Acórdão nº 74/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 74/2021

Processo n.º 974/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Município de Loures (o ora recorrente) pretendeu interpor recurso da sentença datada de 15/12/2016, proferida em incidente de liquidação da condenação proferida no processo n.º 932/97, do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Viu essa pretensão impugnatória indeferida por despacho de 29/11/2018, com fundamento no caráter extemporâneo do recurso.

1.1. Desta decisão reclamou o Município de Loures para o Tribunal Central Administrativo Sul, no qual, por decisão singular da relatora, foi a reclamação indeferida.

1.1.1. Ainda inconformado, o Município de Loures reclamou da decisão singular para a conferência, que, por acórdão de 16/04/2020, negou provimento ao recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

III.1. Apreciando, temos que o ora Reclamante, vem reclamar da decisão do Relator de 31.01.2020, que decidiu «(...) por se tratar de recurso interposto de uma decisão proferida em incidente que fez operar a renovação da instância declarativa, entrada em juízo em 1997 não [ser] aplicável o prazo de recurso de 30 dias previsto no artigo 144.º do CPTA (cfr art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002 de 22.02, e art 7.º da Lei n.º 4-A/2003 de 19.02), mas sim o de 10 dias previsto na LPTA», razão pela qual manteve o despacho reclamado, julgando o recurso jurisdicional interposto extemporâneo.

A decisão em causa, proferida pelo Relator leve por respaldo a circunstância de que a mesma já havia sido tratada, como amplamente referido no despacho reclamado, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que os recursos jurisdicionais interpostos em ações intentadas em data anterior à entrada em vigor do CPTA (cfr. art.s 5.º, n.º 1, e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22.02), ou seja, ainda na vigência da LPTA, se deduzem mediante requerimento a oferecer no prazo de 10 dias, contado da notificação da decisão recorrida, ao que se seguirá o despacho de admissão do recurso e a fase das alegações.

Vejamos os fundamentos da decisão do Relator, ora reclamada:

«(…)

A questão a decidir já foi tratada, como amplamente referido no despacho reclamado, pelo Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que os recursos jurisdicionais interpostos em ações intentadas em data anterior à entrada em vigor do CPTA (cfr. arts. 5.º, n.º 1, e 7.º da Lei n.º 15/2002, de 22/2), ou seja, ainda na vigência da LPTA, se deduzem mediante requerimento a oferecer no prazo de 10 dias, contado da notificação da decisão recorrida, ao que se seguirá o despacho de admissão do recurso e a fase das alegações.

No caso em apreço, dúvidas não há que, por despacho de 08.03.2012, o tribunal a quo determinou convolação da então ação executiva para pagamento de quantia e liquidação no incidente de liquidação de sentença, a tramitar, também, por apenso à ação declarativa n.º 932/97, o que determinou a renovação desta instância declarativa (cfr. alínea c) supra).

Com efeito, só depois de efetuada a liquidação, é que começaria a correr o prazo para a Entidade Executada proceder à execução espontânea do julgado e, se necessário, para instauração da correspondente ação executiva. 

Ora, tendo operado a renovação de uma instância declarativa iniciada em 1997, tem inteira aplicação a doutrina que dimana da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo – já referida – nomeadamente, nos acórdãos de 22.02.2011, P. 01019/10, de 27.10.2016, P. 0871/16 e de 07.12.2016, P. 0816/16, reiterando a doutrina que havia sido anteriormente firmada, designadamente, no acórdão de 27.10.2016, no qual se expendeu que, nos termos do art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2002, de 22.02, as disposições do CPTA não se aplicam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor.

Doutrina esta que aqui se acompanha e reitera, por ter inteira aplicação para a análise e decisão da situação verificada nos presentes autos, pois o Reclamante foi notificado da decisão recorrida por ofício datado de 16.12.2016 (cfr. alínea E) supra) e o recurso entrou em juízo a 01.02.2017 (cfr. alínea F) supra), ou seja, muito após o decurso do prazo de 10 dias que teria para o efeito.

Por outro lado, e enfrentando a questão da inconstitucionalidade do art. 5.º, n.º 3, da Lei n.º 15/2002, por violação do direito de acesso aos tribunais e o princípio da confiança, consagrados nos art.s 2.º e 20.º da CRP, importa ter presente que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar tal questão, em acórdão tirado a 29.01.2007, n.º 680/2006, decidindo não julgar inconstitucional a norma do artigo 5.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 15/2002, de 22.02, interpretado no sentido de que o prazo para a interposição de um recurso num processo pendente à data da entrada em vigor dessa lei é o prazo previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (lei antiga) e não o prazo, mais alargado, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (lei nova).

Tendo-se consignado, designadamente, no citado aresto:

“(...) a questão de constitucionalidade central nos presentes autos tem por objeto a interpretação do artigo 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, segundo a qual o prazo para a interposição de um recurso num processo pendente à data da entrada em vigor dessa lei é o prazo previsto na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (lei antiga) e não o prazo, mais alargado, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (lei nova).

O recorrente sustenta que tal interpretação viola o direito de acesso aos tribunais e à sindicabilidade dos atos administrativos, corolários da ideia de Estado de direito democrático (artigos 2.º, 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição).

Cabe salientar que nos presentes autos o Supremo Tribunal Administrativo não negou a possibilidade de recurso, mas fundamentou o não conhecimento do objeto do recurso interposto na intempestividade.

Não questionando o recorrente no presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a eventual exiguidade ou inadequação do prazo previsto pelo regime legal que o tribunal recorrido aplicou (artigos 102.º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, e 685.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), não se coloca um problema de verdadeira negação do direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva. Na verdade, o recurso em causa (isto é, o recurso que o recorrente pretende ver admitido) encontra-se legalmente previsto; só não foi interposto dentro do prazo legal – não tendo sido a constitucionalidade desse prazo suscitada, como já se referiu. Ora, tal circunstância desloca o fundamento da não admissão do recurso de uma eventual inconstitucionalidade, por negação do direito ao recurso (como pretende o recorrente), para um mero problema de aplicação da lei no tempo.

O recorrente sustenta, porém, que o regime legal em causa é pouco claro e ambíguo, o que implicaria uma violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático. Para tanto, formula o recorrente uma interpretação de dimensões normativas implícitas no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, segundo a qual daquele preceito decorreria a aplicação do regime de recursos previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos aos recursos previstos na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.

Como já se referiu, ao Tribunal Constitucional não compete proceder à interpretação do direito infraconstitucional. Desse modo, apenas se averiguará se em face da norma em causa (ponderando o teor do preceito) será procedente sustentar uma violação do princípio da confiança. 

Na perspetiva do recorrente (tal resulta de modo claro das suas alegações), a alegada ambiguidade traduzir-se-ia na dúvida decorrente do regime em causa sobre a aplicação do prazo de interposição do recurso previsto na lei antiga e o prazo de interposição do recurso previsto na lei nova.

A alegada falta de clareza da lei tem, portanto, dois pólos suficientemente percetíveis. Ora, se ao recorrente foram suscitadas dúvidas sobre a aplicação de um ou outro regime, e não decorrendo inequivocamente do regime transitório a solução da aplicação da lei nova (não pode deixar de se anotar que, numa perspetiva puramente objetiva, é perfeitamente sustentável a interpretação segundo a qual o regime transitório aponta, in casu, para uma aplicação da lei antiga), a estratégia processual a seguir não poderia deixar de ponderar tais dúvidas, ou seja, não poderia deixar de antecipar as consequências de qualquer das opções. E, assim, a escolha da aplicação do regime novo (prazo mais alargado) implicaria a possibilidade objetiva de o tribunal vir a considerar o recurso intempestivo, por entender ser aplicável o regime antigo.

Não existe, pois, qualquer violação do princípio da confiança, já que não existia nenhuma expectativa legítima, induzida ou não pelo regime legal em questão, que tenha sido afetada ou frustrada de modo constitucionalmente inadmissível. De facto, a decisão de intempestividade era previsível, já que se afigurava objetivamente sustentável em face do regime transitório em causa, pelo que mais uma vez o não conhecimento do objeto do recurso pelo tribunal recorrido ficou a dever-se à estratégia processual do recorrente. (...)».

Em suma, nos processos submetidos ao regime da LPTA, os recursos jurisdicionais deduzem-se no prazo de 10 dias, contados da notificação da decisão, ao que se segue o despacho de admissão do recurso e a apresentação das alegações (art. 106.º da LPTA).

O decurso desse prazo perentório de 10 dias extingue o direito de recorrer, não se podendo conhecer do recurso...

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