Acórdão nº 1038/20.7BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | PEDRO NUNO FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO T..... instaurou ação administrativa urgente contra o Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, impugnando a decisão da Diretora Nacional do SEF de 06/04/2020, e pedindo a sua anulação por violação do direito à audiência, ou a sua revogação e concessão de asilo ou proteção subsidiária.
Citada, a entidade demandada apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido.
Por sentença de 29/09/2020, o TAC de Lisboa julgou a ação improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.
Inconformada, a autora interpôs o presente recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1 - O tribunal “a quo” labora em erro de julgamento quando julga que apesar de se verificar “a preterição da audiência prévia da Requerente, por ofensa ao estatuído nos artºs 17ºs nº. 1 e 2 da Lei do Asilo”, porque “o efeito anulatório não se produz, degradando-se a preterição da audiência prévia em formalidade não essencial, porquanto, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo (artº 163º n.º 5 al. c) do CPA)”; 2 – A audiência prévia do interessado não é apenas uma formalidade, nem a sede legal do direito de audiência prévia é o artº 17º nº 1 e 2 da Lei 27/2008, de 30/6, mas as normas dos artºs 121º a 125º do CPA, aplicável no caso.
3 - A actividade do SEF está sujeita ao CPA, sendo que as normas dos artº 121º a 125º têm alcance mais amplo do que as normas do artº 17º nº 1 e 2 da Lei 27/2008, de 30/6.
4 - O direito de audiência prévia – previsto nos artºs 121º a 125º do CPA - não é uma mera formalidade, que possa ser julgada essencial ou não essencial, que se possa degradar. O direito de audiência prévia “constitui uma manifestação do principio da participação dos interessados na formação das decisões administrativas que lhe digam respeito, que decorre do artº 267º nº 5 da CRP e que, com alcance geral , o CPA consagra no artº 12º (…).”, como ensina Mário Aroso de Almeida, In Teoria Geral do Direito Administrativo . O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo, 2016, 3ª Ed. Pág. 118, Ed. Almedina.
5 - Consiste em o particular interessado conhecer as razões de facto e de direito de um projecto de decisão , antes da decisão final ser proferida, pelo que o SEF deveria ter informado, e notificado a recorrente do “sobre o sentido provável da decisão, notificando-a para se pronunciar sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos. (Artº 121º nº 1 e 2 , conjugado com a norma do artº 122º nº 2, ambos do CPA); 6 – Pelo que é ilegal e não faz sentido algum o SEF e a sentença recorrida alegarem por várias vezes que a recorrente não fez prova, mas não ser dado à recorrente o direito de conhecer essas questões, essas duvidas , contradições , como se queira chamar, e depois a sentença julgar que o direito de audiência prévia se degradou de a decisão teria sido a mesma , mesmo com o cumprimento “pontual” do direito de audiência prévia; 7 - Porque a “ratio essendi” do direito de audiência prévia, com a configuração prevista nos artºs 121º a 125º do CPA é muito mais abrangente que a norma do artº 17º nº 1 e 2 da Lei 27/2008, de 30/6, consiste em o interessado conhecer as intenções da Administração, conhecer os fundamentos de facto e de direito, e defender-se, requerer diligências complementares e juntar documentos, para fazer prova quanto aos pontos que a Administração foca. Para reverter a provável decisão desfavorável numa favorável, juntando documentos, requerendo outra prova, nomeadamente testemunhal, pericial, como estatui o artº 125º do CPA.
8 - A Recorrente é estrangeira, nada sabe de Direito, e muito menos de Direito Português, nem tem conhecimento dos labirintos jurisprudenciais, da evolução do pensamento jurídico português que modificou o regime antes previsto no artº 100º e seguintes do CPA em vigor antes da revisão que nos rege agora.
9 - Analisando a sentença vemos que amiúde ou o SEF ou o tribunal “a quo” imputam à recorrente contradições, falta de prova, passando pela alegação de “dogmas”, petições de principio que não têm fundamento na realidade , e não têm a consequência que lhe foi dada.
10 - O direito de audiência prévia, com fundamentação de facto e de direito da decisão provável, faz parte do núcleo essencial do direito de defesa da Recorrente e não mera formalidade.
11 – Veja-se nesse sentido o alegado no artº 16º supra, nomeadamente o conteúdo das notas ao artº 100º do CPA na versão em vigor em 1996, que é até menos abrangente que as normas dos artº 121º e 122º e 125 do CA actualmente em vigor; 12 - Na anotação ao mesmo artº 100º, e agora a pág. 353, aponta-se no sentido de a violação do direito de audiência prévia ser uma formalidade essencial, porque ofende o direito de defesa do interessado sendo que o vicio de preterição da formalidade de audiência prévia da recorrente não tem a ver apenas com a legalidade externa, porque “in casu” tem a ver com a legalidade interna, isto porque o facto de se ter preterido essa formalidade ofende o núcleo essencial do direito de defesa, com efeitos negativos na decisão.
13– A Recorrente se tivesse sido notificada antes, previamente à decisão final , teria tido a possibilidade de obter provas documentais, provas testemunhais do que alegou , para infirmar o juízo imponderado e errado do SEF; 14- Analisando a sentença temos que na parte que refere o que o SEF disse temos parte da fundamentação da decisão do SEF este deturpa o sentido do que a recorrente disse, pois ela não disse que depois do inicio da guerra separatista teve “emprego estável” nem acesso a bens básicos e essenciais. O que a Recorrente disse foi que antes trabalhou “13 anos no Conservatório de Música, Sempre em Donestsk, depois do inicio da guerra a família foi embora e ela tentou ficar, sempre na esperança que a guerra fosse acabar. A Recorrente em parte alguma do seu depoimento disse que tinha acesso a bens básicos e essenciais, nem emprego estável”.
15 - O SEF mergulha em documentos de análise estrangeiros, antes era o Relatório Britânico, agora é o relatório dos EUA, mas sem conhecimento efectivo do que se passa em Donetsk, onde todos sabemos que há assassinatos em massa, guerra entre as forças separatistas pró-russas e as forças da Ucrânia, mas para o SEF parece que isto é normal, que as pessoas mesmo em guerra, morrendo pessoas , havendo pilhagens, com a Crimeia anexada a Rússia, ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia, tudo isto para o SEF é normal.
16 – O SEF na tentativa de prejudicar a Recorrente até diz que a Recorrente tinha isso tudo, “ao contrário de uma parte significativa da população” sem fundamentar a razão de ciência dessa conclusão, sem qualquer premissa e seguramente contra a realidade das coisas; 17 – No parágrafo antepenúltimo de pág. 13 da sentença, mais uma vez é referido o que o SEF diz, sem previamente ter ouvido a recorrente em audiência prévia, pois o risco de perseguição individualizada resulta desde logo da limitação de culto, ao facto de ter os familiares fora de Donetsk e de em situação de guerra civil ou se guerra entre as forças da Ucrânia e a milícias separatistas não é necessário haver uma perseguição ao A. ou ao B. para haver perigo de risco de perseguição, individualizada, tanto mais que a Recorrente vivia em Donetsk como os comunistas viviam em Portugal antes do 25 de Abril, escondidos, o mais discretos possíveis , mas sem liberdade.
18 -A pág. 14 da sentença mais uma vez o SEF é citado a dizer que a requerente tem pelo menos nos dois últimos anos estado noutras zonas da Ucrânia, por motivos vários e regressa sempre , de forma voluntária a Donetsk.
Esta questão tem de ser cotejada e analisada com o que a Recorrente disse: “Durante cinco anos estivemos na esperança que a guerra fosse acabar e a nossa vida melhorasse. (Cfr. pág. 4 da sentença).
19 - – O SEF insiste em fazer transcrição do relatório Migration Policy (Cfr.pág. 14 e 15 da sentença, mas depois não consegue ler, interpretar o relatório, e perceber a situação humilhante e perigosíssima que se vive na Ucrânia e nos territórios dominados pelas milícias separatistas, a situação de desconfiança interna entre a população das zonas não ocupadas e a população originária dos territórios ocupados pelas milícias pró-russas.
20 - O SEF não percebe porque não quer, e, porque segue ordens do Governo Português para actuar contra os candidatos a refugiados oriundos da Rússia. Portugal e vários outros países europeus estão a fechar os olhos a uma situação terrível, mas para a qual não têm força de oposição à Rússia, e porque precisam da Rússia para o fornecimento de gás, numa “mise en scene” brutal, muito longe dos chamados “Direitos Humanos”; 21 - – O SEF depois tece considerações sobre os efeitos de a Recorrente ter tido a oportunidade de se deslocar para fora da zona de conflito, e até opina que a Recorrente poderia ter apoio no processo de reintegração, sem que o SEF indique a fonte da sua razão de ciência e sem ter ouvido o que a recorrente disse , sem analisar os relatórios que vai indicando , e sem ter notificado previamente a recorrente sobre o sentido da decisão, sem ter entregue a fundamentação de facto e de direito do que alega.
22 - O tribunal “a quo” deu como sumamente bons estes argumentos do SEF , julgando a pág. 21 que o que o SEF disse e opinou é tudo verdade e que a recorrente sem lhe ter sido comunicado a decisão provável, com cópia e com fundamentação de facto e de direito, para se poder defender, indicar prova complementar , o Tribunal “a quo”, sem que a senhora juiz tenha qualquer experiência de guerra , fala nos padrões do “homem médio” , esquecendo , ou nem sequer pensando que em situação de guerra “homo homini lupus”, como foi no Ruanda, no Uganda, com centenas de milhares de mortos, na luta entre...
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