Acórdão nº 00498/14.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O., residente na Rua (…), instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, IP, com sede na Rua da (…).

Pediu que se declare o acto administrativo em causa - decisão do Instituto da Segurança Social, Centro Distrital de (...), pela qual declarou a nulidade do acto de atribuição das prestações de subsídio de doença nos períodos compreendidos entre 02/01/2006 a 31/10/2006, 27/11/2006 a 18/01/2009 e 26/03/2009 a 22/04/2010 por se ter verificado a acumulação com o exercício de actividade profissional - ineficaz, nulo ou, no mínimo, anulável bem como as notas de reposição (6901256 e 70919419) emitidas na sequência daquela decisão.

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida do pedido a Entidade Demandada.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões: 1º Considerou a decisão recorrida que não estava verificada a falta de fundamentação do acto administrativo alegada pelo recorrente, todavia não pode concordar-se com esse entendimento.

  1. Com efeito não basta dizer que o recorrente em “determinado momento” conferiu e assinou 42 faturas da sociedade A., Lda. Pois tal afirmação afigura-se genérica e imprecisa, uma vez que não indica quando tais facturas teriam sido conferidas e para que efeito o foram sendo certo que a mera conferência de tais documentos não poderá nunca sem mais traduzir acto profissional de gestão.

  2. Considera assim o recorrente que nada foi alegado na decisão administrativa impugnada e muito menos provado relativamente à concreta data em que esses documentos teriam sido conferidos e assinados pelo recorrente, ou a finalidade de tal conferência.

  3. Por conseguinte a decisão recorrida não deu como provado em que data essas faturas foram conferidas e assinadas e para que finalidade, limitando-se à genérica fórmula “determinado momento”, sendo tal facto decisivo para saber se o recorrente com tal acto praticou de facto actividade profissional em simultâneo com a incapacidade por doença de que demonstradamente padeceu.

  4. Ora a falta de alegações de tais factos na decisão impugnada, constitui na perspetiva do recorrente, uma insuficiência na fundamentação do acto que importa a sua nulidade. A decisão Administrativa impugnada não está suficientemente fundamentada, e os parcos fundamentos apresentados são genéricos e insuficientes, não identifica os concretos actos praticados e qualificados como actos alegadamente profissionais, pelas datas da sua ocorrência.

  5. Face ao exposto, considera-se ocorrer ausência, de modo suficiente, de fundamentação ou motivação do acto impugnado, já que o mesmo não contém os fundamentos de facto e de direito que permitam com total clareza, suficiência e coerência dar a conhecer ao destinatário as razões por ter decidido neste sentido e não noutro, tal como impõe o art. 125º nº1 do CPA.

  6. A falta de fundamentação (vide obrigatoriedade da mesma no art. 124º nº1 al. a) CPA., inquina o acto administrativo de ilegalidade o que determina a sua anulabilidade (vide neste sentido Ac. TCANorte de 10-02-2012 in www.dgsi.pt) 8º Deste modo mal andou a sentença recorrida ao considerar que o acto administrativo impugnado comportaria fundamentação suficiente, decisão que violou o disposto no art. 124º n. 1 al. a) do CPA.

  7. Considerou a sentença recorrida improcedente a excepção de prescrição invocada pelo recorrente, todavia sem razão, pois tal entendimento comporta uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 3º do D. L. nº 133/88 de 20/04.

  8. Do teor decisão recorrida resulta evidente que o Tribunal “a quo” não respondeu à questão enunciada pelo recorrente, ou seja, passou ao lado da questão de saber qual é o prazo legal para que a Segurança Social proceda à interpelação para restituição dos valores alegadamente indevidos a que se refere aquela art. 3º, cingindo-se apenas à questão da prescrição do direito após tal interpelação. É que necessariamente existem dois momentos distintos, o momento após o recebimento da quantia, mas antes da interpelação realizada pela Segurança Social e o momento após a realização dessa interpelação.

  9. O regime prevenido no D. L. 133/88 de 20/04 é omisso relativamente ao prazo legal dentro do qual a recorrida Segurança Social deverá efectuar a respectiva interpelação ao devedor para efectuar a restituição, O prazo para despoletar a interpelação não pode ser discricionário e sem limite, pois de outro modo teríamos de concluir que o prazo de 10 anos de prescrição do direito à restituição nunca teria o seu início, sendo esse início precisamente o acto de interpelação, o que colidiria frontalmente com os princípios da segurança e certeza jurídica que informam o Estado de Direito.

  10. Por conseguinte, atenta a indiscutível omissão verificada no regime do D. L. 133/88 de 20/04, torna-se necessário lançar mão do regime geral prevenido no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, regime que rege para todas as situações em que devam ocorrer reposições de quantias recebidas indevidamente.

  11. Com efeito a obrigatoriedade de reposição de quantias recebidas indevidamente prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento, nos termos do n.º1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, diploma que aprovou o Regime de administração financeira do Estado. Ou seja, a segurança social deveria ter despoletado a interpelação com vista à reposição de quantias indevidas no prazo de 5 anos a contar do recebimento, e uma vez realizada tal interpelação o direito prescrevia no prazo de 10 anos.

  12. Deste modo o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20.04, deverá ser interpretado no sentido de que o limite temporal estabelecido no n.º 1, do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07, é aplicável sempre que não ocorra interpelação para o pagamento dentro desse limite temporal.

  13. Ora, conforme flui dos autos entre o pagamento ao recorrente da última prestação ocorrido em 22/04/2010, constata-se que a recorrida não despoletou qualquer interpelação válida para obter o pagamento dentro do prazo de cinco anos, já que só em 04/08/2015 ou seja mais de cinco anos depois é que o recorrente foi interpelado nesse sentido.

  14. Por conseguinte logo se vê que o direito à restituição estaria prescrito pelo decurso do referido prazo legal de cinco anos, por falta de interpelação nesse sentido dentro desse prazo legal - cfr. Ac. do TCAN de 30/11/2012 in www.dgsi.pt, 17º Deste modo mal andou a decisão recorrida ao julgar improcedente a invocada prescrição, fazendo uma errada aplicação do disposto no art. 3º do D. L. nº 133/88 de 20/04.

  15. A decisão recorrida, estribada no facto de o recorrente ter conferido e assinado 42 faturas, “em determinado momento” sem concretizar que momento foi esse, concluído por isso que exerceu actividade profissional em acumulação com o subsídio de doença, conclusão, que o recorrente considera errada.

  16. O acto de conferir 42 faturas, sem se demonstrar que o mesmo se circunscreveu no âmbito da gerência, não permite concluir pela prática de qualquer actividade profissional do recorrente. Com efeito essa faturas poderiam ter sido conferidas pelo recorrente para os mais diversos fins, alheios ao giro da sociedade, ou na sua qualidade de sócio, em virtude da aprovação das contas da sociedade, actuação que se inscreve na sua qualidade de sócio e que escapa à sua qualidade de gerente.

  17. Acresce que não se tendo provado em que data esses documentos foram conferidos e assinados pelo recorrente não poderia a decisão recorrida concluir que tal acto ocorreu durante o período de incapacidade do recorrente. Tal conclusão não encontra nos factos provados sustentação possível, 21º Mas inda que assim não fosse, tais actos, pela sua natureza, não se subsumem no conceito de actividade profissional a que se alude na lei. Os actos assim praticados em nada constituem exercício de qualquer tipo de actividade profissional nos termos prevenidos na lei, uma vez que o cargo de gerente não constituir por natureza actividade profissional, na medida em que se traduz na representação orgânica de uma pessoa colectiva, que de outro modo ficaria inoperativa.

  18. De qualquer modo e sempre sem conceder, a decisão de anulação integral do direito ao subsídio de doença constitui uma decisão desproporcional, desequilibrada e injusta, pois priva o recorrente do direito ao subsídio de doença durante todo o longo período de tempo em que esteve demonstradamente incapacitado para o trabalho, em razão de ter conferido e assinado 42 faturas, sem que se saiba quando é que isso sucedeu.

  19. Deste modo, a decisão recorrida ao julgar a acção improcedente e ao confirmar o acto administrativo de anulação do direito do recorrente ao subsídio de doença, comporta um tal grau de ofensa dos direitos da recorrente da justiça e do Estado de Direito, merecedora de censura.

  20. É pois infundado e destituído de todo o sentido interpretativo (ver art. 9 do CC) da norma legal do art. 24º, nº 1 al. c) do D. L. 28/2004 de 04/02, a tese de que os actos praticados pelo gerente na estrita representação da sociedade que representa, devem sem mais ser considerados actividade profissional para efeito da referida norma.

  21. Tais actos estão obviamente excluídos da previsão normativo do art. 24º, nº 1 al. c) do D. L. 28/2004 de 04/02 que expressamente se refere ao exercício de actividade profissional, situação que o cargo de gerente não constitui.

  22. A interpretação que a decisão recorrida fixou aquela norma legal, conduziria à conclusão de que o gerente de uma sociedade nunca poderia estar em situação de incapacidade por doença beneficiando do respectivo subsídio, situação que configura uma clara violação dos direitos liberdades e garantias constitucionalmente protegidos.

  23. Afigura-se inconcebível que o gerente de uma sociedade pudesse deixar de cumprir as obrigações da sociedade que representa tais como salários, impostos...

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