Acórdão nº 12968/16.0T8LSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Abril de 2023

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução13 de Abril de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1.

AA e BB intentaram contra Novo Banco, SA., e, subsidiariamente, contra, Banco Espírito Santo, SA., a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, formulando os seguintes pedidos: a) A condenação da primeira ré no pagamento aos autores da indemnização no valor de 481 207.46 € (quatrocentos e oitenta e um mil duzentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos), a título ressarcimento de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora já vencidos, no valor de 55 635,49 € (cinquenta e cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e quarenta e nove cêntimos) e os vincendos, desde a citação, e até efetivo e integral pagamento, e a quantia de 40 000,00 (quarenta mil euros), a título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos, desde a citação, e até efetivo e integral pagamento; Subsidiariamente, b) A condenação do segundo Ré no pagamento de idênticos valores.

Articularam, com utilidade: Os autores viveram na Suíça até 2006, onde conseguiram amealhar algum dinheiro, sendo que a partir de 1996 todas essas poupanças foram entregues, para depósito, no Banco Espírito Santo, SA., por intermédio da respetiva sucursal de ..., na Suíça, balcão sito na Avenue ... ..., onde contactavam com o funcionário CC, enquanto responsável máximo pela referida sucursal, com quem estabeleceram uma relação de confiança; Por várias vezes, e desde 1996, o autor marido deslocou-se ao balcão do BES, em ..., para fazer entregas de dinheiro e, algumas vezes, de cheques, ao CC, para depósito à sua ordem na instituição, sendo emitidos pelo balcão os respetivos documentos comprovativos; Foram emitidos extratos globais com regularidade e entregues ao autor marido, confirmando os depósitos que detinha no Banco, sendo que o último, datado de 10 de março de 2013, apresentava como valor global depositado o de CHF 531.336 (quinhentos e trinta e um mil trezentos e trinta e seis francos suíços), que, à data da propositura da presente ação corresponde, em Euros a 481.207.46 € (quatrocentos e oitenta e um mil duzentos e sete Euros e quarenta e seis cêntimos); O autor recebia o reembolso dos juros que, entretanto, se iam vencendo; A partir de junho de 2013, o autor não conseguiu contactar o funcionário CC e veio a saber que o dinheiro que lhe entregou não fora depositado no Banco, tendo aquele embolsado as quantias, delas se apropriando; Entretanto, foi decidida pelo Banco de Portugal a medida de resolução do BES, tendo o autor sido informado pelo Novo Banco, SA. que este declinava qualquer responsabilidade pela entrega aos autores das quantias depositadas; Os Autores não dispõem de património cujo rendimento permita fazer face às necessidades que têm, o que lhes tem causado incómodos, arrelias e muito nervosismo, tiveram insónias e perturbações do sono; O comportamento ilícito do funcionário CC ocorreu no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo BES, que deve responder, enquanto comitente, por tal ato porque praticado no lugar e no tempo dos serviços a cargo do comitido; A partir de março/abril de 2014, quando o BES se disponibilizou para lhes devolver o dinheiro depositado, deixou de poder ser considerado resultante de fraude, pelo que tal crédito não está excluído das responsabilidades transferidas do BES, para o Novo Banco, S.A., nos termos da Deliberação do Conselho de Administração do BdP, tomada na Reunião Extraordinária de 3 de Agosto de 2014, pelas 20 horas.

  1. Regularmente citado, o Réu/Novo Banco, SA. contestou impugnando tudo quanto é alegado na petição inicial e suscitou a sua ilegitimidade passiva pela circunstância de o pedido assentar num alegado desvio de fundos operado por um ex-funcionário do BES, que nunca foi colaborador do contestante.

    Argumentou ainda o Novo Banco SA. que: A alegada responsabilidade do BES não constituía passivo constituído e consolidado, registado na contabilidade, pelo que aquando da medida de resolução aplicada àquele não foi transferida para o Novo Banco, S. A., pois que se trata de contingência que ainda carece de decisão judicial sobre a imputação da responsabilidade pelos factos indicados; Conforme deliberações do conselho de administração do BdP, foram excetuadas da transferência para o Novo Banco, S. A. quaisquer responsabilidades ou contingências do BES, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penas ou contra-ordenacionais, pois que apenas são transferidas as responsabilidades do BES perante terceiros que constituam passivos registados na contabilidade, o que foi esclarecido pelas deliberações “Contingências” e “Perímetro” de 29 de Dezembro de 2015.

    Referiu também que, mesmo que assim se não entendesse, nunca poderia ser imputada qualquer responsabilidade ao BES ou ao Novo Banco, S. A., porquanto o ex-funcionário atuou extravasando as competências que lhe foram concedidas por aquele, para além do que tais quantias nunca foram depositadas no BES e conclui pela procedência da exceção deduzida ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.

  2. Contestou também o Banco Espírito Santo, SA. - Em Liquidação - suscitando a inutilidade da lide em face da revogação da autorização para o exercício da atividade por deliberação de 13 de Julho de 2016 do Banco Central Europeu, o que produz os efeitos da declaração de insolvência, sendo que os credores da insolvência apenas podem exercer os seus direitos no processo de insolvência, entretanto já iniciado (processo n.º 18588/16.2T8LSB da 1ª secção do Comércio da Instância Central da comarca de Lisboa), o que determina a extinção desta instância quanto ao BES, impugnando, quanto ao mais, os factos alegados, aderindo à contestação do Novo Banco, S. A..

  3. Foi concedida às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as exceções deduzidas, tendo os autores pugnado pela sua improcedência.

  4. Os Autores vieram requerer a intervenção principal provocada do Fundo de Resolução, que detém a totalidade do capital social do Novo Banco, SA., o que foi indeferido.

  5. Procedeu-se à realização da audiência prévia no decurso da qual foi solicitada e deferida a suspensão da instância para obtenção de documentos pelos Autores e foi dispensada a sua continuação.

  6. Foi proferido despacho saneador-sentença que declarou a extinção da instância quanto ao BES por inutilidade superveniente da lide, julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva e improcedente a ação, absolvendo o Réu, Novo Banco, SA. dos pedidos.

  7. Os Autores interpuseram recurso de tal decisão, que foi admitido, tendo a Relação de Lisboa proferido, em 4 de junho de 2020, acórdão que o julgou totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida.

  8. Interpuseram os autores recurso de revista excecional, parcialmente admitido quanto ao segmento decisório que julgou a ação improcedente relativamente ao Novo Banco, SA.

  9. Em 18 de Março de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão que julgou procedente o recurso, anulou o saneador sentença na parte em que conheceu imediatamente do mérito da causa, ordenando o prosseguimento dos autos, com vista à produção de prova sobre a factualidade controvertida atinente à caracterização da relação contratual estabelecida entre os Autores e o BES (relativa à certificação da abertura de conta, entrega de quantias no balcão da instituição de crédito originária, e circunstâncias em que decorreram as entregas de tais quantias), com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

  10. Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas de prova.

  11. Realizada a audiência final, em 31 de Agosto de 2022, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo: “condeno o Réu Novo Banco, S.A., a pagar aos Autores, AA e BB, a quantia de global de €496.207,46 (quatrocentos e noventa e seis mil duzentos e sete euros e quarenta e seis cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.” 13.

    Inconformado com esta decisão, apelou o Réu/Novo Banco, SA., tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, mantendo a sentença proferida em 1ª Instância.

  12. Novamente irresignado, o Réu/Novo Banco, SA. insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo sido aduzidas as seguintes conclusões: “A. Se é verdade que existe uma posição perceptível da jurisprudência relativamente à qualificação de passivos como “contingentes ou desconhecidos”, essa posição já é mais dificilmente decifrável quando falamos de exclusões específicas, como a das indemnizações por incumprimento de contratos assinados pelo BES antes de 03.08.2014, B. Nomeadamente no que toca ao alcance e ao significado, tanto do facto de terem sido usados como exemplo os contratos de compra e venda de activos imobiliários, como do facto de haver uma referência genérica a “outros”.

    C. O mesmo se diga da exclusão relativa à natureza fraudulenta dos passivos, que não se encontra devidamente escalpelizada, por exemplo, nos casos em que se suscita a eventual responsabilização do BES por actos praticados por colaboradores seus.

    D. Nesse sentido, ainda hoje é crucial a análise deste tipo de temas por parte do STJ, fundamentalmente pela importância do seu contributo para a eventual – e expectável – estabilização da discussão em torno do concreto perímetro da transferência (especialmente, de passivos) do BES para o NB.

    E. Do que vimos de dizer resulta que, também neste caso, se justifica o reconhecimento de e acesso a um último grau de jurisdição, uma vez que são ainda várias as dúvidas resultantes da posição assumida pelo TRL, ainda que este tenha confirmado a decisão da primeira instância.

    F. Cremos, assim, que se encontra suficientemente demonstrada a relevância das questões suscitadas no presente recurso para uma...

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