Acórdão nº 1142/11.2TBBCL.1.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | CURA MARIANO |
Data da Resolução | 14 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
* I – Relatório A Autora veio deduzir incidente de liquidação dos valores que o Réu havia sido condenado a pagar por decisão transitada em julgado do acórdão do Tribunal da Relação … proferido nos autos principais em 27.03.2014, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe um valor nunca inferior a € 240.000,00.
Contestou o Réu, alegando que a pretensão da Autora desrespeita a decisão a liquidar, concluindo pela sua improcedência.
Após realização de audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou o incidente improcedente, tendo absolvido o Réu do pedido.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 17.09.2020, julgou parcialmente procedente a apelação, fixando em € 60.782,40 o valor da contribuição da Requerente para a aquisição do património mencionado na matéria de facto provada.
O Réu interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça desta decisão, apresentando as seguintes conclusões na motivação apresentada: ...
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Dá-se por reproduzido o excerto da sentença proferida na acção declarativa e aderência dessa instância ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 06-07-2011, disponível na base de dados www.dgsi.pt transcrita no corpo das alegações.
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Fazendo parte integral da decisão a jurisprudência citada e dada como fundamento para a decisão, entendemos que a questão do trabalho doméstico ficou julgada e decidida, pois não foi em nenhuma instância posta em causa pela autora/recorrida, ficou assim resolvida e transitada julgado.
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O acórdão recorrido violou o disposto no artigo 628º do Código de Processo Civil.
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No âmbito da relação de união de facto, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de que não há lugar a indemnização pelo trabalho doméstico.
8º Dá-se por reproduzido o excerto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 06/07/211, proferido no processo nº 3084/07.7TPPTM, E.1.S.1, transcrito no corpo das alegações, onde consta no ponto II do sumário o seguinte: “Em caso de dissolução da união de facto, o trabalho doméstico que a autora fez enquanto viveu naquela situação com o réu, porque constitui uma participação livre para a economia comum baseada na entreajuda ou partilha de recursos, não lhe confere o direito de restituição do respectivo valor.” 9ª O acórdão recorrido contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.
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Ao decidir no sentido da retribuição do trabalho doméstico o acórdão recorrido interpretou erradamente normas jurídicas, designadamente as seguintes de direito substantivo: 402º, 403º, nºs 1 e 2, 473º, 483º, 1672º, 1674º, 1675º, nº1 e 1676º nº 1, todas do Código Civil.
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Nos termos do disposto no artigo 1874º, nº 1 do Código Civil,: “Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência.,” 12ª Estamos, quanto a esta questão, no domínio de obrigações judiciais competindo à mãe, ora autora/recorrida, tal como ao pai no interesse do filho, velar pela segurança e saúde deste, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, nos termos do artigo 1878º, nº 1, do Código Civil.
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As obrigações decorrentes do poder paternal, no âmbito do direito do direito das obrigações, são designados como poderes funcionais ou direitos-deveres, distinguem-se dos direitos subjectivos patrimoniais porque o titular não é livre no seu exercício, tendo obrigatoriamente que exercê-los, por um lado, e tendo de fazê-lo, por outro em obediência à função social a que o direito se encontra adstrito; João de Matos Antunes Varela, pag. 61, in Das Obrigações em geral, Vol. I, 7ª edição, Almedina. Coimbra.
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O cuidar do filho menor é um dever da autora/recorrida.
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É um dever fundamental da autora/recorrida ter cuidado do filho menor, imposto não só pela lei ordinária como até pela Constituição da República, nos termos do seu artigo 36º.
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O acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães violou o disposto nos artigos 1874º e 1877º do Código Civil.
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Dá-se por reproduzido a matéria alegada nos artigos 16., 17, e 18. da contestação do réu/recorrente.
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Com a contestação e referente à matéria alegada nos referidos artigos, foi junto aos autos a certidão de uma escritura pública de constituição de uma sociedade comercial por quotas, como documento nº 4.
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O documento nº 4, escritura pública de constituição de sociedade, consta nos autos da acção declarativa, documento junto com a contestação nesse processo, e trata-se da constituição de sociedade comercial por quotas, celebrada no dia dezasseis de março de mil novecentos e noventa e cinco, no 1ª Cartório Notarial de …., tendo como outorgantes, AA, autora/recorrida, CC, irmão do réu/recorrente e DD, irmão da autora/recorrida, denominada “M….., LDA”, tendo por objecto o comércio a retalho, por grossso, importação, exportação e acabamentos de móveis, artigos de iluminação e outros artigos para o lar.
20º A sede da referida sociedade, foi no lugar de …., freguesia de ….., do concelho de ….., ou seja, a sede e instalações onde funcionava a loja de móveis, inicialmente do réu/recorrente.
21º A escritura pública de constituição de sociedade é um documento autêntico e confirma o facto de a autora/recorrida no dia 16 de Março de 1995, ter constituído uma sociedade comercial para exercício do comércio de móveis.
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Isto significa que a partir de 16 de Março de 1995 a autora/recorrida desvinculou-se do réu/recorrente do negócio dos móveis, passando a exercer esse comércio por sua conta e risco.
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Dito isto, resulta que a partir de 16 de março de 1995 a recorrida deixou de “beneficiar” o réu/recorrente, este nunca beneficiou de nada da autora/recorrida, pelo contrário, com o seu trabalho no negócio de móveis.
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Por consequência o cálculo utilizado pela Relação, como referência 2/3 do salário mínimo nacional, terá que ter como limite ou fim a data de 16 março de 1995, ou seja de 1981 a 16 de março de 1996.
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Em limite, deveriam ser estas as premissas, para cálculo do valor a considerar.
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A pensar-se o contrário a recorrida estaria a ser ilegalmente beneficiada, ao auferir um salário, sem que de facto prestasse qualquer trabalho, o que é manifestamente um enriquecimento sem causa.
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Seria injusto o réu/recorrente retribuir a autora/recorrida, por um trabalho que não prestou.
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O documento, escritura pública, junto aos autos na contestação, como documento nº 4, não foi impugnado pela autora/recorrida, pelo que aceitou o seu teor.
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Os documentos autênticos fazem prova plena, nos termos do disposto no artigo 371º, nº 1 do Código Civil e a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, nos termos do nº 1 do artigo 372º, nº 1 do Código Civil.
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Tinha, assim o Tribunal da Relação de Guimarães, o dever de ter em consideração na elaboração do acórdão/recorrido, todos os documentos constantes dos autos, e na fundamentação da mesma o respeito pelo determinado no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil, que expressa o seguinte, norma que se cita: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
31º O Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 371º, nº 1 e 372º, nº 1 do Código Civil e o disposto no artigo 607º, nº 4 do Código de Processo Civil.
A Autora apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação.
* II – Do objeto do recurso Encontrando-se o objeto do recurso delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida e pelas conclusões das alegações de recurso cumpre apreciar as seguintes questões: - O acórdão recorrido violou regras do direito probatório, ao não valorar a certidão de uma escritura pública de constituição de sociedade junta aos autos com a contestação como doc. n. 4 ? - O acórdão recorrido, ao contabilizar o trabalho desenvolvido na lide doméstica pela Autora, como um fator contributivo, conheceu de questão que já havia sido definitivamente decidida pela sentença proferida, na 1.ª instância, na ação declarativa? - A Autora não tem direito à contabilização do valor desse trabalho? - Também não pode ser contabilizado o valor do tempo e energias despendido pela Autora com a educação e os cuidados com o filho do casal ? - O cálculo do valor do trabalho desenvolvido pela Autora na gestão do estabelecimento comercial de móveis deve ter em consideração que o mesmo cessou em 16 de março de 1995 ? III – Os factos Neste processo encontram-se provados os seguintes factos: 3) O Tribunal da Relação …, por acórdão de 27.03.2014, determinou: «Reconhecer-se e declarar-se: - O direito da A. a receber do R. a sua contribuição para a aquisição, reconstrução e mobília do imóvel que o casal destinou sempre à sua habitação, em medida inferior a metade da totalidade da respetiva despesa - O direito da A. a receber do R. o valor da contribuição que prestou na despesa por aquele realizada na aquisição do veículo ……, matrícula ……, na aquisição do mobiliário descrito no auto de arrolamento de fls. 62 a 64 do apenso da providência cautelar, e na aquisição de todos os imóveis inscritos a favor da sociedade ….. – Imobiiária, Lda., sempre em menor parte que a contribuição do R.
- O direito da A. a metade do estabelecimento comercial de mobiliário que o casal tinha instalado no rés-do-chão da casa que destinava à sua habitação.
Tais valores serão liquidados oportunamente, sem que se condene o R. na restituição do que quer que seja, por não ter sido pedida a sua condenação.
Quanto ao mais...
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