

Mais se apurou, quanto ao arguido que: 11. A 24/09/2018, o Arguido, na qualidade de gerente e representante da sociedade, apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim para pagamento em vinte e quatro prestações do montante em dívida do IVA respeitante ao 2.º trimestre do ano de 2018.

12. O pedido referido em 11 foi deferido pela Autoridade Tributária, tendo o plano prestacional sido integralmente cumprido a 13.03.2020. (…).

23. O Arguido tem antecedentes criminais, tendo sido condenado por sentença datada de 16/10/2012, transitada em julgado em 05/11/2012, no âmbito do Proc. n.º 6357/11.0IDPRT, que correu termos no Tribunal Judicial de Vila do Conde – 1.º Juízo Criminal, pela prática, em 24/05/2011, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. p. pelo artigo 105.º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias e artigo 30.º do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), que perfaz o total de €980,00 (novecentos e oitenta euros).

* Factos não provados: Inexistem. (…) III - Motivação (…).

IV – Fundamentos de Direito:No domínio das infracções fiscais, são dois os tipos legais incriminadores de referência previstos no RGIT, aprovado pela Lei nº15/2001, de 5 de Junho: o crime de fraude (art. 103º) e o crime de abuso de confiança, (art. 105º). Paralelamente, o RGIT prevê dois outros tipos especificamente dirigidos à protecção do erário da segurança social – a fraude contra a segurança Social (art. 106º) e o abuso de confiança contra a segurança social (107º).

O abuso de confiança é um crime doloso, isto é, dir-se-á preenchido o tipo de ilícito subjectivo quando o agente actue com consciência (elemento intelectual) e de forma livre (elemento volitivo) relativamente a todos os elementos do tipo de ilícito objectivo.

A punição pela prática deste crime está sujeita às condições de punibilidade previstas no nº4 do art. 105º.

O IVA é um imposto que é devido e que se torna exigível nas transmissões de bens a título oneroso no momento em que esses bens são postos à disposição do adquirente, sendo a sua liquidação feita por força da lei, de modo instantâneo, de tal forma que é logo cobrado ao mesmo adquirente, juntamente com o preço dos bens ou serviços.

Recebido o preço e o IVA correspondente, o sujeito passivo fica desde logo devedor ao Estado do imposto que recebeu com a obrigação de o entregar a este, sendo mero depositário dessa quantia.

Se a não entregar, incorre nas sanções previstas no artigo 105º do R.G.I.T., decorrido que seja o prazo de 90 dias, previsto no nº 4 deste preceito.

A punição pela prática deste crime está ainda sujeita à não verificação da causa de extinção da responsabilidade prevista no nº6 do art. 105º, a qual se encontrava em vigor à data da prática dos factos.

Nos termos do nº 1, do artigo 105º, do R.G.I.T. - Regime Geral das Infracções Tributárias -, aprovado pela Lei nº15/2001, de 5 de Junho, “Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da Lei e que estava legalmente obrigado a...

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