Acórdão nº 465/13.0BELRA-A de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARCHÃO MARQUES
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório P...

intentou no TAF de Leiria, em nome próprio e enquanto representante legal de L...

, respectivamente, viúva e filha de M..., a presente acção administrativa de responsabilidade civil contra o Estado Português, com fundamento na circunstância de o de cujus ter falecido na sua cela no estabelecimento prisional de Torres Novas enquanto se encontrava a cumprir a pena a que fora condenado, na qual peticionou a condenação do Réu a: 1) Pagar às Autoras, a quantia de € 356, 569,00, acrescida dos juros vencidos à taxa legal e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação, até efetivo e integral pagamento (…); 2) Pagar à Autora P... a quantia de 50.000,00 € acrescida dos juros vencidos à taxa legal, e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação até efetivo e integral pagamento (…); 3) Pagar à Autora L... a quantia de 25.000,00 €, acrescida dos juros vencidos à taxa legal, e dos que se vencerem desde a sua citação para esta ação, até efetivo e integra pagamento (…); Por sentença de 31.08.2020, a acção foi julgada improcedente e o R. absolvido dos pedidos.

A A.

, por si e em representação de L...

, não concordando com o assim decidido, recorre para este TCAS, terminando as alegações de recurso com as seguintes conclusões: 1) I – Do decurso factual e processual: Em 07.06.2007 o recluso falecido M... foi condenado no âmbito do Processo Abreviado n.º 819/07.1GAVNO que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, pela prática de um crime de desobediência simples (artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do CP), pela recusa de se submeter a prova prevista no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 do Código da Estrada (facto provado n.º 83 1), tendo sido condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão, a qual foi substituída por 36 (trinta e seis) períodos (fins-de-semana) de prisão por dias livres, cada um deles com a duração de 48 horas, cada um a 5 dias de prisão contínua (artigo 45.º, n.os 1 e 2 do CP) (facto provado n.º 1) e começado a cumprir a referida pena em 08.08.2008 no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, sendo que, desde o início do cumprimento da pena, o mesmo se queixava intensa e frequentemente à mulher Autora/Recorrente, ao advogado, ao pai, ao sogro e aos amigos de ter sido objeto de maus-tratos por parte de um guarda prisional, de nome J..., manifestando um grande medo, receio e nervosismo em relação ao mesmo (factos provados n.os 2, 3, 4, 5, 6, 16 e 17); 2) Na semana anterior à morte do recluso M... (na semana anterior a 26.09.2008), o seu advogado, o Dr. L..., contatou então o Estabelecimento Prisional de Torres Novas para dar conta dos maus tratos sofridos pelo seu cliente aquando do cumprimento da pena aos fins-de-semana (facto provado n.º 8); 3) No dia 26.09.2008 (sexta-feira), no 8.º fim-de-semana de cumprimento de pena, o recluso falecido M... estava muito receoso por ter de regressar ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas, não só pelos maus tratos sofridos até então, como também estava com medo de represálias pela queixa oficial apresentada pelo seu advogado. Nesse dia, o mesmo, por estar sem carta de condução, foi conduzido ao referido Estabelecimento Prisional pela Autora/Recorrente, tendo ambos parado num café para beber dois uísques, porque estava muito nervoso (factos provados n.os 10, 12 e 13); 4) Em virtude de um atraso de 20 minutos para o recluso falecido se apresentar no Estabelecimento Prisional, a Autora/Recorrente ligou para o mesmo a informar do atraso, aproveitando para questionar se o guarda prisional J... estava de serviço, tendo em conta o medo e nervosismo do seu marido (facto provado n.º 14) e no telefonema foi-lhe respondido que ele não se encontraria de serviço, contudo, quando a Autora/Recorrente e o recluso falecido chegam ao Estabelecimento Prisional de Torres Novas viram um veículo automóvel, reconhecendo-o, sabendo que pertencia ao guarda prisional J..., concluindo, assim, que este estava ao serviço nesse dia, 26.09.2008, momento em que o recluso falecido muito hesita por estar muito nervoso e receoso (factos provados n.os 15, 16 e 17); 5) Só perante a tentativa de amenizar o recluso falecido por parte da Autora/Recorrente é que o mesmo se apresenta no referido Estabelecimento pelas 19h20, ou seja, vinte minutos atrasado (facto provado n.º 19); 6) Ao recluso falecido M... foi realizada a habitual revista à entrada do Estabelecimento, durante a qual o mesmo foi surpreendido, pois foi-lhe encontrada no bolso das calças uma bola do tamanho de um berlinde enrolado em papel celofane transparente que revelou ser canábis, sendo que o mesmo afirmava não ser dele (facto provado n.º 25), tanto mais que quanta falta de inteligência seria necessária para uma pessoa – que já se encontrava debaixo de uma forte pressão dos maus tratos na prisão - decidir levar droga no bolso das calças quando sabe, de certo, que é realizada uma revista aquando da apresentação no Estabelecimento Prisional, sendo certo que o bolso da calças constitui um local muito fácil de a mesma ser encontrada; 7) O recluso falecido M... foi colocado ilegalmente em regime de separação, numa cela isolado dos demais reclusos, não tendo o mesmo oferecido resistência, mas manifestando receio (factos provados n.os 33, 34, 35, 36 e 39).

8) Na manhã de 27.09.2008, depois das 06:00 horas, um recluso (não identificado no facto provado) foi ver o recluso M..., o qual aparentava estar morte (facto provado n.º 52), sendo que só às 07:00 horas – 07:30 horas é que um outro recluso (J...) terá alertado os guardas prisionais para tal facto (facto provado n.º 54); 9) Contudo, consta do registo que o recluso só foi encontra morto às 08:07 horas (facto provado n.º 116), sendo que a Polícia Judiciária só se deslocou ao Estabelecimento Prisional cerca das 08:40 horas (facto provado n.º 85), tendo o INEM chegado após a PJ (facto provado n.º 85), e sendo que a PSP só recebeu conhecimento do falecimento pelo INEM cerca das 11:30 horas (facto provado n.º 66); 10) O corpo do recluso falecido M..., quando foi encontrado pelas autoridades judiciais, estava suspenso na grade da janela, de costas para a mesma, ligeiramente curvado, com os pés a tocarem no chão, e o lençol da cama enrolado no pescoço (facto provado n.º 56); 11) Segundo o Relatório de Autópsia lavrado pelo Instituto de Medicina Legal (Gabinete Médico Legal de Tomar), a análise toxicológica efetuada ao sangue revelou a presença de álcool etílico na quantidade de 1,91 g/l (um grama e noventa e um centigramas por litro) (facto provado n.º 114); 12) Não obstante, segundo o a Informação de Serviço efetuada pelo Inspetor da Polícia Judiciária P..., o nó do lençol à volta do pescoço do recluso falecido caracterizava-se por ser um “nó típico, fixo e simétrico” (facto provado n.º 85); 13) A Autora/Recorrente, após o recebimento da trágica notícia da morte do seu marido, e totalmente inconformada com a mesma, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional, pedindo para ver as câmaras de vigilância, mas tal foi-lhe negado, tendo sido informada que estavam avariadas e não havia registos de imagem (facto provado n.º 65); 14) O Relatório de Autópsia lavrado pelo Instituto de Medicina Legal (Gabinete Médico Legal de Tomar) foi inconclusivo, “não sendo possível, apenas pela autópsia, o diagnóstico diferencial entre este [o suicídio], homicídio ou acidente” (facto provado n.º 108 e 114); 15) O agregado familiar do recluso falecido era constituído pela Autora/Recorrente mãe e pela Autora/Recorrente filha menor, sendo que ele era o único que trabalhava (sócio de uma empresa e motorista por conta própria), por opção do agregado, davam-se todos muito bem, tinham uma relação próxima, eram muito apegados uns aos outros, alegres de convício social, com um projeto de construção de uma casa (factos provados n.os 122 a 130, 134 e 135); 16) A morte trágica e totalmente inesperada do recluso falecido M... provocou um enorme impacto na vida das Autoras/Recorrentes, impacto a todos os níveis, emocional (depressão), afetivo, psicológico (acompanhamento por profissional), psiquiátrico (acompanhamento por profissional), económico (o pai da Autora/Recorrente é que auxiliou financeiramente a sua filha e neta após a referida morte), social, nunca mais a Autora/Recorrente mãe tendo refeito a sua vida com mais ninguém, ainda hoje ambas as Recorrentes choram a morte do seu marido e pai, sentindo muito a sua falta factos provados n.os 131 a 149); 17) A Autora/Recorrente P... intentou em nome próprio e enquanto representante legal de L..., a presente ação administrativa contra o Estado Português, alegando o que acima se transcreveu; 18) Decorridas as duas audiências de julgamento, a Meritíssima Juiz do tribunal a quo entendeu, e bem, na sentença recorrida não estarem reunidas as condições nem subjetivas nem objetivas passíveis de justificar a aplicação da medida especial de segurança de colocação em “regime de separação” aplicada a M..., tanto mais que apenas se podiam manter enquanto durasse o perigo que determinou a sua aplicação e não podiam ser utilizadas a título de medida disciplinar, sendo que no caso concreto inexistia qualquer situação de perigo e não se justificava a aplicação da medida apenas para disciplinar o facto de a M... ter sido encontrado produto estupefaciente na revista efetuada à entrada do estabelecimento prisional, prefigurando-se existir ilegalidade do ato que determinou a colocação de M... em “regime de separação”, por falta de verificação dos requisitos materiais com base nos quais a mesma poderia ser determinada; 19) O tribunal a quo entendeu ainda que no que respeita à forma da prática do ato, resulta do ponto 33. do elenco dos factos provados que o mesmo foi praticado oralmente pelo Diretor do Estabelecimento Prisional, por telefone. (…), termos nos quais, se prefigura, também relativamente a aspeto enfermar o ato praticado...

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