Acórdão nº 1641/20.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04 de Fevereiro de 2021

Data04 Fevereiro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo SulI. RELATÓRIO M....., nacional da República do Senegal, requerente no pedido de protecção internacional, intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), o presente processo urgente contra o Ministério da Administração Interna no qual pediu a anulação da decisão da Directora do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), de 05.08.2020, que considerou o seu pedido inadmissível e determinou a transferência para Itália do cidadão, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 19º-A, e do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 27/08, de 30.06, alterada pela Lei nº 26/2014, de 05 de Maio, em cumulação com o pedido de condenação da Entidade Demandada a (i) reinstruir o procedimento com informação fidedigna actualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália; (ii) analisar o seu pedido, caso se verifique a impossibilidade de aquele país garantir um tratamento condigno ao Autor.

Subsidiariamente, pediu a condenação da Entidade Demandada a conceder-lhe o direito de asilo ou a autorização de residência por proteção subsidiária.

Foi proferida sentença pelo Tribunal a quo, em 30 de Outubro de 2020, julgando a acção totalmente improcedente.

Inconformado o Autor, ora Recorrente, veio interpor para este Tribunal o presente recurso, formulando na sua Alegação as conclusões que, de seguida, se transcrevem: “1.

É nula a douta Sentença Recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º nº1 alínea d) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por referência ao artigo 90º nº3 do mesmo compêndio normativo.

  1. Igualmente e sem prescindir, o Tribunal Recorrido viola o disposto nos números 1, 2 e 3 do artigo 90º nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em especial o que ao seu número 3 diz respeito, por ausência do dever de fundamentação aí imposto ao Tribunal Recorrido, assim como viola o preceituado nos artigos 2º nº1, 4º, 410º, 411º e 413º do Código de Processo Civil e, do mesmo modo, o direito à prova que ao Autor assiste, na medida em que, constituindo factos essenciais que se consideram como controvertidos e necessitados de prova, a realidade vivenciada pelos Requerentes de Proteção Internacional em Itália, são passíveis de constituir tratamento desumano ou degradante, rejeitando a prestação de declarações de parte pelo Autor e a realização da prova pericial requerida na Petição Inicial.

  2. Tendo em consideração que tais factos (referidos na conclusão antecedente) são passíveis de integrar o jurídico de «impossibilidade de tratamento condigno», como definido no artigo 3º nº 2, 2º parágrafo, do Regulamento EU 604/2013, facto essencial constitutivo da causa de pedir que conforma o objeto do processo e cuja prova da sua verificação importa à boa decisão da causa, deveria ter o Tribunal Recorrido deferido a prova por declarações e a prova pericial requerida pelo Autor.

    Não obstante, 4.

    A douta Decisão Recorrida é inválida, nos termos do artigo 3º nº 3 da Constituição da República Portuguesa, porquanto a mesma perfilha a interpretação inconstitucional, por violação do artigo 8º da Lei Fundamental, por referência aos artigos 3º da CEDH, 4º da CDFUE, 78º do TFUE e 33º nº1 da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, como aquela que ocorre sempre que um Tribunal profira decisão que não reconheça a obrigatoriedade de uma entidade administrativa, neste caso o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, averiguar oficiosamente da existência de um tratamento desumano e/ou degradante atenta a ausência de informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional noutro Estado Membro, nos termos do artigo 3º nº2, 2º parágrafo, do Regulamento EU 604/2013.

    Do mesmo modo, 5.

    A decisão impugnada considerou o Estado Italiano responsável pela análise do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor, estritamente com base na ocorrência registada na base de dados do Sistema Eurodac em referência e na ausência de resposta das Autoridades Italianas ao pedido de retoma a cargo, no prazo a que alude o artigo 25º nº1 in fine do Regulamento EU 604/2013, mostrando-se a referida decisão totalmente omissa relativamente à situação atual dos refugiados e dos requerentes de proteção internacional em Itália, não podendo eta análise ser substituída através da citação de jurisprudência sobre esta matéria, alheia à factualidade relevante vertida no caso em apreço.

  3. No caso sub judice, a decisão impugnada nada refere a propósito do funcionamento do procedimento de asilo italiano e das condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional nesse Estado-Membro, não se mostrando possível, através da sua leitura, aferir da existência ou não do risco, direto ou indireto, de o Autor ser sujeito a tratamento desumano ou degradante, na aceção dos artigos 3º da CEDH e 4º da CDFUE, 7.

    Face às informações conhecidas sobre a situação dos requerentes de proteção internacional no Estado Italiano, verifica-se que o ato impugnado incorre em deficit de instrução, no que concerne aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção internacional formulado, não se mostra possível aferir em concreto da violação do invocado princípio da não expulsão, nem da responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional, pelo que deveria a decisão do Diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ser anulada por deficit instrutório, nos termos dos artigos 58º e 163º nº1 do Código de Procedimento Administrativo.

  4. Resultando da factualidade exposta ao longo do presente Recurso e na Petição Inicial que o sistema italiano de concessão de asilo não reúne as condições necessárias que permitam evitar que o aqui Autor sofra um tratamento desumano ou degradante – atenta a ausência de informação fidedigna atualizada sobre o funcionamento do procedimento de asilo italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália – deveria a Entidade Demandada ser condenada a reconstituir o procedimento, instruindo-o com informação fidedigna atualizadas sobre o funcionamento do procedimento de asilo Italiano e as condições de acolhimento dos requerentes de proteção internacional em Itália, de molde a aferir se, no caso sub judice, se verifica qualquer dos motivos enunciados no artigo 3º nº2, 2º parágrafo, do Regulamento EU 604/2013.

    Em face do Direito da União Europeia (doravante DUE), no seguimento das conclusões antecedentes e da matéria acima alegada, não dispensando a aplicação da Convenção de Dublin, tal como o atual Regulamento de Dublin III, que as autoridades devam verificar se existem garantias suficientes de que a pessoa não será sujeita a um risco sério de sujeição a tratamentos contrários ao artigo 3º no país de acolhimento, nomeadamente um risco de refoulement,, direta ou indiretamente, para o seu país de origem14, impor colocar as seguintes questões prejudiciais, nos termos e para os efeitos do disposto no 267º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia e no artigo 94º do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça: A.

    É compatível com o Direito Europeu que uma entidade administrativa de um Estado Membro, responsável pela análise do pedido de proteção internacional, possa proferir uma decisão administrativa quanto ao Estado-Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional estritamente com base na ocorrência registada na base de dados do Sistema Eurodac e na ausência de resposta das Autoridades de outro Estado Membro quanto ao pedido de retoma a cargo, no prazo a que alude o artigo 25º nº1 in fine do Regulamento EU 604/2013, mostrando-se a referida decisão totalmente omissa relativamente à situação atual dos refugiados e dos requerentes de proteção internacional nesse mesmo Estado Membro de Retoma? B.

    É compatível com o Direito Europeu que o ónus da prova da verificação da existência de tratamento degradante ou desumano recaia sobre o requerente de proteção internacional ao invés de ser considerado competência da entidade que procede à apreciação do pedido de proteção internacional? Tal não se entendendo, 10. Tendo em consideração o seguinte trecho decisório: É competente o Estado Português para apreciação do pedido de proteção internacional formulado pelo Autor a 07 de julho de 2020, como pedido autónomo e distinto daquele por si formulado perante o Estado Italiano, o qual decidiu pela inadmissibilidade do mesmo e a subsequente medida de afastamento com base no indeferimento do pedido, como resulta da conjugação e aplicação as regras constantes dos artigos 13º, 19º e 20º do Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho.

  5. A competência é assim excluída do Estado Italiano após a prolação da sua decisão sobre o pedido aí formulado anteriormente pelo aqui Recorrente, devendo ser apreciado o seu pedido de proteção internacional apresentado a 07 de julho de 2019 como um pedido autónomo e independente daquele 12.

    Deverá considerar-se preenchido o conceito de refugiado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 3º, 5º nºs 1 e 2 da Lei 27/2008 ou, tal não se verificando, considerar-se preenchido o conceito de proteção subsidiária, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do número 2 do artigo 7º da Lei nº 27/2008, conjugado com o número 1 deste mesmo artigo e com alínea e) do artigo 2º e alínea c) do artigo 15º, ambos da Diretiva 2004/83/CE do Conselho de 29 de abril de 2004”.

    Pede que seja revogada a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente, por provada, a presente ação.

    * A Entidade Demandada, ora Recorrida, regularmente notificada para contra-alegar nada disse ou requereu.

    * O Digno Magistrado do...

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