Acórdão nº 00654/19.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: M.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 07.10.2020, pela qual foi julgado improcedente o presente processo cautelar deduzido contra o Ministério do Planeamento e das Infraestruturas (Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro – “CCDRC”), para a suspensão da eficácia do acto que ordenou a demolição “de edificações existentes (moradia e anexos) em terreno afecto à restrição de utilidade pública da Reserva Ecológica Nacional (REN), georeferênciado na carta da REN de Vagos com as coordenadas Lat 40º34’27. 15’’N e Long. 8º 44’ 26.25’’ W, sito na Estrada (…) e reconstruir a situação anterior à prática da infracção”, bem como “a remoção dos resíduos resultantes das demolições e apresentação das cópias das guias electrónicas de acompanhamento de resíduos, comprovativas do devido encaminhamento de resíduos para o destino licenciado”.

Invocou para tanto, em síntese, que estão verificados todos os pressupostos para o decretamento da providência cautelar, desde logo o fumus boni jiuris, ao contrário do decidido na sentença recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1 - No âmbito do processo DSR_Aveiro 164/2019, Ref_2013_0050_011804, ID 63781 que corre na CCDR-C (referente à alegada violação do RJREN, por parte do Recorrente) este foi notificado para, em 60 dias, proceder à demolição da moradia e anexos sitos na Estrada de (...), n.º 12 e reconstruir a situação anterior à prática da infracção.

2 - O Recorrente intentará acção administrativa (processo principal), pedindo a declaração de invalidade (por nulidade) do acto administrativo (artigo 114.º, n.º 3, alínea e), do CPTA). Porém, para não esvaziar de utilidade a decisão a proferir na acção principal, intentou providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, que foi indeferida pelo Tribunal a quo por falta de fumus boni iuris - decisão com a qual o Recorrente não se conforma.

3 - Além do fumus boni iuris, para o decretamento da providência cautelar de suspensão da eficácia do acto, devem estar preenchidos cumulativamente (e estão) outros dois requisitos: o periculum in mora e a não verificação do disposto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA.

4 - O periculum in mora verifica-se, porquanto: a) a não suspensão da ordem de demolição determinará prejuízos incalculáveis ao Recorrente; b) e contende com diversos direitos e preceitos legais e direitos do recorrente, alguns mesmo com assento constitucional; c) com o decretamento da providência, conseguir-se-á a suspensão da prática do acto e, d) julgando-se pela nulidade do mesmo, na acção principal, permitir-se-á que o recorrente veja sanadas as variadas violações legais/de princípios constitucionais e) poderá correr-se o risco de a decisão principal não ser proferida a tempo de dar resposta adequada ao litígio, por se ter consumado uma situação irreversível, incalculavelmente lesiva para o Recorrente: a demolição da sua casa de habitação; f) aliás, pode ocorrer uma inutilidade superveniente da lide quando o PDM de Vagos passar a classificar o solo da Rua da (...) como solo urbano (pois já não se equacionará a demolição da casa do Recorrente nos termos do artigo 20.º, n.º 1, b) do Decreto-Lei n.º 166/2008.

5- Não se verifica o disposto no artigo 120.º, n.º 2, do CPTA, pois ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultarão, da concessão da providência, para o interesse público, não são superiores àqueles que podem resultar, para o recorrente, da sua recusa: a) há décadas que se encontram construídas naquela Rua da (...) muitas casas em condições semelhantes à do Recorrente (servidas por rede de electricidade, água, telefone, internet, televisão por cabo, estando previsto o saneamento); b) por isso, não advêm danos de cariz significativo para a natureza, pela não demolição de uma única casa, quando no mesmo local, existem outras casas e infraestruturas susceptíveis de, em abstracto, lhe continuar a causar danos; c) e, se se está fazer a revisão do PDM de Vagos, é porque esses eventuais “danos” não têm relevância; d) com a alteração ao PDM de Vagos, Rua da (...) virá a ser classificada como solo urbano, eliminando-se a situação de ilegalidade em que este se possa encontrar – construção de edificação em solo pertencente à REN - o que, aliás, já foi devidamente atestado nos autos pela Câmara Municipal de Vagos; e) assim, a suspensão do acto administrativo até à aprovação da alteração ao PDM de Vagos não configura um dano para o interesse público superior aos danos que o recorrente poderá a ter de vir a suportar com o acto administrativo em causa, visando, sim, acautelar os seus direitos e interesses legalmente protegidos, bem como defender da legalidade contra a qual atenta a ordem de demolição.

6 - Da existência do fumus bonus iuris: 6.1. A preterição do direito de defesa e contraditório do recorrente e do dever de fundamentação dos actos pela administração (a protecção do direito à habitação) • Na ordem de demolição, e anexos, consta que foram realizadas visitas inspectivas ao local em 31-01-2018, 08-11-2018, 27-02-2019 e 29-03-2019, sendo que: a) as fotografias são muito escuras e de fraca qualidade/visibilidade, alegadamente tiradas nas visitas de 31-01-2018, 08-11-2018 e 29-03-2019 (nada se dizendo quanto à de 27-02-2019) e não indicam com precisão quais os locais/áreas fotografados; b) não são referidos os factos (e normas legais infringidas) a que as fotografias se reportavam, c) nenhum auto foi elaborado – ou não foi remetido ao Recorrente – quanto às alegadas visitas, que se limitaram a tirar fotografias legendadas/identificadas de forma genérica e imprecisa, d) sendo apenas acompanhadas de plantas cartográficas com pouca ou nenhuma legibilidade/inteligibilidade.

• Além disso: a) os factos descritos pecam por imprecisão, pois não permitem ao Recorrente saber, com certeza, os locais/áreas objecto da ordem de demolição; b) a Recorrida não diz que áreas/espaços são aqueles que constam das plantas/fotografias; c) por isso, o Recorrente não consegue perceber, com a certeza que se impõe, afinal quais são as áreas que a Recorrida entende serem de demolir d) da informação DSR_Aveiro 174/2019 consta que “para e edificação existente ter enquadramento no RJREN era exigível que a sua área de implantação não excedesse 2% da área total do prédio, até ao limite de 250 m2, nos termos da portaria n.º 419/2012, de 20 de Dezembro (…)” sendo que nada se diz sobre como se chegou à conclusão que a edificação em causa não preenche tais requisitos.

• A Recorrida (e, bem assim, a sentença a quo) incorre em violação do dever de defesa e contraditório do Recorrente (artigo 121.º e 122.º do Código de Procedimento Administrativo), assim como o dever de fundamentação dos actos pela administração (art. 268.º n.º 3 da CRP), e igualmente, do direito à habitação do Recorrente, constitucionalmente consagrado (artigo 65.º do CRP), o que é causa de nulidade do acto, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, d) do Código de Procedimento Administrativo, por contender com direitos fundamentais dos administrados, uma vez que: a) constitui garantia de defesa dos administrados o cabal conhecimento – em toda a sua extensão – dos factos que lhes são imputados, e das normas violadas, b) pelo que deveria ter sido remetido ao recorrente o assento documental lavrado aquando das ditas visitas (factos e normas infringidas a que se reportam), pois que as mesmas são os elementos que fundam a ordem de demolição c) assim, a notificação e informação anexa remetidas ao recorrente está redigido de uma forma, prolixa, imprecisa ou vaga.

• Nada obsta a uma aplicação extensiva ou analógica dos artigos 45.º, 46.º e 49.º da LQCA e artigo 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (cuja violação também se invoca), pois o bem jurídico que tais normas visam proteger é o ambiente/natureza, que é o interesse público que aqui está em causa. Aliás, o facto de este acto administrativo contender com o direito fundamental do Recorrente à habitação, justifica um ainda maior e mais exaustivo dever de fundamentação por parte da Administração, e uma mais cuidada observância do direito de defesa/contraditório do Recorrente, mais justificando que a entidade Recorrida observasse o disposto nas normas já referidas - o que não aconteceu.

• A circunstância de terem sido remetidas algumas imagens de localização ao Recorrente não afasta as falhas já apontadas; o facto de o Recorrente saber que o que está em causa é a sua casa não iliba a recorrida de cumprir com o dever de descrever os factos/direito de forma precisa e rigorosa - antes pelo contrário! 6.2. A anterioridade da construção em causa relativamente ao acervo legal alegadamente violado.

• O acervo legal alegadamente violado pelo Recorrente é posterior à edificação da casa no terreno em causa, e também isso é causa de nulidade do acto administrativo, ao contender com normas que visam a protecção de direitos fundamentais do administrado, que tê - artigo 32.º do RGCO, artigo 29.º, n.º 1 e 3, da CRP (normas que a sentença violou ao decidir...

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