Acórdão nº 2209/14.0TBBRG.G3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCURA MARIANO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I - Relatório A Autora instaurou ação declarativa comum contra a Ré, pedindo que seja declarada a resolução do contrato de empreitada celebrado entre ambas, em 14.08.2008, devido ao abandono da obra por parte da Ré, e a condenação desta última a pagar-lhe a quantia de € 1.544.919,14, relativa aos prejuízos que resultaram da não realização da obra acordada, acrescida dos respetivos juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da propositura da ação e até efetivo e integral pagamento daquela quantia, e ainda do que se vier a liquidar-se posteriormente, por neste momento não ser ainda possível quantificar todos os prejuízos sofridos pela Autora como consequência do comportamento da Ré.

Contestou a Ré, impugnando a factualidade alegada pela Autora, designadamente que tenha abandonado a obra, e alegando que foi a Autora que deixou de efetuar os pagamentos do preço acordados.

Concluiu pela improcedência da ação e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a pagar-lhe o valor global de € 1.510.183,55, acrescido de juros de mora, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento daquela quantia. Pediu ainda que se reconheça ser a Ré titular de um direito de retenção sobre a obra executada, para garantia do pagamento daquele valor.

Replicou a Autora, impugnando a factualidade alegada em sede de reconvenção e concluindo como na petição inicial.

Realizado o julgamento foi proferida sentença, que decidiu:

  1. Julgar a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a ré do pedido.

  2. Julgar a reconvenção parcialmente procedente por provada, condenando a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 338.705,14.

Desta decisão interpuseram recurso para o Tribunal da Relação… a Autora e a Ré, tendo sido proferido acórdão, em 04.04.2019, que anulou a sentença proferida em 1.ª instância, determinando que se procedesse à fundamentação da decisão da matéria de facto.

Foi proferida nova sentença, mantendo-se o decidido.

Desta decisão, voltaram a recorrer a Autora e a Ré, tendo sido proferido acórdão pelo Tribunal da Relação …, em 30.04.2020, que julgou improcedentes os dois recursos, tendo confirmado a sentença recorrida, embora por não inteiramente coincidentes fundamentos de direito.

Relativamente às custas, decidiu o mesmo acórdão reduzir a 80% o valor do remanescente da taxa de justiça, consequentemente, dispensando-se o pagamento de 20%.

Desta decisão voltaram a recorrer Autora e Ré para o Supremo Tribunal de Justiça.

A Autora recorreu de revista comum e, subsidiariamente, de revista excecional.

Relativamente à revista comum, concluiu as suas alegações do seguinte modo: 1- Cabe no âmbito das competências do STJ sindicar o uso – no caso mau uso – feito pelo tribunal da Relação dos poderes que o art. 662º do CPC lhe confere, por, e para além do mais, consubstanciar questão de direito.

2 - Tal como cabe nas competências do STJ controlar a forma como o tribunal da Relação utiliza os poderes de reapreciação da decisão de facto da 1ª instância ou, interpretou e aplicou o princípio da livre apreciação da prova.

3 - O tribunal da Relação, melhor dizendo, o acórdão recorrido, em sede de fundamentação do seu acórdão, terá necessariamente que abordar especificamente cada uma das provas e correspondentes razões indicadas seja pela Recorrente, seja até pelo Recorrido, salvo naturalmente aquelas cuja consideração tiver ficado prejudicada sob pena de omissão de pronúncia, conducente até à nulidade da decisão.

4 - Torna-se, em face do invocado nas supra citadas als. a), b), c) e d) da epígrafe I, do requerimento da justificação para a interposição do presente recurso de Revista em termos gerais, e em face das decisões “ex novo” proferidas no acórdão recorrido, que o mesmo é passível da interposição do presente recurso que, como tal, e nos termos do art. 671º nº 1 do CPC, deve ser admitido.

5 - Salvo o devido respeito, em razão da 1ª sentença que tinha sido proferida em 30/05/2018 na 1ª instância, nada transitou em julgado.

6 - Foi ela objecto de recurso integral e irrestrito por parte da A. na parte da Sentença que lhe havia sido desfavorável.

7 - Tendo o tribunal da Relação, naquele seu 1º acórdão de 4/04/2019, decretado também sem qualquer restrição ou reserva a integral anulação da sentença recorrida parece, salvo o devido respeito, que não se possa falar em qualquer espécie ou parte de trânsito em julgado no que a tal 1ª sentença da 1ª instância concerne.

8 - A norma regulada no art. 635º n.º 5 do CPC, não tem por objectivo impedir que num caso como o dos autos, as partes aquando da interposição do Recurso de Apelação de uma Sentença proferida na sequência da total anulação de outra, fiquem inibidas de recorrer da totalidade e em toda a amplitude dessa mesma Sentença.

9 - Tal como, e até por maioria de razão pode ser a A/Recorrente impedida de, quando notificada das alegações de apelação da Ré, apresentar com a amplitude que entender necessário e adequado as suas contra-alegações.

10 - Não pode ser mantida, devendo ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, de não se pronunciar e não conhecer acerca do que está invocado nas conclusões 21 a 29 das alegações de Apelação apresentadas nos autos em 10/09/2019, 11 - Bem como, e até por maioria de razão, sendo absolutamente destituído de fundamento legal, a decisão de ignorar e proibir a A/apelante de nas suas contra-alegações elaboradas e apresentadas – aos 26/9/2019 (ref. n.º …) – em razão e para contraponto das alegações de Apelação que a R. entregou nos autos em 28/6/2019 – ref. n.º … – de responder com total liberdade a essas mesmas alegações de Apelação e de ampliar o âmbito do recurso nos termos do que expressamente prevê e permite o art. 636º n.º 2 do CPC.

12 - Daí que, essa parte da decisão do Acórdão recorrido e no mesmo proferida “ex novo” deverá ser revogada por este Supremo Tribunal – aplicação conjugada das normas do arts. 2º e 20º da CRP e arts. 629 nº 1, 636 nº 1 e 2 e art. 635º n.º 5 “a contrario” do CPC –.

POR OUTRO LADO, 13 - A Apelante visando a reapreciação da prova gravada, designada e concretamente, a reapreciação dos depoimentos que se deu ao trabalho e com o maior cuidado possível de identificar e localizar indicando: - a data da sessão da audiência de julgamento, em que o depoimento teve lugar; - a hora, minuto e segundo do início e a hora, minuto e segundo do término dos depoimentos invocados; - indicando e identificando o ficheiro informático em que o depoimento se mostra gravado no sistema “Citius”; - especificando e indicando o concreto tempo da gravação (hora, minuto e segundo) do depoimento em que se funda a impugnação da A. deduzida contra a decisão da matéria de facto proferida em 1.ª instância; - transcrevendo mesmo e “ex abundantia” essas concretas partes dos depoimentos das testemunhas que, concatenados com a prova documental, igualmente identificada e devida e criticamente analisados, impõem a alteração ou revogação da decisão respeitante à matéria de facto proferida em 1.ª instância.

14 - Ao actuar dessa forma, a A. e Recorrente, tem por certo que cumpriu, pelo menos, com razoável rigor, o estipulado naquelas alíneas a), b) e c) do n.º1 do art. 640º, tal como, também cumpriu o estipulado na al. a) do n.º 2 do mesmo art. 640º do C.P.C., já que :

  1. Identificou e especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, quer no que diz respeito ao elenco da matéria de facto “provada”, quer no que diz respeito ao elenco da matéria de facto “não provada"; b) Identificou e especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo (documentos), bem como os constantes do registo da gravação dos depoimentos (declarações de parte e depoimentos das testemunhas) que, pelas razões e fundamentos que também invocou, impõe decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da proferida na 1.ª instância; c) Identificou e especificou com toda a clareza as partes – números do elenco da factualidade declarada não provada e provada – da decisão proferida sobre as questões de factos pelo Tribunal de 1.ª instancia que deveria alterada, tal como, logo especificou o sentido e a respectiva amplitude ou restrição dessa alteração, - “vide gratiae” o escrito nas conclusões n.ºs 7, 8, 9, 10 e 11 daquelas alegações de Apelação apresentadas nos autos em 10/09/2019 – ref. n.º … - . 15 - Não existe bom fundamento para a conclusão exarada no Acórdão recorrido de que a Apelante impugnou a decisão respeitante à matéria de facto de uma forma “meramente genérica” e a partir dai encontrar pretexto para omitir a sua obrigação de se debruçar e pronunciar acerca da justeza da impugnação da decisão respeitante à matéria de facto proferida em 1.ª instância.

    16 - O que consta e está escrito nos capítulos II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, X e XI do corpo das alegações de Apelação da A/Recorrente e do resumo levado às conclusões n.ºs 3ª a 11ª é, salvo o devido respeito, demonstrativo que a mesma deu integral cumprimento ao determinado no art. 639º e 640º n.º1 als. a), b) e c) e n.º 2 al. a) do C.P.C.

    17 - É convicção da A/Recorrente que tendo a mesma cumprido na integra o essencial do ónus que sobre si recaía quanto à indicação e fundamentação para a impugnação da decisão da matéria de facto proferida n 1.ª instancia, o Tribunal “a quo” estava suficiente e essencialmente habilitado a exercer o seu “múnus” no que tange ao respeito e obrigação do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto – art. 639º e 640º do CPC.

    18 - Como se deixou escrito e é jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça: “ (…) Relativamente à falta de indicação nas conclusões da alegação dos réus dos factos concretos que pretendiam impugnar e do sentido decisório defendido para os pontos de facto questionados, entendemos não ser exigível essa concreta menção na síntese conclusiva apresentada. Necessário e indispensável é que tais elementos constem de forma suficientemente clara e inteligível do...

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