Acórdão nº 77/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 77/2021

Processo n.º 717/2020

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., ora Recorrente e Reclamante, instaurou contra B., seu ex-marido, execução para pagamento de quantia certa, com base em sentença homologatória de partilha, transitada em julgado no processo de inventário subsequente ao seu divórcio, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Matosinhos – Juiz 4 (Processo n.º 67/05.5TMMTS).

Por apenso aos autos de execução – Processo n.º 67/05.5TMMTS-O (nosso processo) – B., ora Recorrido, opôs-se à execução, mediante embargos, invocando, para o efeito, a extinção da dívida exequenda, que corresponde ao crédito de tornas de que a Exequente/Recorrente é titular, por efeito de compensação do mesmo com o contra crédito do Executado/Embargante, resultante do pagamento, com recurso a património próprio, do valor da meação primeira no passivo da responsabilidade do ex-casal, após a partilha.

A Exequente/Recorrente contestou, pugnando pela condenação do Embargante/Executado como litigante de má-fé e pela improcedência dos embargos.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar os embargos procedentes e, em consequência, a extinguir a execução, absolvendo o Executado/Embargante do pedido de condenação por litigância de má-fé e ordenando o imediato levantamento das penhoras realizadas na execução.

1.1. Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação dessa sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 11/07/2018, julgou o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, revogou a sentença recorrida e ordenou o prosseguimento da execução (cfr. fls. 547 a 573).

1.2. Desse acórdão interpôs o Embargante/Executado recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que a Recorrente, nessa sede recursiva, não apresentou contra-alegações.

Por acórdão de 10/12/2019 (cfr. fls. 640 a 664), o STJ julgou o recurso procedente e, em consequência, julgou os embargos procedentes e extinguiu a execução.

Contrariamente ao sustentado pelo TRP, o STJ decidiu ser admissível a invocação pelo Executado/Embargante, em sede executiva, a compensação do seu contra crédito decorrente do pagamento de dívidas da responsabilidade do ex-cônjuge a terceiros, com o crédito decorrente de tornas titulado pela Recorrente (artigo 729.º, alínea h), do Código Civil).

1.3. A Recorrente requereu, então, a aclaração do aludido acórdão do STJ, com os seguintes fundamentos, com interesse para a presente decisão (cfr. fls. 670 a 681):

“[…]

E,

Como esse Venerando S.T.J. aplica definitivamente o regime jurídico que julga adequado, nos termos do nº1 do artº 682 do C.P.C., entende a Reclamante que apreciação do direito aplicável, ocorreu nulidade nos termos da ai. d) do nº1 do art. 615 do C.P.C. seja quanto à não apreciação e aplicação do disposto no nº2 do artº 1694 do C.C., norma esta de natureza imperativa como resulta do seu teor, e por outro lado na não aplicação do disposto quanto ao instituto das compensações entre ex cônjuges como resulta do disposto no art. 1697 do C.C..

[…]

ASSIM,

Ao deliberar-se em oposição a uma norma de natureza imperativa praticaram os ex cônjuges um ato nulo nos termos dos arts 280 e 295, ambos do C.C., o que expressamente se argui para os devidos efeitos legais.

[…]

EM RESUMO,

Deve o douto Acórdão ser reparado no sentido de à dívida do Credor Banco C. ser aplicado o disposto no nº2 do art. 1694 do CC e por isso ser considerado passivo da exclusiva responsabilidade do cônjuge titular do bem imóvel próprio.

No que respeita à dívida comum da credora Rosa Bites, paga pelo ex cônjuge e marido na pendência do inventário, antes da elaboração do mapa da partilha e da prolação da sentença homologatória, sem que o mesmo tenha reclamado nos autos a compensação nos termos do art. 1697 do CC deve ser reconhecido que ocorreu preclusão quanto ao direito de exercer tal compensação.

[…]”

1.4. Por acórdão datado de 27/02/2020, o STJ acomodou a pretensão da Recorrente como se de uma verdadeira arguição de nulidade se tratasse, com fundamento em omissão de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC), por não ter aplicado o regime previsto nos artigos 1694.º n.º 2 e 1697.º, do Código Civil, e concluiu pelo indeferimento da reclamação apresentada, confirmando, assim, o acórdão de 10/12/2019 (cfr. fls. 684 a 686).

Nesse acórdão de 27/02/2020, sustentou-se o seguinte:

“[…]

5.Não sendo os acórdãos do STJ suscetíveis de recurso ordinário, o regime das suas nulidades é o que resulta da aplicação conjugada dos artigos 685º, 666º e 615º do CPC.

Cabe, assim, apreciar, em conferência (art.666º, n.2), se o acórdão do STJ enferma de nulidades (art.615º, n.4).

6.A requerente invoca a violação do art.615º, n.1 al. d) do CPC, nos termos do qual a decisão é nula quando o juiz deixa de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

7.Ora, a requerente não diz quais as questões a que aquele acórdão não deu resposta, sendo certo que tais questões só poderiam ser as questões suscitadas pelo recorrente, já que a recorrida não apresentou qualquer recurso subordinado nem tão-pouco contra-alegações. Por outro lado, a requerente também não diz quais as questões que o tribunal conheceu e de que não podia tomar conhecimento.

Conclui-se, assim, que o acórdão não enferma de qualquer nulidade.

8.O que se extrai do requerimento apresentado pela recorrida é que ela não concorda com a decisão, a qual não lhe foi favorável. Todavia, não sendo as decisões do STJ suscetíveis de recurso ordinário, devem os seus destinatários acatar essas decisões.

[…]”

1.5. Desse acórdão do STJ de 27/02/2020 a Recorrente interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, identificando o objeto do presente recurso nos seguintes termos (cfr. requerimento de interposição de recurso a fls. 694 a 757):

“(…), Recorrente nos autos de processo supra identificados, notificada da decisão proferida pela Conferência, datada de 27.02.2020, junta a fls..., e não se conformando com a mesma, vem dela interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos das disposições previstas nos art.º 70.º, n. 1, al. b) e f), art.º 72.º, n. 2, al. b), art.º 75.º, n.1, todos da LTC, pela violação das normas imperativas constantes dos art.º 1694.º e 1697.º, ambos do Código Civil, arguidas em sede de Reclamação para a conferência, na interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça na aplicação do art.º 729.º, al. h), do CPC, ainda, na violação dos princípios constitucionais da confiança e da igualdade, na interpretação feita do art.º 729.º, al. h), do CPC na revista proferida, (…)”

1.6. Por despacho datado de 10/07/2020, o STJ admitiu o recurso (cfr. fls. 759).

1.7. Neste Tribunal, e em sede de exame preliminar do Conselheiro Relator, foi proferida a Decisão Sumária n.º 672/2020, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

“[…]

2.1. No caso vertente, a Recorrente interpôs recurso de constitucionalidade ao abrigo das alíneas f) e b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.

No tocante à alínea f), a Recorrente defende que a “a interpretação efetuada pelo acórdão proferido ao regime previsto na al. h), do art.º 729.º, do Código de Processo Civil, encontra-se ferida de ilegalidade face ao regime previsto no art. 1697.º, do Código Civil”, ou seja, a interpretação conferida ao sobredito preceito legal viola lei imperativa, que a Recorrente identifica como sendo os artigos 1694.º e 1697.º, do Código Civil (cfr. fls. 704 e 705).

No que concerte à alínea b), a Recorrente propugna a inconstitucionalidade material da interpretação normativa dos artigos 729.º, alínea h), do C.P.C., e do artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26/06, “no sentido de que a primeira das disposições mencionadas se aplica a sentenças homologatórias de partilha cujos mapas foram definidos em data bastante anterior à da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, e à qual não podiam ser opostos contra créditos anteriores à definição do próprio mapa, por violação do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente subjetiva de princípio da proteção da confiança” (cfr. fls. 714).

2.2. Iniciando a nossa análise pelo recurso de legalidade, importa salientar que, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e). Para os efeitos previstos na referida alínea, a “ilegalidade” deve ser entendida com um sentido específico de relação entre atos legislativos de diferente valor, e pressupõe, por isso, que uma norma constante de um ato legislativo (lei, decreto-lei, decreto legislativo regional) viole lei de valor reforçado.

Como este Tribunal vem realçando, na sua jurisprudência, o recurso de legalidade:

“[…]

[P]ressupõe uma relação de parametricidade entre uma norma de um ato legislativo de valor reforçado e uma norma de um ato legislativo de valor ordinário ou comum. A competência do Tribunal Constitucional para apreciar da ilegalidade, em sentido próprio, apenas abrange tal...

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